Passando por uma rua, vejo um grupinho folgazão junto a uma porta onde decorrem algumas aulas. Sinto passos em tropel atrás de mim e surge-me um dos rapazes com ar sabichão a perguntar-me: Olhe lá, sabe dizer-me em que consiste o teorema de Pitágoras. Eu, algo surpresa mas sem pensar muito, respondo: o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Creio que não conseguiria avançar muito mais ou sequer fazer uma demonstração a não ser visualizar a hipotenusa e os catetos num triângulo rectângulo.
O certo é que o antigo sistema de ensino que se baseava, como se costuma dizer, em memorizar, de vez em quando permite-nos fazer alguma boa figura. Lembro-me que jamais esqueci a conjugação dos verbos e a cantilena da tabuada. Mas isso não vem ao caso...
O que vem ao caso, isto é, o motivo deste post é esta tabuínha que aqui vêem, em escrita cuneiforme, e que veio publicada numa notícia que dizia que os babilónios há 3.700 anos já dominavam conceitos de trigonometria, ramo da matemática que estuda as relações entre os comprimentos dos lados e os ângulos de triângulos, aplicando-a a trabalhos agrícolas.
Aliás, embora tenha lido sobre o tema há dias, estudos feitos por especialistas vieram a lume em 2017, focando que desde 1940 alguns historiadores sugerem que a tábua contém uma série de números que se assemelha ao teorema de Pitágoras, o homem que mil anos depois é tido como o teorizador deste conceito, segundo o qual o quadrado da hipotenusa, o lado mais longo de um triângulo retângulo, é igual à soma dos quadrados dos outros dois lados...
Não me vou alongar mais, até porque não é a minha área. Quem estiver interessado em ler mais sobre o assunto poderá fazê-lo através dos links que indico abaixo ou utilizando outras fontes. O que me interessa, na realidade, é emitir aqui num tom algo despropositado algumas flores de retórica, isto é, que afinal não somos uma tábua rasa.
Segundo Aristóteles a consciência é desprovida de qualquer conhecimento inato, argumento que John Locke, o empirista, recuperaria no século XVII. Para ele, todas as pessoas nascem sem conhecimento algum (i.e. a mente é, inicialmente, como uma "folha em branco"), e todo o processo do conhecer, do saber e do agir é apreendido através da experiência.
Com efeito, a partir do século XVII - em que, como bem sabemos, o mundo científico começara a desabrochar em força, fundamentos filosóficos teriam o seu corolário no século seguinte naquilo que ficaria conhecido como Iluminismo - o argumento da tábula rasa foi importante não apenas do ponto de vista da filosofia do conhecimento, ao contestar o inatismo de Descartes, mas também do ponto de vista da filosofia política, ao defender que, não havendo ideias inatas, todos os homens nascem iguais. Forneceu assim a base da crítica ao absolutismo e da contestação do poder como um direito divino ou como atributo inato.
Claro que isso do direito divino é uma construção filosófica para justificação da tomada do poder em determinadas ocasiões não só em relação ao absolutismo como em épocas mais recuadas, o que tem dado azo ao longo do tempo a discussões acaloradas.
Este tema não estará na ordem do dia mas, subrepticiamente, ele irrompe no nosso espírito levando-nos a pensar que, talvez, aliando o conhecimento transmitido através de gerações e uma certa dose de condições inatas a cada indivíduo - lembremo-nos dos sobredotados que, no entanto, trazem consigo heranças genéticas - se encontre o equilíbrio para compreendermos esse ser complexo que mora em cada um de nós.
A séculos de distância assistimos a coisas prodigiosas - mentes que desenvolvem ideias como que autonomamente, com um fio quase invisível a ligá-las... A nossa evolução tem essa característica misteriosa. O universo detém no seu âmago mistérios que ainda não entendemos verdadeiramente. A começar pelo nosso cérebro, essa máquina prodigiosa.
E embora se diga muitas vezes que não há coincidências, que as há ... há. :)
Boa quinta-feira, amigos.
Abraços
Olinda
====
Trigonometria em tablete - aqui Babilónios e não Gregos... - aqui