Uma sombra esgueira-se na noite. Dobrada, pescoço enfiado no corpo, olha para todos os lados com ar comprometido. Nota-se-lhe um andar claudicante que a bengala não sustém. Pousa-a no solo ao de leve como que receando o ruído que pudesse fazer, ecoando na cidade fantasma. Das janelas, frinchas franqueiam a olhares pouco amistosos o avançar da figura vestida de escuro. Perscrutam a noite, perscrutam-na a ela, perscrutam os relógios, tudo o que possa dizer as horas. E tudo indica que alguém se encontra na rua, furando o recolher obrigatório. E mais. Sem o respectivo acessório de uso obrigatório que a salvaria de um mau encontro com o vírus. O que fazer? Liga-se para a Polícia? Se dantes andar de máscara era caso suspeito, agora andar sem ela denota falta de civismo e de amor a si próprio e aos outros. Mas, o que se passa? Mais uma sombra sai da esquina também ostentando rosto desnudado. E não mostra constrangimento algum, com um à vontade como se fosse tudo seu. Que descaramento! Muito afoita, a segunda sombra aproxima-se da primeira: Ah, Ah, afinal tu também não trazes máscara. Acho bem, isso é tudo treta. Qual Covid, qual carapuça! Alguns vão ficar ricos com isso. Estou mesmo a ver. Esse negócio das máscaras, dos kits de protecção, do álcool, do gel desinfectante...enfim, e tanto plástico, meu Deus! A primeira sombra responde baixinho: Ando escondida, escapulindo-me pela rua a horas mortas para não ser denunciada... É que não tenho dinheiro para comprar uma máscara sequer. E dizem que é obrigatório! E quem não pode comprá-las?
Boa semana, meus amigos.
Saúde!