segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

"Sabugal - o maior presépio natural do País"



Sabugal é uma cidade localizada no distrito da Guarda, na região da Beira Interior, em Portugal. Faz fronteira com a Espanha e está situada a cerca de 2 horas de carro da cidade do Porto.

É para lá que vamos, meus amigos. Virtualmente, quem lá não mora. Porque é lá que existe o maior Presépio natural de Portugal que neste ano adopta o seguinte slogan: O Maior Presépio Natural… Da Tradição ao Renascer das Florestas!

Os funcionários do Município e a artista plástica Beatriz Rodrigues idealizaram e concretizaram este Presépio que se alonga por 1 500 m2 pela cidade de Sabugal, entrelaçando tradição e a vontade de trazer para o presente o renascimento das florestas, o mesmo é dizer, a defesa dos espaços verdes e da natureza.

A inauguração do Presépio está marcada para o próximo dia 6 de Dezembro e fica entre nós até ao dia 6 de Janeiro, Dia de Reis. Inclui uma programação que vai desde pista de gelo, mercadinho de Natal, comboio turístico que percorre o Centro Histórico de Sabugal e mais actividades.

Tempo também para nos deslocarmos ao Museu de Sabugal para admirarmos a exposição permanente de cariz arqueológica e uma exposição de fotografias que nos traz à lembrança o Grande Vale do Côa, que, segundo informações que temos,

 é um local único no mundo por apresentar manifestações artísticas de ar livre inseríveis em diversos momentos da Pré-História, Proto-história e da História, nomeadamente o mais importante conjunto de figurações paleolíticas de ar livre até hoje conhecido.




Fiquemos por aqui e leiamos o texto que o Município de Sabugal produziu e que fala sobre este acontecimento.

De passagem, lembremo-nos que hoje é Feriado Nacional, Dia da Restauração da Independência, alcançada no dia 1 de Dezembro de 1640. Como diz a História, um grupo de conjurados, depois dos preparativos óbvios, resolveu arrancar o seu País do jugo espanhol. Como estamos lembrados, governava Portugal a "Dinastia Filipina". Com este acto encerraram-se 60 anos desse domínio e foi aclamado D.João IV, como Rei de Portugal.




Video do Presépio de 2023




Abraços, meus amigos.
Olinda



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Imagens alusivas ao Presépio de Sabugal - da net

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Terramoto de 1755 - 270 anos (2)

Ainda não acabei de ler o livro. Vou na página 91 das 136 que o compõem. Sempre tive curiosidade em saber mais pormenores sobre esse sismo, ocorrido a 1 de Novembro de 1755. E este autor deu-me essa oportunidade. O livro traz muitos termos técnicos que ficam para quem resolver a lê-lo. Da minha parte aqui vão mais uns apontamentos no que diz respeito ao sofrimento das pessoas, aumentado pelos incêndios que foram a principal causa dos danos materiais, já para não falar dos milhares de volumes perdidos nessa tragédia. A reconstrução de Lisboa, já com o espírito iluminista em evidência, foi de pronto levada a efeito.



Alguns lisboetas estavam em casa, outras nas igrejas, onde se festejava o Dia de todos os Santos. O caos torna difícil o retrato preciso dos fenómenos. Nos palácios, casas e igrejas, desabam paredes. As abóbadas cedem na simetria geométrica e abatem-se sobre as pessoas. O estrondo das derrocadas e dos gritos torna ainda mais difícil a precisão das observações. Os gritos, gemidos e lamentos constam de todos os relatos. O choro e o alarido das crianças causam ainda mais perturbação entre as testemunhas. (...)

A magnitude do colossal sismo acaba de provocar um efeito tremendo no fundo do oceano. A massa de água sobe numa gigantesca escala, cerca de 20 metros, provocando um tsunami transoceânico. A escala da deslocação de água na fonte do do sismo é praticamente inimaginável, um valor estimado em mil biliões de litros. As ondas propagam a energia, a caminho da costa de Portugal, Sul de Espanha e Marrocos. pg 53

Na verdade, o incêndio foi a principal causa dos danos materiais mais profundos e massivos. pg 59

Os historiadores nunca falham em referir a perda de 53 palácios, 60 capelas e 46 conventos. No entanto, nestas salas e corredores habitaram adolescentes angustiados por uma palavra severa do seu primeiro amor, criadas e lavadeiras extenuadas de trabalho alimentando sonhos de vida autónoma, mães inconsoláveis agarradas à almofada onde os filhos deixaram o último suspiro...p.67

Os 55 mil volumes do Conde de Ericeira, as livrarias de vários duques eruditos (tanto o Duque de Lafões como o Marquês de Valença eram cultíssimos leitores de obras clássicas), além das riquíssimas bibliotecas de numerosos conventos. 

Recordar 1755 - André Canhoto Costa


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Na capa traz esta informação:

Nos 270 anos do Grande Terramoto de Lisboa

QUAKE - Museu do Terramoto de Lisboa


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Tenham um bom fim de semana, amigos.

Abraços

Olinda


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Terramoto de 1755 - 270 anos (1)

imagem - Net


terça-feira, 25 de novembro de 2025

UM AMOR

 



Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice, 
in "A Partilha dos Mitos"




Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória, (1949-2024
foi um ensaístapoeta, ficcionista e professor universitário português.

Reconhecido como um dos maiores nomes da 
poesia contemporânea portuguesa...




Anselmo Ralph
Fim do mundo




Boa semana, amigos.
Abraços
Olinda


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Ver Nuno Júdice aqui, no Xaile
imagem : pixabay

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Junto à água





Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.

Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse.

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.






Ala dos Namorados 
Caçador de Sóis
(Nuno Guerreiro)






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In: Manuel António Pina - Poesia, Saudade da Prosa
(uma antologia pessoal) pgs 26 e 27

Vide Manuel António Pina - aqui

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Terramoto de 1755 - 270 anos

 Em 1755, Lisboa seria a quarta maior cidade da Europa e a sua escala era acompanhada por uma ostentação ímpar. Os viajantes costumavam elencar o cortejo das raridades: a Igreja Patriarcal, com a sua legião de músicos e cantores, as joias da Igreja de S. Roque, o faiscar dos diamantes encrustados em toalhas, cortinas e paramentos, as alfaias forjadas em metais preciosos. No Paço da Ribeira - habitação do rei - havia tapeçarias da Flandres, tetos pintados por mestres italianos, porcelanas chinesas e uma biblioteca vastíssima. (...)

 As famílias enriquecidas pelo comércio imperial compravam artigos de luxo às melhores lojas da Europa, relógios e baixelas de prata, bordados e porcelanas, não esquecendo a roupa das mulheres ricas, vestidas à francesa, com os seus caríssimos xailes e luvas de tecido oriental. 

 Era sobretudo o ouro do Brasil, chegado a Lisboa, o que permitia comprar os distintos casacos, as meias de seda e as cabeleiras de fabrico francês, os ricos móveis do Oriente, e o que permitia alimentar festas e sumptuosos fogos-de-artifício, para além dos monumentos majestosos, como a famosa e gigantesca Ópera, onde havia camarotes luxuosos e até uma porta para introduzir cavalos no palco. (...)

André Canhoto Costa, Recordar 1755, pgs 40,41 



***

 Faltavam apenas dois meses para o ano seguinte. Mas, como diz o ditado, o homem põe e Deus dispõe. O terramoto viria abalar irremediavelmente o status quo em vigor. Acontecera o impensável, o que abalaria a Europa nos seus fundamentos societais e, inclusivamente, no aspecto das crenças das pessoas que viram nisso o castigo de Deus.

 O autor, neste seu livro, começa por falar da Lisboa antiga com todos os seus privilégios que viria a ser destruída, literalmente, pelo abalo sísmico de 1755. Uma obra que toca nos pontos nevrálgicos do Império e que traz muitos Code QR para nos informar sobre os documentos a que faz referência.

 O homem que se distinguiu nesse trágico acontecimento, como sabemos, foi o Marquês de Pombal e Conde de Oeiras, Sebastião Jose de Carvalho e Melo, Secretário de Estado do Reino, de 1750 a 1777, durante o reinado de D José.  Além da sua acção no terramoto de 1755, com a consequente reconstrução da cidade de Lisboa, protagonizou o processo dos Távoras e a expulsão dos Jesuítas de Portugal e colónias. 

Representante do despotismo esclarecido em Portugal, que defendia a exaltação do Estado e o poder do soberano, incorporada por ideias iluministas, várias foram as reformas administrativas, sociais e económicas que levou a efeito. Entre elas assinala-se a criação da Real Mesa Censória em 1768, com o objetivo de transferir, na totalidade, para o Estado a fiscalização das obras que se pretendessem publicar ou divulgar no Reino, o que até então estava a cargo do Tribunal do Santo Ofício aqui

 Na sequência do terramoto, vemos intelectuais da época analisar e opinar sobre o que acontecera como, por exemplo, M. de Voltaire, de seu nome, François-Marie Arouet. Ele produz, sobre o assunto, um extenso poema. 

Eis um excerto:

"Ó infelizes mortais! Ó terra lastimável!

Ai da horrível comunhão de todos os mortais!
Exercício eterno que inúteis dores mantém!
Filósofos iludidos que gritam: “tudo está bem”,
Vinde depressa e contemplai as horrendas ruínas
Esses destroços, esses farrapos, essas cinzas desgraçadas,
Essas mulheres e crianças, umas amontoadas sobre as outras;

..."

 Na gestão desta calamidade, foi atribuída ao Marquês de Pombal esta frase: Enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Contudo, a mesma terá sido da autoria de Pedro de Almeida, 1º Marquês de Alorna.

Voltarei com mais um apontamento. 

Abraços, meus amigos

Olinda


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Recordar 1755 - De André Canhoto Costa, 1ª edição Outubro de 2025

imagem: net

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Que desabrochem flores...

 Havia em Babilónia uma canção. Tão prenhe de memória que explodia em multidões...

Um dia, alquebrados, mas vivos, os babilónios ocuparam a rua. Com fome de pão e de Futuro. E abarrotaram avenidas e praças, num coro de estrofes e emoções...

Hammurabi, o legislador, cofia a barba: há que subir o pré aos generais.

Chegou tarde, porém - os generais estão indignados...

Dizem alguns que os Escribas estão a mudar de campo. E relatam...


**

Um poeta cego e semilouco exclama: que desabrochem flores na ponta dos sabres!...

In: Notícias de Babilónia e outras metáforas, pg 95, de Manuel Veiga


O autor entende a crise racionalmente, mas sente-a emocionalmente. É sobretudo um criador de poesia, da qual não se desembaraça nestes textos. As suas metáforas políticas, quase sempre amargas, constituem, de alguma forma, insurgências de uma zombaria ancestral, com que a arraia-miúda se vingava dos desmandos dos poderosos. Outras vezes, os textos ecoam uma plangência dorida e esperançosa, como gestos solidários que se expõem desamparados ao leitor (…) do prefácio de António Bica João Corregedor




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Imagens: net

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Tertúlia de Amor (4)

 


Convite da amiga Rosélia para esta 

Tertúlia de Amor

a decorrer até Dezembro

(Um post por mês)

BLOG: AMORAZUL




Reencontro


Na Promenade des Anglais, em Nice, o  mar sussurrava e enviava as ondas como mensagens aos transeuntes trajados de roupas estivais. Os pares avançavam mansamente, com vagar, naquele fim de tarde dourado. Segredavam coisas e davam risadas gostosas, aspirando a brisa que
cheirava a maresia. 

Dinola e Manuel seguiam naquele balancé, enterravam os pés na areia e sentiam a sua frescura, saltavam alegremente, corriam atrás um do outro completamente descontraídos e dando graças por se terem reencontrado.

Estiveram longe durante quanto tempo? Cinco anos, dez anos? Que importa? Contra todas as expectativas, deram de caras numa excursão em Saint Paul de Vence, pelas aldeias medievais, no momento em que Dinola quase torcia um pé numa das ruelas floridas. Providencialmente foi socorrida por Manuel e desataram às gargalhadas quando se reconheceram. 

A partir desse momento, ficaram inseparáveis, procurando afincadamente restaurantes que lhes lembrassem os sabores do passado e admirando-se com pinturas de Matisse e outros pintores, e passeando por recantos maravilhosos.

Agora, ali estão eles felizes, ao pé do mar, desafiando o tempo e pensando apenas que esse mesmo tempo lhes oferecia aqueles momentos como uma dádiva.
 
No seu encantamento, amantes de dança, ouviram, não se sabe de onde, acordes lindíssimos de piano e deixaram-se levar, embalados naquele pôr-do-sol... 

Olinda 



Maria João Pires
Aplaudida mundialmente, acaba de
anunciar o fim da sua carreira
como intérprete


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Imagem: net

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

LISBON REVISITED (1923)


Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Álvaro de Campos





Lisbon Revisited (1923)
Por Antônio Abujamra
Álvaro de Campos (1890-1935) igual a si próprio. 

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Contudo, dá-me parecenças com José Régio (1901-1969), com o seu "Cântico Negro":
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

Ambos rebeldes na sua forma de escrever e de ver o mundo. 
Fernando Pessoa tinha uma vida interior rica e complexa, como o demonstram os seus vários heterónimos.


Abraços e boa semana, amigos.
Olinda


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1923

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

  - 247.

1ª publ. in Contemporânea, nº 8. Lisboa: 1923.


Arquivo Pessoa: Obra Édita - LISBON REVISITED (1923) -

domingo, 26 de outubro de 2025

João Chagas - o jornalista panfletário*

  Anteontem, no banquete oferecido em Santarém aos republicanos de Lisboa, deu-se um episódio ao qual tive a boa fortuna de assistir.

 Ao terminar um brinde, um republicano da região ergueu um viva à República a que todos os assistentes se associaram. Mas, neste momento, o Sr José Relvas, que assistia ao banquete, levantou-se do seu lugar e considerou um momento com serenidade a sala agitada da festa, como parecendo pedir silêncio, que de resto,  logo se fez. No meio do silêncio, então, o Sr Relvas, com a serenidade que é própria do seu porte e das suas palavras, disse:

_Mais alto! Mais alto para que se ouça em Lisboa!

E, levantando a voz, bradou por sua vez:

_Viva a República!

(...)

João Chagas, 1908, in diário da Liberdade, de Aniceto Afonso, pgs 356/357


João Chagas


***


Estamos em 1908, ano em que se deu o regicídio. O rei D.Carlos I e o príncipe herdeiro Luís Filipe foram assassinados, marcando um ponto de viragem na história política portuguesa. 

Desde 1876 que o Partido Republicano vinha fazendo história ganhando ainda mais proeminência com o Ultimato Inglês, que exigia que Portugal retirasse as suas tropas dos territórios entre angola e Moçambique, hoje Zimbabwe e Malawi.

O partido propunha a substituição da monarquia constitucional por uma república liberal parlamentar e vai beber os seus fundamentos na Revolução Francesa, 1789, defendendo os valores da liberdade, igualdade, fraternidade. Não esquecer que a Revolução Francesa foi inspirada pela Revolução Americana, 1776, que defendia a participação dos cidadão nas decisões governamentais.

Entre os vários seguidores de ideais republicanos temos João Pinheiro Chagas, (1863-1925), homem multifacetado, jornalista, escritor, crítico literário, político, diplomata e conspirador, republicano liberal que, por via disso, foi por variadas vezes preso e degredado para a colónia penal de Angola, por um período de 6 anos, donde fugiu. 

A 1 de Novembro de 1891, foi enviado de novo para Angola, fugindo de novo, desta feita para o Brasil, sua terra natal, donde depois regressou tendo fundado a Marselhesa e continuando a sua acção em prol de regime republicano.

Do seu curriculum consta que deixou uma das obras mais importantes, e por isso mesmo mais injustamente esquecida, do jornalismo político, de ideias e de doutrinação democrática publicadas em Portugal, sendo autor de alguns dos textos basilares para a compreensão do processo formativo, evolução e parâmetros ideológicos do republicanismo português e continuou a lutar pela causa republicana.

Da sua experiência do degredo escreveu Trabalhos Forçados (1900) e Diário de um Condenado Político (1913).

Na altura da sua morte, Carlos Olavo expressou no Diário de Notícias (1 de Junho de 1925) a devoção inteira a essa causa: "A figura de João Chagas implica uma página das mais sugestivas da história da República. Direi melhor da pré-história porque a sua acção começa vinte anos antes da implantação do regime. (...) Traçar o perfil político de João Chagas é escrever a história desse período imediatamente anterior à implantação da República no que ela tem de mais emocionante de mais agitado e de mais febril. Em todos os acontecimentos que nele se desenrolaram João Chagas teve sempre um papel dominante." aqui

No passado dia 5 de Outubro homenageou-se a data da Implantação da República. Todos os anos faço menção a essa data, não me esquecendo, normalmente, dos três conspiradores Miguel Augusto Bombarda, Cândido dos Reis e António Machado Santos. 

Se lhe interessar, veja aqui um dos meus textos, escrito em 18 de Janeiro de 2019, com o título, Heróis Trágicos da República.

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João Chagas: Itinerários de um intelectual republicano - Noêmia Novais, link indicado por José Carlos Sant Anna.

Muito obrigada, amigo.


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Bom fim de semana, amigos.

Abraços.

Olinda


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*daqui - biografia no Público


quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Esta lembrança




Esta doce lembrança

Cruel no seu âmago

Colou-se-me à pele

Imprimiu-se em mim


É força positiva, aliás,

Energia quase negativa

Conforme eu visiono 

O meu mundo interior


Um desejo insatisfeito

Muito para além de mim

Universo assaz perdido

Num dia aziago e distante

Dinola Melo 



VERDES ANOS - Rapsódia
 Marta Pereira da Costa



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Imagem: pixabay

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Até logo

 À Isaura




Há oito meses dissemos:
– Até logo!
Era uma tarde fria de Novembro
uma tarde como qualquer outra
gente regressando a casa do trabalho
lancheiras malas rugas profundas no rosto.

Se houvesse malas de mão
para a saudade a desventura
não havia malas no mundo que chegassem…

Era uma tarde fria de Novembro.
Não sei se alguém sorriu
do beijo que trocámos.
– Até logo – disseste.

Depois passaram oito meses
os meses mais compridos que tenho encontrado.

Que pensamentos levava comigo?
Sei que disseste «até logo»
E era como se levasse as tuas mãos
Abertas sobre o meu peito.

Pensava
que só nas despedidas breves
por horas
se dizia «até logo»
como a alguém que parte
«boa viagem»
ou ao nosso companheiro
«bom trabalho».

Mas já passaram oito meses
duzentos e quarenta dias
cinco mil e setecentas horas.
Porque disseste
«Até logo»?

Se eu não soubesse
aprenderia que na minha pátria
os namorados dizem «até logo»
e estão meses anos
por vezes não voltam mais.

Fecham-nos
atrás de grades de ferro
espancam-nos
matam-nos devagar
e não permitem que apareçam
«logo».

Amiga
o ódio que trago armazenado
destas noite de insónia e abandono
dou-o à luta.
Mas temos que sofrer
sofrer deveras.
Até que um dia
Os homens cantarão livres como os pássaros

os namorados beijarão sem pressa
e as palavras «até logo»
quererão dizer simplesmente
«até logo»

António Borges Coelho

    (1928-2025)


António Borges Coelho, historiador, poeta e teatrólogo português. Catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem diversos títulos publicados sobre história medieval e começos da Idade Moderna.

Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Lisboa, doutorado em História Moderna com um estudo sobre a Inquisição de Évora, foi docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especializado na área da História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa.

Colaborou em várias publicações periódicas com estudos históricos; efetuou traduções de obras filosóficas e históricas; dirigiu a revista História Sociedade. No domínio da investigação histórica, revelou-se com A Revolução de 1383, numa tentativa de caracterização dessa crise sociopolítica a partir de uma perspetiva baseada no materialismo histórico. Ver aqui

Foi meu professor.

Faleceu hoje.


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Poema: daqui

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

"Os Maias", dançado

  Pela primeira vez na forma de bailado, o romance de Eça de Queirós estreia-se no Teatro Camões a 16 de Outubro, estando previstas dez apresentações, até dia 26 do mesmo mês. É uma criação de Fernando Duarte, coreógrafo e director artístico da CNB, um bailado em três actos que conta a trágica história do amor incestuoso de Carlos da Maia e Maria Eduarda. 




Foi o que eu li e ouvi ontem. 

Também vi alguns passos na Tv2 o que aguçou a minha curiosidade. O romance de costumes de Eça de Queirós, em passos de dança, estreia absoluta. O que diria Eça perante tal representação artística, ele que tinha sempre uma palavra a dizer acerca do que se passava na sociedade lisboeta?

Senhor de uma Obra gigantesca, sendo "Os Maias" uma das mais conhecidas, publicada em 1888. Esta trata da história de três gerações da Família Maia, na qual vemos desenrolar a tragédia de Carlos e Maria Eduarda, irmãos, mas também temos contacto com personagens que agilizam a trama como o retórico João da Ega e o Eusebiozinho, representante da educação tradicional e retrógrada portuguesa.

O autor inicia o livro com a descrição da Casa do Ramalhete que nada tem de campestre e fresco, antes pelo contrário de ambiente bastante escuro e pouco apelativo. Apesar do tema delicado, vemos que ao longo da obra não perde a oportunidade de aplicar a sua fina ironia e crítica na leitura das situações que se apresentam nas reuniões burguesas da Lisboa do século XIX.

Vou aproveitar para reler "Os Maias".


Abraços, amigos.

Boa semana.

Olinda


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Imagem: daqui 

"Os Maias" - em PDF

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Ana Paula Tavares - Prémio Camões 2025

 




"A massambala cresce a olhos nus"

Vieram muitos
à procura de pasto
traziam olhos rasos da poeira e da sede
e o gado perdido.

Vieram muitos
à promessa de pasto
de capim gordo
das tranqüilas águas do lago.
Vieram de mãos vazias
mas olhos de sede
e sandálias gastas
da procura de pasto.

Ficaram pouco tempo
mas todo o pasto se gastou na sede
enquanto a massambala crescia
a olhos nus.

Partiram com olhos rasos de pasto
limpos de poeira
levaram o gado gordo e as raparigas.


 O lago da lua - 1999



 



De alguns dos excelentes poemas de Ana Paula Tavares que já publiquei, optei por republicar "Vieram muitos" por me lembrar a luta do povo Kuvale do sul de Angola, povo esse registado por Ruy Duarte de Carvalho, em "Vou lá visitar pastores". Também Pepetela dedica algumas páginas no seu livro "Yaka", ao drama desse povo. 

Ana Paula Tavares, angolana, escritora, historiadora, cuja biografia consta já no Xaile de Seda, conta com uma obra de respeito e já tive oportunidade de falar sobre ela e, como disse acima, de publicar poemas seus. Portanto, não me surpreendeu que o júri do Prémio Camões lhe tivesse atribuído o mais alto galardão de literatura em língua portuguesa. 

Aproveito para deixar aqui mais um dos seus poemas, que muito aprecio:


MUKAI

(2)


O ventre semeado

desagua cada ano

os frutos tenros

das mãos

(é feitiço)

nasce a manteiga

a casa

o penteado

o gesto

acorda a alma

a voz

olha para dentro

do silêncio milenar.

Ana Paula Tavares

(O lago da lua)




Welwitschia - Deserto do Namibe





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Ana Paula Tavares - aqui, no Xaile de Seda.

Buala: Três olhares sobre a etnia kuvale