domingo, 20 de junho de 2021

Sotaque da terra

Estas pedras
sonham ser casa

sei
porque falo
a língua do chão

nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa no mundo,
pegada nas areias do Índico

agora
ouço em mim
o sotaque da terra

e choro
como as pedras
a demora de subirem ao sol




Mia Couto (1955) é um escritor, poeta e jornalista moçambicano. Ganhador do Prêmio Camões de 2013. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras para a cadeira n.º 5.

Mia Couto, pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, nasceu na cidade da Beira, em Moçambique, África, no dia 5 de julho de 1955. Filho de Fernando Couto, emigrante português, jornalista e poeta que pertencia aos círculos intelectuais de sua cidade. 
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Poema e biografia - daqui

quinta-feira, 10 de junho de 2021

CAMÕES - Líricas

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;

começa de servir outros sete anos,
dizendo:-Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.





Meus amigos, estarei uns dias ausente.
Tenham um bom fim de semana.
Abraços.

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1 - Soneto - in Líricas, pg 53/54
2 - Endechas a Bárbara escrava - 5 oitavas em redondilha menor - musicadas - voz de Zeca Afonso

domingo, 6 de junho de 2021

Cantiga africana


"O ló kalunga uá mu bangele...”

Assim cantava Denxo,
Ao som do pilão
Cantiga que aprendera
Nas roças de S. Tomé.

"O ló kalunga uá mu bengele..."

Denxo cantava e soluçava
Ao compasso ritmado
Do pó batendo no pilão
Para milho, fazer cachupa

"Bangele-Lé Lelé..."

De balaio erguido na mão
Panela à espera do lume
Bolso sem um tostão
Denxo venteia seu milho

"Lé Lelé.."

Perdeu o alento
Sua canção desfeita em lágrima
Sobre o farelo caído no chão
Enquanto pensa no seu irmão
Que ficou na terra do café.





Ana Júlia Monteiro Macedo Sança, nasceu em Cabo Verde, na África de língua portuguesa.
Seu primeiro livro — Arco Vírus e Vibra Sóis foi publicado em 1985 pela editora Peregrinação.
Poetisa laureada, a Ana já ganhou prêmios em Itália, Portugal e Estados Unidos. É funcionária do Consulado-Geral de Portugal em Toronto (Canadá). aqui




Sobre o crioulo de São Tomé e Príncipe

O santome, também conhecido como forro, fôlô, lungwa santome, dialeto ou são-tomense, é uma língua crioula de base lexical portuguesa que surgiu no século xvi, na ilha de São Tomé, fruto do contacto entre o português e diversas línguas do continente africano. Depois do português, língua oficial, o santome é a segunda língua mais falada na República de São Tomé e Príncipe, mas não goza, atualmente, de estatuto oficial, embora tenha sido declarada uma das línguas nacionais, ao lado do angolar (ngola) e do principense (lung’ie). A primeira referência histórica ao santome data de 1627, altura em que o Padre Alonso de Sandoval, a partir de Cartagena (Colômbia), menciona a existência da lengua de San Thomé. Já no século xviii, mais precisamente em 1766, Gaspar Pinheiro da Câmara também faz alusão a esta língua ao escrever que he de saber que a gente natural destas ilhas tem lingoa sua e completa, com prenuncia labeal, mas de que não me consta haver inscripção alguma (...) (apud Espírito Santo 1998: 59, nota 1.). A língua escrita só apareceria pela primeira vez na segunda metade do século xix, quando autores como Francisco Stockler e António Lobo de Almada Negreiros, bem como os pioneiros dos estudos crioulos, Hugo Schuchardt e Adolpho Coelho, nos dão a conhecer os primeiros fragmentos nesta língua.  Ver mais aqui

Dá-se o nome de ‘língua crioula’ à língua que nasce do contato entre, normalmente, um povo expansionista e dezenas de outros povos confinados em um determinado ambiente”. Ou seja, “crioulo”, em linguística, nada tem a ver com etnias, mas sim 
com a criação de 
um idioma 
a partir da aglutinação e variação das culturas presentes 
em um determinado local. 
Ver mais


Boa semana, meus amigos.

Abraços


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Poema e imagem: site de António Miranda


terça-feira, 1 de junho de 2021

"Cousa nossa"

No Grande Livro do Tempo
Onde se inscrevem os milagres e todos
Os feitos. E as insígnias do sangue e
Do leite materno

E a memória dos dias faustos
E de todos aqueles que são e aqueles outros
Que hão-de vir

Nasceu uma estrela
E a acolheste em teu regaço e a ungiste
E a embalas em teus braços
E quiseste que eu a visse e amasse
Como se fosse “cousa” nossa

Que devolvo agora embrulhada
Em palavras néscias
A que acrescento
Minha bênção

Como se fora estrela minha.

Manuel Veiga




Hoje, Dia Mundial da Criança
trago este Poema ternurento 
de Manuel Veiga
que contém uma mensagem de amor.
A todas as crianças devemos este olhar carinhoso
de devoção e bem-querença.
Tantas e tantas que passam pela vida sem conhecer
um mínimo de conforto seja em situação de guerras,
catástrofes, pobreza, ou tão-somente por maus-tratos.
Olhemos para elas e por elas e demos-lhes o nosso
apoio e carinho como se todas fossem
"Cousa nossa".

 


Princípio VI
A criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas terão a obrigação de cuidar especialmente do menor abandonado ou daqueles que careçam de meios adequados de subsistência. Convém que se concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a manutenção dos filhos de famílias numerosas.




Meninas-prodígio que nos acompanham nesta homenagem.


Veja aqui a biografia e bibliografia do Autor.


Abraços.



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Vide:


Alguns posts sobre a Criança, no Xaile

Imagem:Pixabay