terça-feira, 31 de janeiro de 2023
É hora!...
quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
Falemos de amor...
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de Andrade,
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
Amílcar Cabral - o homem que sonhava com a concórdia
POEMA
Quem é que não se lembraDaquele grito que parecia trovão?!
– É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito...
Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os Homens,
Confraternizou todos os Homens
E transformou a Vida...
... Ah! O meu grito de revolta que percorreu o Mundo,
Que não transpôs o Mundo,
O Mundo que sou eu!
Ah! O meu grito de revolta que feneceu lá longe,
Muito longe,
Na minha garganta!
Na garganta de todos os Homens
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
Mais um ano...
Com efeito, mais um ano cumprido neste "Xaile de Seda", que assinalará o seu 12º aniversário no próximo dia 22.
Daqui, muito se tem observado do mundo que roda sem parar, nem sempre seguindo o sentido pré-estabelecido, metaforicamente falando. Nos seus efectivos movimentos de rotação e translação, com a sucessão dos dias e das noites, e dos anos, respectivamente, a terra cumpre o seu desígnio, ora mansamente ora mostrando como a maltratamos. E, assim, também saímos prejudicados, fruto das nossas más decisões.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
o mar não se vê: nele nos vemos nós
O navio faz-se ao mar e, por um momento, parece-me que quem se movimenta é o continente. Não será num barco que viajaremos. Navegaremos como sempre se viaja: através de lembranças e sonhos. Mas eu já não lembro nem sonho. Tenho quinze anos. Vou para longe de mim, sem bagagem e sem documentos. Mas levo comigo o meu filho, o princípio da minha eternidade.
A meio da noite, Dabondi e eu somos chamadas ao camarote do comandante Jaime Leote do Rego. À entrada, Dabondi toma nas suas mãos os braços do militar. É raro uma das nossas mulheres dar-se a esses avanços. A rainha, porém, simpatizou com o branco de barba grisalha. A afeição é recíproca: o tenente fita a rainha como se lhe estudasse o rosto. Perfeito, é ela quem eu queria, confirma ele com entusiasmo.
Ao fundo do camarote está uma tela suportada por um cavalete. Sobre uma cadeira estão pousados dois pincéis e uma paleta onde combinam diferentes tons de azul. Quero pintar o mar, confessa. Foi por isso que exigiu a presença de Dabondi. No cais, diz ele, escutei esta mulher. Diz-lhe que volte a cantar!
- Não sou eu que canto - argumenta Dabondi. Outros usam a minha voz.
- Diz a essa mulher que não estou habituado a pedir.
A rainha sorri e responde: Pergunta a esse homem se recebe ordens para sonhar.
Com a ponta dos dedos Dabondi afaga a tela com delicadeza. Acredita que está perante um tear e que o comandante é um tecelão. Com gestos redondos, como se falasse com os braços, o português apresenta a obra por começar: o mar não se vê: nele nos vemos nós. Depois acrescenta: Eu vi o oceano quando escutei esta mulher a cantar no cais.
Oferece um cálice de aguardente à rainha. Dabondi vaza o cálice de um trago. Acena o copo vazio reclamando por uma segunda dose. Se me escutou cantando, este branco não pode ser um inimigo, diz ela. E acrescenta: A bebida é boa, vou fazer-lhe a vontade. Depois a rainha solta a voz. O comandante cerra as pálpebras e, lentamente, as águas do mar inundam o seu camarote.
Com o braço direito soerguido, os passos afinados com a canção da rainha, o comandante Jaime Leote do Rego avança na minha direcção e pergunta:
- Já alguma vez dançaste com um homem branco?
Excerto, pgs. 106/107, O Bebedor de Horizontes, 3º volume da Trilogia, "As Areias do Imperador" - Mia Couto
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Fala de Imani que em conjunto com o Sargento Germano de Melo nos dão a conhecer esta parte da História de Moçambique, desenvolvendo uma narrativa epistolar. O sargento é uma personagem fictícia e em relação a Imani penso que se passa o mesmo. Não consegui encontrar qualquer referência como sendo real.
Mas ambos no desenrolar dos três livros têm a sua própria história. Uma história de vida. Íntima. E trágica. Espelho de outras vidas, talvez.
Jaime Leote do Rego, militar e oficial da marinha portuguesa, é comandante do navio onde seguiam, para o exílio, Ngungunyane, as suas sete mulheres, o filho Godide, o tio Molungo, o rival Zixaxa e as suas três mulheres. Para além de outros presos.
Dabondi é uma das sete mulheres do imperador.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Se não estivesses
se a concha dos teus dedos
não fizesse vibrar em mim,
gota a gota,
a tua voz,
se não esticasses os braços
sobre um qualquer
espaço
que nunca será nosso,
se o teu sorriso
agora distendido
não se mostrasse todo
nos gestos do amor,
se a tua mão não procurasse
a minha, ou os meus dedos
não pudessem, ainda
que ao de leve,
tocar a ponta frágil dos teus cabelos
escuros,
se eu não encontrasse
em ti o meu olhar,
às vezes,
quando finjo que não vejo
o teu olhar
em mim,
se os dias não fossem
confortados
com a ideia de que existes
sensivelmente existes,
e que, por isso, de alguma
forma, eu sou em ti
a minha forma de existir
– estas palavras, as frases
que as expõem, o poema
em que tudo se articula, no íntimo
sentido que só existe
dentro do poema, tudo o que
é
e, ainda,
o que possa caber em nós, secretamente,
seria uma triste passagem
pelo que resta
e nem os meus olhos, e nem as minhas
lágrimas
diriam o que dizem;
porque a mão que escreve, o seu último
argumento, está
na concha dos teus dedos
e no gemido que atraiçoa
a tua voz.
António Mega Ferreira
domingo, 1 de janeiro de 2023
Equality/Equity