Este autor pertence ao grupo de jovens que apareceu entre os anos 70 e finais de 1980, incluindo-se nos mais representativos com António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Helder Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá.
Segundo Filomena Embaló, que temos vindo a citar, a questão da identidade é abordada através de diversas situações: a humilhação do colonizado, a alienação ou assimilação e a necessidade de afirmação da identidade nacional.
Agnelo Regalla nasceu em Campeane (Tombali), na Guiné-Bissau, a 9 de julho de 1952. Formou-se em jornalismo no Centro de Formação de Jornalistas em França. Fundou e dirigiu a Radiodifusão Nacional na Guiné-Bissau de 1974 a 1977 e em 1996, fundou a Rádio Bombolom FM. Desempenhou vários cargos públicos entre 1987 e 2018. Foi um dos fundadores da Associação de Escritores da Guiné-Bissau em 10 de outubro de 2013.
Não editou nenhuma obra individualmente, mas os seus textos foram publicados em diversas antologias. Ver mais aqui
Tenho uma janela amarela virada para Oriente. Docemente e sem assombro. Todos os dias me sento defronte dela para a olhar. E o vento que a bate faz-me um incêndio para escrever, desce devagar a rampa por onde vou saltar. Minha e sem fim esta natureza fresca dos seus vidros, a luz que por ela é uma magia tão puríssima. Tenho a janela num quarto que amo, unido com o sangue verde do vale que dela eu vejo, dos livros fechados em seus destinos, dos jornais aos montes e sem notícias. O ar deste quarto está de sorrisos e de surpresas, de desgostos que irão viver, cheio de lugares que ainda não sou. Oiço músicas dentro dele, caladas e brancas de repente, oiço cores incessantes e um poeta que pressinto esteja a morrer. Leio as palavras que o são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas. E a morte é um murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer. Um sibilar envenenado e arrepiante, um voar rasante e precipitante. A morte desenha-lhe as mãos que daqui posso ver a tremerem. E, por isso, fica o quarto mais cinzento, mais frio, severo como a pedra de um deus.
É directo e dói o poeta, dói como um peregrino que amanhece sem dormir.
Eduardo White -Janela para Oriente - (excertos) - Caminho
=== Disse atrás que iria falar, por estes dias, da Literatura da Guiné Bissau, não é verdade? Contudo, eis-me aqui com este excerto do livro de Eduardo C. White, Janela para Oriente... Impressiona-me a saudade que perpassa na sua escrita. E a inspiração no espaço confinado de um quarto, um ar de sorrisos e surpresas e de lugares que nunca serão. E músicas e tantas outras coisas que invadem o poeta como peregrino na transmutação de um mundo que fica cinzento e frio. É directo e dói... ====
Escritor moçambicano, Eduardo Costley White nasceu em Quelimane (Moçambique), 1963-2014. Integrou um grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana. Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante.aqui Em 2001, Eduardo White foi considerado a figura literária do ano em Moçambique, e três anos depois recebeu o Prémio José Craveirinha, atribuído pela AEMO ao seu livro O Manual das Mãos. Em 1992, já recebera o Prémio Nacional de Poesia por Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave. aqui ==== 1999 - JanelaparaOriente, Ed. Caminho
Publicar ou não o poema na íntegra? Como vêem, optei por publicá-lo na totalidade. Se o não fizesse não conseguiríamos ver tudo o que autor pretende dizer, tanto no seu regresso às raízes como na importância que a sua cultura concede à parte telúrica da vida. Além do mais, este poeta insere-se na fase denominada de "Poesia de Combate", de 1945 a 1970, que referi num post mais atrás. Uma forma de combater: lembrando o quanto perdemos quando se esquecem os valores que enformam as nossas tradições mais caras, e das quais depende a sobrevivência de um povo.
Nota biográfica: António Baticã Ferreira nasceu em Canchungo, em 1939. Filho de um soba (chefe de tribo em África, também denominado régulo), estudou em vários países, formando-se em medicina e tendo exercido a profissão no Hospital Santa Maria, em Lisboa. Não publicou nenhum livro, mas, segundo a sua família, tem muitos poemas inéditos. Os “Cadernos da Sociedade de Língua Portuguesa - Poesia e ficção I”, de 1972, pp. 15-21, publicaram sete poemas seus, seis deles reproduzidos em “No reino de Caliban” (1989) e também já tinha aparecido em “Poilão - Caderno de Poesias” (1973). Segundo Secco (1999: 214), «por ter vivido fora da Guiné, passa em seus versos a angústia do exílio. Canta a saudade da infância na Guiné e o mar, ...., apesar de pouco recorrente» (Couto e Embaló, 2010:108). aqui ====
Daqui vos saúdo, regressando à actividade do blog na companhia de mais um poeta guineense.
Mas voltarei com outros apontamentos.
Bom domingo.
Abraços.
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Poema: in No Reino do Caliban, Manuel Ferreira - pg 324/325 Nota: Quando me refiro à Literatura guineense, leia-se p.f., Literatura da Guiné Bissau.
Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade Amo-te, enfim, como grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo, de repente Hei-de morrer de amar mais do que pude.
Chegamos ao fim da Quinzena do Amor, deste ano. Em jeito de despedida desta série, trouxe o soneto de Vinicius de Moraes intitulado, Soneto do Amor Total, como que a reafirmar todos os poemas e textos que publicámos. Que o amor seja vivido como uma festa entre risos, harmonia e cumplicidade.
Agradeço a todos os que por aqui passaram.
Bom fim de semana.
Abraços.
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Entretanto, meus amigos, estarei ausente por alguns dias.
Ele nascido na Hungria, descobre muito cedo a sua aptidão para o desenho. Estabelece-se em Paris depois de ter percorrido todas as capitais artísticas europeias. Ela nascida em Portugal, desde criança interessada pela magia das artes. Viajaria para Paris para estudar escultura e pintura.
Maria Helena saía todas as tardes, em longos passeios pela cidade, em busca dos pintores antigos, dos modernos, pelas galerias e pelos museus, de Cézanne e de novas formas de configurar o mundo. Descobre que só naquele conjunto de luz e sombras encontraria a inspiração que procurava.
Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva encontram-se na bela Paris em 1928, quando ainda procuravam desvendar as linhas da pintura e da escultura da Academia Ranson. Ele em guaches e têmperas, exploração de ambientes e sensações de luz. Ela, urbana, explorando a profundidade do espaço e a angústia da guerra.
Casam-se em 1929. Arpad abdicaria das suas próprias ambições para se dedicar a Helena, à mulher vulnerável e melancólica, a precisar de apoio e de certezas para a confiança no seu génio, como ele chegaria a dizer. Ela retribuiria pintando retratos que encheriam as paredes de casa. Leva-a a viajar, para espaços inspiradores aos seus olhos de artista, revela-lhe os mistérios da Hungria e Pensilvânia. Ela, recordando Sintra na assimetria das suas duas colinas.
Em Paris trabalhavam, incansáveis e apaixonados, deixando que o espírito lhes guiasse as mãos e os pincéis. Em 1933 acontece a primeira exposição de pintura de Vieira da Silva. A vida continua a mesma, com os dois a abraçar-se e a pintar-se no silêncio da sua casa feita atelier, e a frequentar as reuniões no Café Raspail, do pequeno mundo intelectual "Amis du Monde".
O eclodir da guerra, 1939, veio alterar as suas vidas. Arpad era judeu húngaro e apátrida. Aceita de Maria Helena a ideia de um refúgio em Lisboa. Maria Helena tenta recuperar a nacionalidade portuguesa, perdida aquando do seu casamento. Chantageada pelo regime, só lha dariam se se divorciasse de Arpad tido como um perigoso comunista. Les deux amoureux, artistas pintores sem nacionalidade, partem para o Brasil, onde estiveram exilados durante sete anos. Solidão, sentimento de orfandade e condições precárias. Arpad cedo apercebe-se de que não conseguiriam sobreviver somente com a venda dos quadros. E ele começa a aceitar pintura de retratos e a dar aulas. Ela dedica-se à pintura decorativa de objectos. Em 1947, dois anos depois do fim da guerra regressam a Paris onde vivem até ao fim da vida: assim, o trabalho, os passeios, a luz, a calma, a casa, o atelier, as mãos e a tela, o ritmo dos respirares nem mais lento nem acelerado. As obras de ambos começaram a ser exibidas regularmente nas prestigiosas galerias de Jeanne Bucher e Pierre Loeb. Até 1990, a consagração internacional se afirmou. Já não se preocupavam com as coisas do dia-a-dia - viviam apenas um para o outro e para a sua pintura, privando com um pequeno grupo de pintores, escritores e poetas.
Arpad tornar-se-ia um dos melhores representantes da Escola de Paris dos anos 40. A importância de Vieira da Silva no panorama da arte internacional seria reconhecida unanimemente. Mas Arpad e Vieira da Silva permaneceriam, na mudez segredada por detrás dos seus quadros, uma história de amor irredutível a galardões e comentários críticos. Viveram lado a lado durante cinquenta e cinco anos.
Meus amigos:
Hoje, Dia dos Namorados, trago a história de amor de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. Sempre quis falar de Vieira da Silva aqui no Xaile. O texto que produzi, a partir do livro abaixo indicado, é apenas um pequeníssimo resumo sobre estes dois artistas. Muito há ainda a dizer sobre a sua vida, o seu desempenho na arte da pintura e inúmeras peripécias por que passaram. Mas com o Amor, sentimento sublime, a acompanhá-los. Excelente dia de São Valentim vos desejo.
==== Texto a partir de "10 histórias de amor em Portugal", de Alexandre Borges Pags. 76 a 88 Ver: Fundação Arpad-Szenes-Vieira da Silva Imagem 1 - daqui Imagem 2 - pintura de Arpad Szenes Imagem 3 - pintura de Vieira da Silva Quinzena do amor
António Vítor Ramos Rosa, (1924-2013), foi um poeta, tradutor e desenhador português.
Desenvolvendo uma importante atividade nos domínios da teorização e da criação poética, o nome de António Ramos Rosa surge ligado a publicações literárias dos anos 50, como Árvore, Cassiopeia ou Cadernos do Meio-Dia, que primaram não só por uma postura de isenção relativamente aos diversos feixes estéticos que atravessam a década de 50 (legado surrealista; evolução da poesia neorrealista, entre outros), como por um critério de respeito pela qualidade estética dos trabalhos literários publicados.
Água pura de teu rosto Assim perfeito. Em minhas mãos Bebido. Em cada beijo Espada fulva do desejo Que se derrama como rio. Planície arada. Qual trigo Na vibração da brisa. Corpo seara a que regresso Corpo-abrigo. Antigo o canto. Ardendo. Gota a gota Em cada espanto. Manuel Veiga in: Caligrafia Íntima pg.8
Manuel Veiga, publicou artigos de opinião na imprensa diária, em especial, no "Diário de Lisboa" e em "O Diário", bem como em revistas periódicas sobre temas de natureza política, económica e social, designadamente, a revista "Economia EC" e a revista "Poder Local". Colabora com a revista "SEARA NOVA" desde meados dos anos oitenta, integrando o respetivo Conselho Redatorial, a partir de 2007. aqui
Obras publicadas: "Perfil dos Dias" - editora Modocromia, 2019
"Do Amor e da Guerra - Fragmentos", editora Modocromia, 2018. "Caligrafia Íntima", Poética Edições, 2017 "Do Esplendor das Coisas Possíveis", Poética Edições, 2016 "Notícias de Babilónia e Outras Metáforas", editora Modocromia, 2015. "Poemas Cativos", Poética Editora, 2014. O Blog: Relógio de Pêndulo
Até amanhã Sei agora como nasceu a alegria, como nasce o vento entre barcos de papel, como nasce a água ou o amor quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma à roda do corpo que desperta, sílaba espessa, beijo acumulado, amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito, um grito apertado nos dentes, galope de cavalos num horizonte onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei. De coisas que te dou para que tu as ames comigo: a juventude, o vento e as areias.
Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (1923 - 2005) foi um poeta português. Tem uma biblioteca com o seu nome no Fundão.
Recebeu inúmeras distinções, entre as quais o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários (1986), Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus (1988), Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1989) e Prémio Camões (2001). A 8 de Julho de 1982 foi feito Grande-Oficial da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico e a 4 de Fevereiro de 1989 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito.aqui
Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. (...)
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
Miguel Vicente Esteves Cardoso - n. 1955 - é um crítico, escritor e jornalista português.
O que ele diz de si próprio:
Acho que as autobiografias das pessoas deveriam começar pelo presente. Eu sou uma pessoa feliz, apaixonada pela Maria João, com quem vivo há quase 13 anos. Quis ser escritor desde que me lembro de ler — muito depois de ter aprendido a querer — e sou feliz por escrever todos os dias para as pessoas que fazem e lêem o PÚBLICO. Não é fácil escrever todos os dias — mas a obrigação de escrever é boa. Para quem nunca escreveu um diário, é estranha a quantidade de coisas que nos acontecem. E a tristeza e outras qualidades delas que, de resto, jamais mencionaríamos...