quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Avó (II)

Ela sabia que nunca lhe faltaria o pão nosso de cada dia. Deus dará, dizia. No entanto, Manês fazia por isso, seguindo a asserção bíblica: Põe a mão e eu te ajudarei. Assim, no quintal tinha a porca que lhe dava alguns leitões por ano, sendo um para a vizinha que lhe cedia o varrasco, outros para vender e um para engorda e abate. No dia da matança todos na vizinhança tinham a sua parte, e o resto da carne era salgada e o toucinho transformado em banha.

Tinha a cabrinha que não faltava com o leite (espumoso e quentinho) e as galinhas com os seus ovos e frangos para canja ou guisado. Todos os dias fazia sair os seus funguins, deliciosos, e que os vizinhos compravam num abrir e fechar de olhos.

Quando a tia Joana lhe enviava o caixote com géneros alimentícios e variadíssimos outros artigos, Manês nunca esquecia os vizinhos, e todos compartilhavam da bonança (em especial a D. Sara, que era quem lhe punha a correspondência em dia, quando os olhos começaram a não ajudar). E daquilo que reservava para si, o que era susceptível de ser transformado, era-o. Por exemplo da farinha de trigo fazia maravilhosas filhós que as pessoas procuravam, indo-lhe bater à porta.

Também os pobres que lhe batiam à porta aos sábados, como era hábito da terra, tinham sempre o seu quinhão do muito ou do pouco que houvesse.
                                                                                             

                                                                                                                                  
                                                                                         continua...
Texto de uma grande amiga:
Dufinha Santos

Manês - Mãe Inês (avó); Funguins - bolinhos de farinha de milho, banana, açúcar, ovos

Imagem: internet



VER: AVÓ (I)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Avó (I)

Deus nos dê boa noite. Boa noite nos dê Deus. Era este o ritual de todos os dias quando o Sol se punha e Manês acendia o candeeiro a petróleo. Tínhamos que estar atentos para não falharmos a resposta.

Manês, mesmo com relógio, regia-se pela luz solar. Levantava-se ainda a estrela d'alva se fazia ver. Então, era aquele cafézinho acabado de torrar, moer e parar, com cachupinha guisada, ovo estrelado, carne assada. O almoço era na altura em que a sombra da casa chegava mais ou menos à porta e o jantar, esse, era servido ainda o Sol ia alto.

Deitava-se cedo e, a partir daí, Manês era dona absoluta da sua chave. Já adultos, quando íamos passar algum tempo com ela, lembro-me que a hora de ir para a cama continuava a ser sagrada. Se pretendêssemos dar uma voltinha ao luar e saborear o fresquinho da noite, Manês não saía da porta enquanto não chegássemos.



Depois de todos acomodados, ela tinha então o seu momento de meditação: ela, o seu rosário e o seu canhóte. Este era a sua pequena fraqueza (não lhe conheci outra) e quase que um segredo, pois só fumava quando já todos estavam a dormir e uma única vez. Mas, quanto ao rosário desfiava-o durante o dia sempre que os seus afazeres o permitiam.

Contudo, Manês ia à Igreja muito raramente. Não sei se por a capela distar um bocado de casa ou porque o relacionamento com o seu Deus fosse harmonioso, tornando-se dispensável a intervenção de terceiros.

                                                                                        continua...

Texto de uma grande amiga:

Dufinha Santos

Manês - Mãe InêsParar o café - Fazer o café; Cachupa - Prato típico de Cabo Vede; Canhóte - cachimbo
Imagem:internet


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Retrato de Mulher Triste

Aproprio-me do título do poema de Cecília Meireles para este post e, por uma associação de ideias, lembro-me agora de Lídia, a mulher triste, uma história profundamente humana, escrita por UJM. E lembro-me também de mulheres que se tornaram números estatísticos neste ano de 2012, sem recuarmos muito mais no tempo, vítimas de maus tratos e de homicídio. É certo que não são as únicas vítimas de violência doméstica, porque as há em pessoas idosas, crianças...mas elas, as mulheres, penso, representam a maior parte. Em sua homenagem, trago-vos dois poemas de dois grandes poetas, Cecília Meireles, brasileira e Daniel Faria, português. 

Apreciemo-los:

Retrato de Mulher Triste 

Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel. 

Está vendo os salões que se acabaram, 
embala-se em valsas que não dançou, 
levemente sorri para um homem.

O homem que não existiu. 
Se alguém lhe disser que sonha, 
levantará com desdém o arco das sobrancelhas, 
Pois jamais se viveu com tanta plenitude. 

Mas para falar de sua vida 
tem de abaixar as quase infantis pestanas, 
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas. 

Cecília Meireles



Há uma Mulher a Morrer Sentada

Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens

Daniel Faria




Em tempo:

VER AQUI - LEI MARIA DA PENHA (Lei nº 11.340, de 7 de agosto 
de 2006)- Brasil - Contributo de Canto da Boca, para este post.
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 O Profeta, trouxe-nos estes sentidos versos:

Já não posso dar-te a mão, cheguei tarde
Entre ruinas procuro o sentido, a razão
Já não canto aos deuses, não rezo
Já esqueci o sabor do desprezo, não desprezo

Tracei um círculo de solidão
Ausente do meu nome está o chamamento
Jazem mudas as folhas de silêncio
Errantes brumas ao sabor do vento

Percorri um longo e tortuoso caminho
Moro numa casa da memória no topo da saudade
Prodígios de mil cores espalhei pelo caminho
Pintei almas, mentiras, girassóis e singelas verdades

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Cecília Meireles (1901-1964),Daniel Faria (1971-1999)
Poemas retirados de Citador - Imagem:Internet-Jeanne Hébuterne por A. Modigliani
ReflexãoDia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres - 25 de Novembro

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Flamingos


Ontem*, logo de manhã, ouvi o apresentador de notícias da RTP1 dizer qualquer coisa como: ...uma grande concentração de flamingos na Tanzânia, e até disse o número que era na ordem dos milhares, salvo erro. A minha natural curiosidade ficou logo acesa mas tinha de sair, não podia fazer nada no momento. Aquilo ficou-me na ideia desde então, via mentalmente o espectáculo de cor e elegância destas aves pernaltas que pintam a natureza de rosa ou quase vermelho. Hoje**, encontrei a referida notícia que diz isto:




Na Tanzânia regista-se nesta altura do ano a maior migração de flamingos do planeta. Um espetáculo que já serviu de base a vários filmes. Mais de um milhão de flamingos reunidos num único local. 

(Clicando na notícia, em amarelo, poderá ver o vídeo que a complementa com imagens maravilhosas).





Mas, continuando. Também fiquei a saber, depois de pesquisar um pouco, que é no Lago Natron, um lugar quente e hostil, no norte de Tanzânia, que se dá a reprodução destes flamingos, flamingo-menor, pelas suas características salínicas.  






Quanto mais elevada for a salinidade, maior é a quantidade de cianobactérias que se desenvolvem no lago e, por conseguinte, maior é o número de ninhos de flamingos-pequenos.




Contudo, parece que estes flamingos estão em perigo, pois existe um projecto   de construção de uma fábrica de soda caústica no local, o que poderá pôr em causa a sobrevivência da espécie.





Reportando-me ao que li, consta que:

A Tanzânia é um dos países mais pobres do mundo e que não há desenvolvimento sem industrialização. Porém a exploração da soda traria um grande impacto sobre o lago, levando a um declínio populacional do flamingo. Além da perda sem precedentes (os ecólogos sabem que há uma relação muito íntima entre o ambiente e o organismo), tal ação poderia trazer prejuízos ao turismo, pois o espetáculo que ocorre na época reprodutiva atrai muitos observadores.

Espero e desejo que a solução do problema da Tanzânia se perspective noutra direcção e que este local tão importante para a nidificação destas aves seja preservado...

VER:
aquiaquiaqui
Imagens retiradas da Internet
*anteontem **ontem (Entretanto não acabei logo o post. Isto por aqui está assim... au ralenti. Falta de teeempo...)

sábado, 17 de novembro de 2012

Prémio Dardos




Este desafio foi-me passado pela São e muito agradeço a sua gentileza ao lembrar-se de mim.

Assim, passo a enumerar as regras:

 - Colocar o Prémio no blogue.
 - Indicar o nome e o link do blogue que deu o Prémio.
 - Escolher 15 blogues .

E EU PASSO A PALAVRA E O PRÉMIO A TODOS OS QUE ME VISITAM.

Beijos, São, e votos de um bom fim semana.

Olinda


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A origem de toda a metafísica


E agora, senhores,
Dir-vos-ei algumas palavras que deverão permanecer no vosso
Pensamento e na vossa memória,
Como base e conclusão de toda a metafísica.

(Assim falou aos alunos o velho professor,
Ao encerrar o animado curso).





Após ter estudado o antigo e o novo, o sistema grego e o germânico,
Estudado e dissertado sobre Kant e Fichte, Schelling e Hegel,
Exposto a sabedoria de Platão e a de Sócrates ainda maior do que a de Platão,
E maior do que a de Sócrates a do divino Cristo à qual longamente me dediquei,
Relembro hoje os sistemas grego e germânico,
Observo todas as filosofias, as Igrejas e as doutrinas cristãs,
Mas vejo claramente sob o nome de Sócrates, vejo claramente sob o nome do divino Cristo,
O terno amor do homem pelo seu companheiro, a atracção do amigo pelo amigo,
Do esposo pela esposa amada, dos filhos e dos pais,
De cada cidade por cada cidade, de cada terra por cada terra.




Poema de:
Walt Whitman (1819-1892)

Folhas de erva - selecção e tradução de José Agostinho Baptista

Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)
Imagens retiradas da Internet