quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Drummond de Andrade - Vamos! vamos conjugar o verbo ... Amar.

É no poema Além da Terra, Além do Céu* que Carlos Drummond de Andrade nos coloca perante o nosso destino maior que é Amar. E sempreamar e pluriamar, razão de ser e de viver. Estes seus versos são conhecidíssimos, mas temos sempre a tentação, a necessidade, a vontade de os dizer, de os ler, de os declamar. E, embora já constem de um post aqui no Xaile, apresento-vos este excerto, só porque sim:

vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.





Mas não ficamos por aqui. Encontrei um outro poema sob o signo do Amor, que vou mesmo transcrever, onde encontramos a definição do nosso destino com todas as letras:

AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.


E está dito. Não há alternativa para nós senão AMAR, AMAR E AMAR. E escusem os donos do mundo de dizer o contrário, declarando guerras e desestabilizando as criaturas deste nosso universo, porque se todos nós o quisermos amar-nos-emos apesar de todos os pesares. Bastará que o queiramos.

Utópico isto? Pois que o seja. Paremos com as malquerenças e os actos que nos levam a desastres humanitários de que somos todos vítimas, em especial os inocentes.

A propósito. Dizem-nos que hoje é dia da poupança. Bem bom. E é bom que poupemos em desperdícios, poupemos na água, bem escasso, releguemos o consumismo para um plano que nos seja inacessível. Mas esbanjemos em Amor, e com urgência.




Voltando a Drummond de Andrade, aqui encontrareis 25 dos seus melhores poemas, e a respectiva análise, aliás, uma análise das várias que têm havido sobre a sua obra. Contudo, apraz-me acrescentar o seguinte, retirado de aqui:

Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato, herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas.

Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da história, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994).


Aproveito para indicar, a seguir, links de alguns dos poemas/contos de Drummond de Andrade, que na vossa companhia tive o prazer de ler e de trocar impressões:

E agora, José? - poema
Maneira de amar - conto que a Emília me trouxe
A Máquina do Mundo - post Centro do Mundo
Além da Terra, Além do Céu, post Do verbo amar
A Palavra mágica - poema

Tempo agora para relembrar um grande clássico: Beethoven. Fiquemos com a sua nona sinfonia dedicada "À Alegria", numa deliciosa encenação por parte do maestro, intérpretes, público, elementos imprescindíveis para que a obra de um compositor ganhe alma:




E, já agora, gostaria como o amigo Pedro Luso que o Dia da Poesia no Brasil tivesse continuado a homenagear a data do nascimento de Castro Alves.

Continuação de um bom dia.

Abraço.

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04/11/2019

E VEJAM O MEU CÉU NO BLOG DA CHICA

Obrigada, Amiga :)

Beijinhos


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Nota sobre o Dia da Poesia no Brasil:
Inicialmente comemorado a 14 de Março, data do nascimento de Castro Alves, foi posteriormente instituído o dia 31 de Outubro, assinalando o dia do nascimento de Drummond de Andrade.

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Veja se lhe interessar:
Modernismo no Brasil

*Além da Terra, Além do Céu - também título da
Antologia de Poesia Brasileira Contemporânea –Vol III

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Castro Alves - romântico e abolicionista



Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano,
Beijar teus lábios em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante, amado
Como um anjo feliz... que pensamento!?


Castro Alves
  (1847-1871)

Antônio Frederico de Castro Alves, (1847-1871) poeta brasileiro, conhecido como “o poeta dos escravos”. Pertenceu à terceira geração do Romantismo no país. Suas obras expressavam indignação e protesto em relação aos problemas sociais da época, principalmente à crueldade da escravidão. 
Vide Canção do Africano no Xaile

Hoje, convido-vos, também, a ouvir este video que nos traz o poema "Navio Negreiro":




Nota sobre o Dia da Poesia no Brasil:
Inicialmente comemorado a 14 de Março, data do nascimento de Castro Alves, foi posteriormente instituído o dia 31 de Outubro, assinalando o dia do nascimento de Drummond de Andrade.

Desejo-vos uma boa quarta-feira.

Abraço

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imagem - daqui

domingo, 27 de outubro de 2019

Essa que eu hei de amar




Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"


     (1890-1969)


No passado mês de Julho, apresentei, no Xaile, Guilherme de Almeida, poeta modernista, chamado "O Príncipe dos Poetas Brasileiros", com a sua poesia e alguns elementos biográficos, num total de onze posts. Não terei dito tudo a seu respeito, naturalmente. Hoje, trago mais este poema, para assinalar o Dia Nacional da Poesia, no Brasil, país que através dos seus Autores e iniciativas culturais muito prestigia a Literatura e o amor à Língua Portuguesa.

Trarei também, até 31 de Outubro*, poemas de Castro Alves e de Carlos Drummond de Andrade.



Santos e Pecadores (O.Bilac) - Fala-me de amor



* Dia nacional da Poesia, no Brasil. 
Inicialmente comemorado a 14 de Março, data do nascimento de Castro Alves, foi posteriormente instituído o dia 31 de Outubro, assinalando o dia do nascimento de Drummond de Andrade.

Espero aqui os amigos brasileiros, para me dizerem de sua justiça. :)

Bom domingo a todos.

Abraço.



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Veja, sobre Guilherme de Almeida:
Posts:  IIIIIIIVVVIVIIVIIIIXX, XI

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Poema - daqui
Imagem - daqui


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Vercingétorix ou Clóvis?

Da fama de  Vercingétorix, valente guerreiro das campanhas da Gália - 58 a 52 a.C -, fala-nos Júlio César na sua obra De Bello Gallico, na qual pretende ter um discurso objectivo mas, na realidade, uma forma de fazer a apologia pessoal, segundo dizem os seus críticos.

Vercingétorix estivera ao lado de César, nos seus exércitos, batalhando contra outros adversários. Ali, terá aprendido a arte da guerra e assim vencido César na batalha de Alésia, para a qual consegue reunir várias tribos, vitória que, na verdade, não dura muito. Na imagem abaixo vemo-lo a entregar-se depois de vencido, ele próprio, definitivamente. Mas a sua aura de herói reaparece muito mais tarde, como veremos adiante.




Sabemos que Clóvis I, chamado o Rei dos Francos, é considerado o fundador de França. Vence vários povos e consegue firmar-se, decorrendo o seu reinado de 481 a 511. Torna-se cristão, tendo sido baptizado pelo bispo de Reims, o que veio fortalecer a sua autoridade, porquanto, como é sabido, após a queda do Império Romano, a Igreja é a única instituição que se mantém firme, desempenhando importante papel de supremacia, com um poder que se dizia vindo do alto, confirmando, coroando e destituindo Reis e Imperadores.

(Aliás a Idade Média - foi uma época muito rica culturalmente, de grandes elucubrações filosóficas, nada coincidente com a idade das trevas com que muitos a apelidam. Lembremo-nos, por exemplo, de grandes doutores da Igreja como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, além de outros grandes teóricos).

Depois de muito caminho percorrido, semeado de tantos e tão grandes acontecimentos e figuras importantes para a cultura ocidental, de que tenho aqui falado ainda que superficialmente, como é natural, ressalto a Revolução Francesa, 1789, com todas as alterações verificadas ao nível social, político e mental. E, na senda das várias revoluções que se seguiram, eis que no século XIX surge de novo a figura de Vercingétorix, defendendo-se ser ele o verdadeiro fundador de França, o seu herói.

Isto para referir a obra de banda desenhada, de 1959, da autoria de Albert Uderzo e René Goscinny, na qual recuperam Vercingétorix plasmando-a na figura de Astérix, com um humor cheio de trocadilhos, caricaturas e estereótipos. Li algures que esta obra faz agora 60 anos e que para os assinalar foi lançada ontem "A Filha de Vercingétorix", a filha rebelde, saída da imaginação de Jean-Yves Ferri e Didier Conrad.

Há quem associe a figura de Adrenalina, de "A filha de Vercingétorix", a Greta Thunberg, a menina que quer mudar o mundo, trazendo a muito boa gente  grandes perplexidades pela sua intervenção crítica nas Nações Unidas sobre as alterações climáticas. 

Boa sexta-feira, meus amigos.

Abraço.



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Ver, se lhe interessar:
Vercingétorix
Poder espiritual/Poder temporal



Grande trilha sonora de "Chariots of fire" - Vangelis


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Fazes-me falta

Acabo de ouvir, na rádio, João Pedro Pais com um tema, Fazes-me falta, que me remeteu logo para o livro, FAZES-ME FALTA, de Inês Pedrosa, que li em tempos. Para fazerem uma ideia do que se trata, transcrevo as palavras que vêm na contra-capa:

Contado em duas vozes - uma delas a de alguém que acaba de morrer - o romance Fazes-me Falta entrecruza o olhar de duas gerações, e traça a história de uma amizade profunda e sem ponto final, com todas as suas reminiscências, remorsos e tesouros. (...) Inês Pedrosa debruça-se sobre a vida, a morte, o irreparável, num romance de grande intensidade poética que nos conduz ao mundo dos sentimentos imortais.

Um livro escrito num diálogo impressionante. A fala de um deles vem em negrito, uma forma de indicar ao leitor se é ele ou ela, logo de entrada. Deixo-vos esta passagem, da página 164:

Para onde foi a minha música? Abro a janela, deixo entrar o barulho da noite da cidade, ponho a tua música. A música desse desmazelado cuja morte tu tanto choraste, a música de Paris que tanto e tão separadamente amámos. Acendo um charuto e fico à tua espera, à espera de um sinal desse outro clochard que te levou de mim sem me ter dado tempo de saber quem eras. "Dieu est un fumeur de havanes/Je vois ses nuages gris/Je sais qu'il fume même la nuit/comme moi, ma chérie."

Agora, o video de João Pedro Pais que, neste momento, está a ser entrevistado sobre o seu último album:


O comentário que escrevi no próprio livro, quando o li:

"A história de uma amizade abordada de forma curiosa e interessante"

Uma boa quarta-feira.

Abraço.

domingo, 20 de outubro de 2019

Um Acaso de Sonho, Um Som Inesperado





São, por vezes, compassivos os deuses
E, em seu arbítrio, permitem a glória de seu rosto.
E sonhos de Eternidade...

Incautos então os homens se incendeiam
Fogos-fátuos de intenso brilho a atravessar
O Universo. E a arder em Desejo fugidio.
E se esgotam em inútil bater de asas.

E nesse percurso de solidão e morte talvez
Um acaso de cor, ou um som inesperado,
Ou um clarão intenso, sejam lenitivo.
Ou sejam queda. Ou novo ritmo.
E regresso ao barro.

E talvez os deuses ignorem...

E o delírio passageiro se erga e ganhe forma
Inesperada. E Eros reine (breve que seja).
E amor seja florescência consumada.

E o sonho expluda. E as estrelas se percam
Em fantasmagórico bailado.

MANUEL VEIGA

in: Caligrafia Íntima
pg.58


Como preferir, Caro Poeta, determinado Poema seu em relação a outro ou outros também seus? Impossível! Assim, há que lê-los, apreciá-los e, num dia em que sentimos que nos falta algo, abrir um dos seus livros e apenas interiorizar aquele que aparecer. Acaso? Obra desses deuses compassivos, por vezes, e noutras jogando aos dados? Que importa? Deixemos então que o sonho expluda e as estrelas se percam em fantasmagórico bailado.


Meus amigos:

Deixo-vos este belo Poema de Manuel Veiga ao mesmo tempo que vos desejo a continuação de um bom fim-de-semana.

Abraço.

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Imagem: daqui

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A Portuguesa Língua

Já é por demais sabido: adoro estas palavras que António Ferreira, poeta, dramaturgo, Sec. XVI, dirigira ao amigo Pêro d'Andrade Caminha e elas fazem-se presentes aqui no Xaile de Seda sempre que sinto a necessidade de relembrar o legado que nos foi confiado:

Floreça, fale, cante, ouça-se e viva
A Portuguesa língua, e já onde for
Senhora vá de si soberba, e altiva.
Se téqui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram:
Esquecimento nosso, e desamor.

Mas tu farás, que os que a mal julgaram,

E inda as estranhas línguas mais desejam,
Confessem cedo ant'ela quanto erraram.
E os que depois de nós vierem, vejam
Quanto se trabalhou por seu proveito,
Porque eles para os outros assi seja.

António Ferreira



Hoje, o motivo é outro, que é o de registar o reconhecimento da importância do nosso idioma, como desejava o grande António Ferreira, agora a nível mundial.

Pois bem, acordei com a bela notícia de que a UNESCO aprovou o dia 5 de Maio como Dia Internacional da LÍNGUA PORTUGUESA, dia que já tinha sido instituído pela CPLP, a 20 de Julho de 2009, e mais:

“É a primeira vez que a UNESCO toma uma decisão destas em relação a uma língua que não é uma das línguas oficiais da UNESCO. Por unanimidade, as pessoas reverem-se na ideia de que é importante um dia mundial da língua portuguesa é muito importante”, afirmou António Sampaio da Nóvoa em declarações à agência Lusa. aqui

Mas lembremo-nos de um dado muito importante: o Brasil já comemora o Dia da Língua Portuguesa desde 2006, Dia 5 de Novembro, assim:

No Brasil, o Dia Nacional da Língua Portuguesa foi criado a partir do decreto de lei nº 11.310, de 12 de junho de 2006, estipulando a celebração para o dia 5 de novembro.

A escolha desta data é uma homenagem ao escritor e político brasileiro Ruy Barbosa, que nasceu em 5 de novembro de 1849, e é considerado um grande estudioso da língua portuguesa.



E agora, tempo para ouvir MARIZA e TITO PARIS

Beijo de Saudade
(Título original)
"Onda Sagrada di Tejo"
Morna de B.Léza

E também VITORINO, 
seduzido pela toada desta Morna 


NOTA:

"ONDA SAGRADA DI TEJO" - Morna de B. Léza , Francisco Xavier da Cruz.

A mesma Morna, duas versões:

1- Mariza canta-a, com Tito Paris, dando-lhe um toque de Fado e mudando-lhe o título para "Beijo de Saudade".
Segundo Carlos Saura, está tudo ligado. Veja SOLTE-SE A VOZ, aqui, no Xaile.

2- VITORINO com uma interpretação mais próxima do original. O título, de "Onda Sagrada di Tejo", passa para "Ondas Sagradas do Tejo".

Mas, ouso ainda acrescentar a interpretação de TITINA, talvez a que B. Léza teria gostado de ouvir, ou ouviu, e mais coincidente com a versão original.


E que eu prefiro.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

E o mapa cor-de-rosa se cumpre...

Conhecendo o meu interesse pelas Literaturas Africanas de Língua  Portuguesa, pessoa amiga enviou-me ontem a notícia do lançamento do Livro de Mia Couto e José Eduardo Agualusa, O Terrorista Elegante e outras histórias, ao que eu respondi:

Um mundo interessantíssimo que não me canso de tentar descobrir. Esse livro que aparece agora faz-me quase visualizar a imagem do mapa cor-de-rosa, o caminho percorrido entre Angola e Moçambique, agora a nível cultural, passado quase século e meio.

Com efeito, é na Conferência de Berlim de 1884/1885 que se verifica a divisão de África, de que resulta uma Acta assinada por: França, Grã-Bretanha, Portugal, Alemanha, Bélgica, Itália, Espanha, Áustria-Hungria, Países Baixos, Dinamarca, Suécia e Noruega, Turquia e EUA, na qual foi activada a obrigação de uma ocupação efectiva desses territórios, de que resultaram as tais Campanhas de África, de má memória para os Africanos. Portugal apresentou nessa altura a pretensão de ter para si o corredor que vai de Angola a Moçambique, ao que a Grã-Bretanha se opôs.

Tive a oportunidade de fazer esse caminho com amigos, não há muito tempo, através de três videos cujos links (Parte IParte II, Parte III) aqui deixo, com o título "De Angola à Contra-Costa", lembrando a obra de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens e a sua travessia, um pouco antes do terminus da Conferência de Berlim. O mesmo é dizer que o trabalho desses dois cientistas/exploradores nada teria a ver com essa Conferência, porquanto foi realizada entre 6 de Janeiro de 1884 e 20 de Setembro de 1885, embora se integrasse num contexto político marcado por um forte surto expansionista europeu. 

Mia Couto e Agualusa, mostram-nos nas suas obras, de ontem e de hoje, de quanto se fez esta viagem de séculos. Uma miscigenação, cultural neste caso, que traz para a Língua Portuguesa elementos de revigoração, a qual, por via disso, se perpetuará no tempo.

Façam esta viagem, amigos.

Nela encontrarão, porventura, muitos dos elementos que temos vindo a referir aqui no Xaile.

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Leia, se lhe interessar:

Conferência de Berlim
15/11/1884 a 26/02/1885
Mapa cor-de-rosa
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens
De Angola à Contra-Costa
06/01/1884 a 20/09/1885

Videos: Youtube 

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Sem nada a ver com o tema do post, mas gostoso de ouvir,

Marisa Liz e Áurea

EU GOSTO DE TI



Sim, tão simples como isto :)


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Cidadania vs. Abstenções

Ouvi um comentador dizer que as abstenções são um mal terrível para a democracia e não posso deixar de concordar. É uma coisa que salta à vista. Qualquer dia somos governados por uma percentagem mínima de votações, elegendo quem não queremos, e depois não nos podemos queixar. E durante quatro longos anos somos todos co-responsáveis pelas decisões da nossa câmara representativa. Contudo, a votação é um acto que leva apenas alguns segundos, depois de alguma reflexão em tempo próprio, obviamente.




E como combater as abstenções? Sabemos que num dia de muito sol que apela a uma ida à praia ou num dia chuvoso e de ventania, e também juntando o descaso entranhado em nós sobre a vida política, à desilusão sobre a acção de alguns políticos, aos programas eleitorais não apelativos, às discussões durante a campanha eleitoral que não levam a nada, completamente ao lado do que realmente interessa, -pois, como dizia, com tudo isso, certamente muita gente não vê motivos para ir às urnas exercer o seu direito de voto.

Então, como é que ficamos neste imbróglio? Para grandes males grandes remédios, diz-nos o provérbio, e não há dúvida que deveremos tomar medidas para minimizar essa tendência. Está visto que já não é suficiente dizer às pessoas que devem votar porque é um dever de cidadania. Assim, deveríamos dar um salto qualitativo no que diz respeito às ferramentas que possam incentivar ao voto. 

A Internet é desde logo uma aliada preciosíssima. Que o admirável mundo novo da tecnologia tenha uma utilidade concreta e beneficie a todos de um modo visível, como no caso presente.

Alarguemos, pois, a possibilidade de votação estando onde estivermos, sem peias, sem restrições em relação a A, B ou C, mas tendo apenas em conta o Eleitor; na praia a dourar-se ao sol, de férias por cá ou na Conchinchina; em conferências, em viagem de negócios; doentes em casa ou nos hospitais; ou pura e simplesmente porque não nos apeteceu sair da cama.

E, por favor, não nos obriguem a deslocar-nos às freguesias onde estamos recenseados...é uma autêntica tortura e tira logo toda a vontade de votar ao cidadão-eleitor. 

À distância do um clic seria aqui uma medida de marketing muito bem-vinda e apreciada, acredito.

Sei que já existe a figura de votação antecipada, destinada a internados em hospitais, presos, e pessoas em mobilidade, mas mesmo assim dá trabalho, não é verdade? Ter de requerer e mais uma série de burocracias...Ou estará mais facilitada?




Reparei, já nas eleições europeias, que as secções de voto são organizadas por ordem alfabética, isto é, comportando cada mesa de voto um grupo heterogéneo de nomes completos, começados pela primeira letra, por exemplo, Albertinas, Joões, Josés, Marias disto e daquilo, Manuéis, Natálias, Otílias etc, etc, etc. 

e então, meu Deus!, onde é que está o meu nome?, e eu queria tanto votar! Vim de propósito...tenho a criancinha com a vizinha...ai a minha perna que me custa a andar...Não há aqui ninguém para ajudar! Fazia falta um funcionário, um voluntário!...vou entrar numa sala de votação qualquer e perguntar...tantas Marias, tantos Maneis...Agora já não é por número de eleitor, que maçada...e lá vou eu para um corredor estreito e mal iluminado onde estão quatro filas, com um calor sufocante à mistura... não estou para isto, vou para casa, volto à tarde...

Autêntico! Ninguém para dar uma ajuda a quem tenha uma visão menos clara e aos mais idosos. 

E assim se vão perdendo votos, caríssimos organizadores, cara comissão nacional de eleições! Bem sei que custa muito organizar tudo de forma ideal e quero crer que aos poucos se chegará àquele momento em que o Eleitor se sentirá como em casa para votar...

Entretanto, a temida Abstenção vai fazendo os seus estragos.

Mas, esperemos pelas próximas Eleições, talvez nessa altura já tenhamos aprendido alguma coisa mais...


Convite:

Meus amigos leitores, digam da vossa justiça sobre esta matéria. :)
Há quem diga que o voto deveria ser obrigatório. O que pensam disso?


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Algumas das ajudas que temos:

Portal do Eleitor:

Posso votar na Internet?

Comissão Nacional de Eleições:

Perguntas frequentes:Recenseamento/Direito de voto em Portugal


Imagens: daqui

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Acordem Rainhas!




Chegou-me a notícia deste movimento "Acordem Rainhas!", que visa alertar e consciencializar as Mulheres cabo-verdianas dos seus direitos perante maus-tratos, violência doméstica e discriminação de género. Sabemos o que acontece por cá através das notícias que nos vão chegando, situações que chegam à forma extrema de feminicídeo.


Video do movimento aqui.(não consegui importá-lo)


E veio-me à ideia, neste momento, o poema de António Gedeão, Calçada de Carriche. Talvez já o tenha publicado, mas penso que não haverá nenhum outro que expresse tão bem os sacrifícios e a submissão da Mulher perante forças retrógradas que parecem vir do fundo dos tempos. 


Eis o Mito de Sísifo adaptado à condição feminina:


CALÇADA DE CARRICHE


Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.



Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.



in 'Teatro do Mundo'





Aproveito a oportunidade para vos deixar, abaixo, links de alguns dos posts que tenho produzido ao longo destes anos da existência deste Xaile.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Distante Melodia





Num sonho d'Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.


Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh'alma Outras distancias -
Distancias que o segui-las era flôres...


Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!...


Idade acorde d'Inter sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz - anseios de Princesa nua...

Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Dominio inexprimivel d'Ópio e lume
Que nunca mais, em côr, hei de habitar...



Tapêtes doutras Persias mais Oriente...
Cortinados de Chinas mais marfim...
Aureos Templos de ritos de setim...
Fontes correndo sombra, mansamente...

Zimbórios-panthéons de nostalgias...
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar...
Escadas de honra, escadas só, ao ar...
Novas Byzancios-alma, outras Turquias...

Lembranças fluidas... cinza de brocado...
Irrealidade anil que em mim ondeia...
- Ao meu redór eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia...


Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)


Mário de Sá-Carneiro, foi um poeta português da primeira Geração Modernista, também conhecida como "Geração do Orpheu". Sua obra ocupa lugar de destaque na literatura portuguesa...Ler mais: aqui

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Citador
in 'Indícios de Oiro'
Orpheu nº 1
Imagem: daqui