quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Quem as não tem?


Cartas de amor, pois claro. Presentemente, seria mais de perguntar com um toque de dúvida: Quem as terá? Haverá ainda quem as escreva? Acredito que elas existirão, embora sob outras formas e outros suportes. E não pode deixar de ser, pois nascemos para o amor. Aliás, não é a primeira vez que venho com esta conversa, não é verdade?  

Então, vamos lá celebrar o Amor. 

Como já vem sendo hábito, vai decorrer, no "Xaile de Seda", a Quinzena do Amor, de 01 a 15 de Fevereiro. Durante esses dias vamos poder ler aqui Cartas de Amor e devo dizer que já vi algumas bem lindas, saídas do talento de autores nossos conhecidos. Vou continuar a procurar e quem sabe se não encontrarei histórias de amor, não as clássicas e famosas que conhecemos bem - Pedro e Inês, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa, Romeu e Julieta - mas outras provenientes da sabedoria popular.

Quem abrirá, com palavras inspiradoras, a série deste ano? Amanhã saberão, meus amigos. Para já, apreciemos o Bolero de Ravel, interpretado  por estes jovens talentosos:





Até amanhã.

Abraço.

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Video - Youtube

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Chagas de salitre

Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
da carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.
Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.
Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos do espesso deslizar
dos braços e das mães do meu país
Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.
Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.
In: A Decisão da Idade
União dos Escritores Angolanos,1976
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Poema: daqui (Bibliotecário de Babel)
Ver também no "Xaile de Seda", post com o título "Vou lá visitar pastores", obra sobre os
Kuvale.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

E o mundo agora é uma aldeia

Seguindo o exemplo de Ptolomeu, os cosmólogos europeus menosprezavam o Oceano Pacífico, que cobre um terço da superfície do mundo, nos seus mapas e apresentavam interpretações incompletas do continente americano baseadas em relatórios e rumores, em vez de em observações directas. As omissões de Ptolomeu inadvertidamente encorajaram a exploração, porque ele fazia com que o mundo parecesse mais pequeno e mais navegável do que realmente era. Se tivesse apresentado uma estimativa correcta do tamanho do mundo, a Época dos Descobrimentos poderia nunca ter acontecido.


O mapa-mundi ptolomaico, 1486. 
Os mapas baseados na obra de Claudius Ptolomeu,
 o astrónomo e matemático de origem grega-egipcia, 
distorciam ou omitiam partes significativas do globo.

Isto é-nos dito por Laurence Bergreen, na sua obra Fernão de Magalhães-Para além do fim do mundo, na qual relata a odisseia que foi a viagem de circum-navegação iniciada por Fernão de Magalhães em 1519, um homem que se sentia incompreendido na sua própria terra, tido em pouca conta pelo rei apesar dos serviços prestados, até então, ao reino. Ofereceria o seu projecto ao rei de Espanha. 


1544, Mapamundi portulano de de Battista Agnese

Com efeito, Magalhães empreende essa viagem memorável e ao deixar o Atlântico foi surpreendido por aquele mar imenso e o estreito que depois tomou o nome de "Estreito de Magalhães" quase os ia engolindo. Nem me passa pela imaginação sequer o espanto que não se terá apossado daqueles homens à medida que iam avançando rumo ao desconhecido. A pouco e pouco, e à custa de muitas vidas, o conhecimento necessário foi sendo adquirido até se ter uma noção bastante exacta da realidade. Como sabemos, a viagem foi concluída por Juan Sebastián Elcano por motivo da morte de Fernão de Magalhães, nas Filipinas, em 1521.

E porquê trazer agora este tema?

Li que: Portugal terá apresentado à Unesco Candidatura da Rota de Magalhães para Património Mundial sem mencionar que a viagem foi custeada pela corte espanhola; no ano passado foi publicado em Diário da República o programa das Comemorações do V Centenário da Viagem de Circum-Navegação; o mesmo deverá ser apresentado, em detalhe, nesta semana.

E esta, hein?!

Consta que Espanha não gostou.

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1 -NOTÍCIA - AQUI

2 - FIM DA POLÉMICA
Encontrei agora outra notícia dizendo que as dúvidas entre os dois governos foram dissipadas e que vão apresentar a candidatura em conjunto: Aqui


Obra mencionada: 
  

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A menina dança?


Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.

in Coral, 1950






MAP Desde quando este interesse pela dança e como?

Desde sempre. A dança é um elemento dionisíaco ligado ao ritmo e à despersonalizacão. No poema sobre Bakkhos também se fala de uma consciência múltipla...


MAP Chegou a dançar, a aprender bailado?

Eu vivia no Porto quando era pequena e não havia nenhuma escola de ballet. Inventava danças sozinha. Anos depois não perdia os bailados que apareciam. Mas era tarde para aprender. Dançava muito sozinha e, quando os meus filhos eram pequenos, dançava para eles.


MAP Às vezes ainda dança, Sophia?

…Muitas vezes imagino bailados e argumentos para bailados.

E quando eu era ainda muito pequena, quando estava em Lisboa, logo de manhã ia para o escritório do meu avô – que eram três grandes salas seguidas, cheias de livros, de quadros, de retratos, de mapas e de mil coisas misteriosas – um lugar onde eu entrava em bicos de pés – e o meu avô punha sempre a tocar um disco de Bach – talvez por isso a música de Bach foi sempre a que melhor entendi. E na Granja, à tarde, o José Ribeiro tocava violoncelo, nuns outonos de tardes oblíquas. E quando estava no Porto ia para Matosinhos para casa do Eduardo e do Ernesto Veiga de Oliveira e ouvíamos Das Lied von der Erde do Mahler, que nesse tempo ainda não estava na moda. E em casa do António Calém a música estava sempre no centro de cada encontro. Resposta a EPC






Não poucas vezes tenho-me valido do talento de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), para abrilhantar este pequeno espaço. Em 2014, logo no mês de Janeiro, publiquei, durante alguns dias, poesia e prosa da sua autoria, excertos de entrevistas, pormenores da sua vida e obra. Além disso, em anos e dias esparsos a autora tem sido, aqui, uma presença muito querida.

Hoje, o "Xaile de Seda" faz oito anos. Para assinalar este dia fui buscar um poema e passagem de uma entrevista que nos trazem fragmentos do seu interesse por mais duas áreas artísticas: a música e a dança.

Tenham uma boa terça-feira.

Abraço 



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Poema e excerto de entrevista daqui (BN)

Imagens: daqui

No blogue da Majo, "A vivenciar a vida", encontrareis referências às comemorações do Centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen. 

O título do post: Lembrei-me do romance de Rita Ferro: "A menina dança?"


sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Heróis trágicos da República

Os valores da República ou os que deveriam nortear a República são relembrados todos os anos. De um ano ao outro parecem, contudo, ser esquecidos. Com isto não quero dizer que não haja gente de muito boa vontade que trabalhe para o bem comum. Sempre que as instituições claudicam temos todos a esperança de que apareça alguém que lhes deite a mão. Temos impregnada em nós a síndrome do encoberto, de que alguém aparecerá do nada para resolver os nossos problemas. Acabamos por não avaliar verdadeiramente o que está mesmo à frente do nosso nariz. Especialistas em aplicar paninhos quentes, enrodilhamo-nos em casos que seriam anedóticos se não tivessem um cariz de muita gravidade.

Voltando ao passado, relembro aqui três homens de quem já falei em outras publicações deste blog. A diferença é que os apresento, desta feita e por minha conta e risco, com a auréola de heróis trágicos, no contexto da 1ª República. Não direi que trazem todas as características do herói trágico de Aristóteles. Só que noto neles uma heroicidade e uma tragédia que me fazem pensar e que me incomodam pelo insólito das suas mortes.

Conspiradores, revolucionários, republicanos. São eles, Miguel Augusto Bombarda, Carlos Cândido dos Reis e António Machado Santos. Os dias 2, 3 e 4 de Outubro de 1910, seriam cruciais nas suas vidas, acreditando eles que iriam todos poder festejar a implantação da República. Reza a História que Miguel Bombarda é atingido mortalmente por um doente mental, no dia 3; Cândido dos Reis, à ultima hora, é invadido por dúvidas e suicida-se no dia 4; quem se aguenta até ao fim é Machado Santos que ficou conhecido como o "herói da rotunda", mantendo depois uma vida política activa, para vir a ser assassinado na noite sangrenta, de 19 de Outubro de 1921, quando a camioneta fantasma andou a ceifar vidas, caçando-as nas suas casas e, em muitos casos, no seio das suas famílias.

Machado Santos seria feito senador e ocuparia cargos ministeriais no governo de Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais, o mesmo Sidónio Pais que com um golpe de Estado ascende a Presidente da República em 1917 e, de forma ditatorial, suspende e altera por decreto algumas normas da Constituição de 1911, inaugurando assim a República Nova. Com a auréola de herói, nasce o Presidente-Rei, epíteto grafado por Fernando Pessoa no seu extenso poema, "À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais".


"(...)
Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?
Soldado-rei que oculta sorte
Como em braços da Pátria ergueu,
E passou como o vento norte
Sob o ermo céu.
Mas a alma acesa não aceita
Essa morte absoluta, o nada
De quem foi Pátria, e fé eleita,
E ungida espada.
Se o amor crê que a Morte mente
Quando a quem quer leva de novo
Quão mais crê o Rei ainda existente
O amor de um povo!
Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei
A Vida fê-lo herói, e a Morte

O sagrou Rei!
(...)"

Sidónio morre assassinado, a 14 de Dezembro de 1918, à entrada da estação de comboios do Rossio, criando-se-lhe assim a imagem de mártir. A sua acção no âmbito de uma República recém-nascida, com instituições criadas diferentemente do regime destituído a 5 de Outubro de 1910, deveria ser interpretada como? Poder-se-ia falar já em populismo esse bicho-de-sete-cabeças de que se fala tanto e quase ninguém sabe bem o que é?

Grandes transformações no panorama mental em relação a ideologias estão a verificar-se. Se há uns anos os espaços ocupados por partidos de esquerda e de direita eram compreendidos por toda a gente, hoje andamos à deriva. Suponho que os conceitos que lhes serviram de base estão um tanto esvaziados de conteúdo. E quanto a debate de ideias, ideários políticos? Tudo aponta no sentido de que estamos a viver já uma nova Era. Até onde nos levará é que é a grande incógnita.


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Ler no "Xaile de Seda": Os desaires da 1ª República


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Arrumar a casa

Normalmente, temos a tendência de fazer balanços no final do ano velho ou princípio do novo. Não fujo à regra ainda que durante o ano procure rectificar ou acrescentar alguma coisa aos meus intentos. É um trabalho de todos os dias.


Antes de mais, arrumar a nossa casa é a prioridade, mormente depois das festas. E está visto que tenho de arrumar as minhas gavetas. Isso e roupeiros e prateleiras e estantes. Também é fundamental arrumar a nossa mente e os assuntos do coração, prestando aquela atenção que não se deu em devido tempo a quem nos rodeia, dizer o quanto amamos os nossos e demonstrando-o. Por vezes, pensamos que não é necessário fazer essas demonstrações. Ninguém adivinha o que vai dentro de nós. Só dizendo e falando as coisas é que nos entendemos, não é?

Mas temos outros deveres, por exemplo, o de olhar à nossa volta e tentar perceber se se faz o bastante ou se não se faz coisa nenhuma em relação às pessoas que vivem na nossa esfera de acção. Com isto não pretendo dizer que devamos ser heróis e heroínas. Acredito que com o espírito aberto conseguiremos descobrir o momento ideal, assim como a ferramenta certa, para nos envolvermos em decisões que podem mudar a vida de uma pessoa, emocional e/ou materialmente.



Há ainda a casa maior, a casa de todos nós, o nosso País. A arrumação dessa casa é assunto de todos. Envolvermo-nos nessa tarefa, em termos cívicos, é exigência a que não nos podemos furtar e isso pode verificar-se no nosso quotidiano. Costumamos dizer que não somos políticos, que a política não é o nosso negócio. E se nos lembrássemos que cada um dos nossos actos é um acto político? Já houve quem o dissesse há muitos e muitos anos.

O Ano de 2019 vai ser um ano de grandes decisões políticas e nós é que diremos a palavra decisiva. Sejamos dignos dos momentos que nos esperam e arrumemos a nossa Casa.

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Imagens: daqui

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Primeiras notinhas do ano


Hoje de manhã estava um frio de rachar. Aqui na minha aldeia estavam 3° e, já se sabe, se noutros países até pode ser uma temperatura suportável, por cá, sem aquecimento, já é de tiritar. Um dos meus irmãos que vive em Amsterdam, quando cá vem diz sempre: epá, nunca tive tanto frio na vida!!! Pudera! Lá, com aquecimento em casa que até estão de manga cava, aquecimento no carro e no trabalho, quem é que tem frio?

Por estas bandas, no tempo frio, ouvem-se e leem-se notícias de pessoas, por vezes famílias inteiras que, no afã de se protegerem do frio, morrem durante a noite por via de lareiras, braseiras, fogareiros e quejandos, que produzem o terrível e fatal monóxido de carbono, agente de tanta tragédia. Aliás, muitos dos nossos edifícios pecam por falta do isolamento necessário, deixando passar o ar gelado e a humidade sem falar na falta de dinheiro para instalação de um sistema de aquecimento condigno ou, apenas, para compra de aquecedores seguros e eficientes e, mais ainda, para pagar a luz. Tudo numa correlação imparável.


Como ia dizendo mais acima, estava muito frio de manhã, às 7h, e então achei que devia proteger-me com luvas e gorro antes de ir para a paragem do autocarro. Abri uma das gavetas da cómoda e, realmente, encontrei três luvas, cada uma da sua cor. Lá revolvi a dita, abri outras e nada. O tempo urgia e resolvi pôr uma de cada cor, pensando para mim, com este frio e nevoeiro, todos encolhidinhos, ninguém vai notar, vou passar despercebida. Por azar ou sina, fui abordada na rua por quatro pessoas: Olá, bom dia, como está? Já reparou que leva uma luva de cada cor?



Votos de continuação de Bom Ano aos que me visitam e deixam palavras de simpatia e também para aqueles que passam por aqui, simplesmente. Sei que a Seda nesta altura do ano não aquece nada, mas valha-nos o calor que vem do coração.


Abraço.

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Imagens: pixabay