quinta-feira, 27 de abril de 2017

Conquista




Livre não sou, que nem a própria vida 
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

in 'Cântico do Homem'


(1907-1995)


A liberdade, uma conquista de todos os dias. Existem grilhões impensáveis. Importante "é quebrar dia a dia um grilhão da corrente".

Meus amigos, estarei ausente durante alguns dias. Vou para um sítio, fora do país, aonde nesta altura talvez não devesse ir. Mas, é condição essencial do ser que se quer livre arrostar alguns perigos, conscientemente, quando necessário.

Então, até um dia destes. E sejam felizes por cá.

Abraço.

Olinda


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Poema: Citador
Imagem: Net

terça-feira, 25 de abril de 2017

Ai liberdade, liberdade, o que és?


Das várias definições que tenho encontrado, apraz-me registar esta de Joaquim Pessoa:




A liberdade é um vinho de excelência. Não faz sentido que não o compartilhes. A sedução de ambos ajuda-nos a viver, é o perfume da pele, a pele do vento, o segredo com que a flor atrai a abelha. As árvores amam-se, e até mesmo as pedras partilham o amor entre si. O verde perde-se de amor pelo azul. In Ano Comum-

E quando isso acontece é porque realmente somos livres. Livres de fazer o que queremos, com a tal ressalva de não pisar o outro. E porque hoje estou numa de citações deixo aqui mais uma, desta feita de Baruch Espinoza:


Quanto a mim, chamo de livre uma coisa que é e age apenas pela necessidade da sua natureza; de coagida, a que é determinada por uma outra a existir e a agir de uma determinada maneira. Carta LVIII-


Desejo-vos um bom 25 de Abril de 2017.


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Imagem - Pixabay
Citações - Citador

domingo, 23 de abril de 2017

Sempre o futuro, sempre! E o presente...






(A J. Félix dos Santos)

Sempre o futuro, sempre! E o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!

Ai! Que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega… é presente… só à dor assiste?...
Assim, qual é a esperança que não mente?

Desventura ou delírio?... O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, pior, espectro impuro…

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa

In: Sonetos


      (1842-1891)



É isso, a vida passa sim, mas não sei se vagarosa. O que eu sei é que preocupados com o futuro não vivemos o presente, praticamente. Preparamos o momento seguinte, o dia de amanhã, a próxima semana, o mês que há-de vir, os anos vindouros, a reforma. 

O trágico disso tudo é que nem sabemos se estamos vivos na milésima de segundo seguinte que o tempo transpõe no seu movimento aparente e inexorável, deixando de ser futuro.

Mas, Antero resolveu o problema. Espírito inquieto, meditativo, indo até ao âmago do valor das coisas, tomou o assunto nas suas mãos, agarrou o presente, fê-lo seu, acabando assim com todas as tuas dúvidas, numa atitude radical.

Eu, porém, prefiro a vida, a vida vivida momento a momento, numa gargalhada, num sorriso, num abraço. Também eu quero gerir esse presente, mas de outro modo: encarando a Vida como uma dádiva. 

A todos os que por aqui passarem, desejo um bom domingo.

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Poema: Banco de poesia Fernando Pessoa
Imagem: Pixabay 

sábado, 22 de abril de 2017

Golfo da Finlândia


-Mãe, o Google maps diz que estou aqui.(9h11)




-Este é o lado excelente da tecnologia, faz-me saber a par e passo dos sítios por onde vais passando. Sabes que hoje é o Dia da Terra? E quem havia de dizer que a minha atenção estaria centrada no Golfo da Finlândia. (9h16)

-Ahahaha...Pois é...a vida é engraçada...
Nem eu há duas semanas pensaria que ia estar no meio do Golfo da Finlândia. Parece de loucos só de pensar. (9h21)

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Imponderáveis da vida! 
E o nosso planeta tão lindo, onde o azul e o verde se misturam numa aguarela sem par. A juntar a isso, pessoas diferentes, culturas diferentes.


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Não consegui baixar a fotografia que ela me enviou.
Fica para a próxima. 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Linguagens

À entrada da cidade o trânsito intensifica-se e, alguns metros mais à frente, bifurca-se. Parte dele segue pelo túnel e outra parte pela superfície. Aqui, surge o primeiro semáforo e do lugar onde me encontro consigo ver a vida que se agita, em azáfama, nos segundos que dura a paragem forçada dos carros. Mulher de lenço na cabeça com uma braçada de jornais ou revistas oferece exemplares aos condutores dos veículos, mulheres e homens de coletes reflectores aparecem com papelinhos na mão, talvez rifas, e também miúdos com o que me parece ser pensos rápidos. O tempo urge, mas nem todas as janelas se abrem. 



No meio disto, vislumbro algo inusitado, para mim: um jovem na passadeira a produzir para os carros parados um espectáculo de malabarismo, com três, quatro, cinco peças, como se tivesse todo o tempo do mundo. Começo a pensar já com uma certa ansiedade se ele conseguirá acabar em pleno o seu intento, se ele está com atenção aos sinais. Mas eis que com elegância recolhe as peças e faz duas vénias, cabelos longos em movimento para a frente e para trás, saltando de seguida para o passeio mesmo a tempo, sem um segundo a mais ou a menos.

Minutos depois saio do autocarro e desço as escadas que me conduzem ao metropolitano. Mas antes tenho de ir à casa de banho ou retrete ou WC. Encontro o que procuro. As casas de banho públicas têm quase todas o mesmo aspecto, não só são pequeníssimas como o asseio deixa muito a desejar. Penduro a mala ao pescoço, não há um ganchinho sequer como sempre, e faço a ginástica que todas as mulheres conhecem. Nisto os meus olhos são atraídos pela escrita que povoa as portas desses recintos. Declarações de amor, "amo-te Filipe", "amo-te Diana", bem como toda a espécie de desabafos com linguagens da mais variada gradação. Dir-se-ia tratar-se de um receptáculo privilegiado para os momentos em que o nosso lado mais básico se apresenta, sem vernizes.



Porém, entre os milhentos dizeres um deles destaca-se pelo trocadilho ou, quem sabe, pela intenção: "O diabo veste farda".*

Desejo-vos uma boa semana ou então, desde já, um bom fim-de-semana.

Abraço.

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Imagens net

sábado, 8 de abril de 2017

Ternura





Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

In: Infinito Pessoal

   (1927-1996)





Ternura é o tema que este grande senhor nos propõe, neste lindo poema. Compreendo-a alargada ao vasto mundo, ao mundo das nossas relações.  
Esbanjemos pois ternura por toda a parte, posto que nos custa apenas um gesto, um olhar, um sorriso, um abraço.

Esta é a minha proposta para este fim de semana.

Assim, envio um abraço ternurento a todos vós.

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Poema: retirado do Citador
1ª imagem: Pixabay
2ª imagem Net

terça-feira, 4 de abril de 2017

Habitantes das margens

Ao passar de manhã vejo-as, alvas, pernaltas, tranquilas, no esplendor da água azul que daqui descortino. Reúnem-se nos rectângulos ou quadrados das salinas. Numa outra, estão as mais pequenas, não pernaltas, também branquinhas. De vez em quando estas levantam voo rasante e enfiam os bicos na água talvez caçando algo de interesse para o seu sustento. É o que eu vejo do lado direito da ponte. Arrisco um olhar apressado ao lado esquerdo, apenas o permitido pelo andamento do transporte, não me detenho nele. 


Concentro-me então deste lado. Agora vejo pontos negros além e mais encorpados à medida que os meus olhos se ajustam tentando fitá-los de mais perto. Noto que o rio se afastou das margens. Para onde terá ido? À vista dos bancos de areia penso, talvez erradamente, que poderia atravessá-lo a pé. Mas, afinal, aquilo que eu vejo são pessoas num labor incessante, enterradas quase meio corpo no lodo. Dali retiram algo, manejam uma coisa qualquer, não o sei o quê. Descubro uma figura de mulher, dobrada pela cintura. Noto-lhe um casaco vermelho e um avental. Mais ao longe há dois ou três barquinhos. Vislumbro junto a eles figuras com água pela cintura.


Compreendo que não há tempo a perder. Assim, a labuta. Não tarda nada o rio volta para o seu leito. Num acto de cumplicidade e solidariedade ele concede às frágeis e difusas criaturas tempo para retirar do seu lodo enriquecido aquilo de que precisam. Nem sempre esse tempo é suficiente. Embebidas naquele trabalho que se me afigura sofredor mas fundamental para a sua subsistência, esquecem-se muitas vezes que a água tem de seguir o seu curso. E por lá se deixam ficar, correndo sérios riscos.


Quando à tarde volto, o rio já é de novo rei e senhor do seu espaço. A maré-cheia está implantada. O sítio escuro e lodoso transforma-se numa bela extensão de água e na sua superfície espelha-se o céu. As pernaltas e as outras estão pousadas nas salinas. Tudo tão calmo. Tranquilo. Uma coisa linda.

Dias virão em que essa ordem será alterada, quando as máquinas esventrarem o solo, umas, e outras torpedearem os ares, espantando a vida que se renova todos os dias no estuário. Ou não?


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1ª imagem: daqui
2ª imagem: daqui
3ª imagem: daqui

domingo, 2 de abril de 2017

A Graça




Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus, do mar dormente.
És tu, és tu!, que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
Sinta a tua voz de novo,
Que me revoca a Deus:
Inspira-me a esperança,
Que te seguiu dos Céus!...
    (1810-1877)


É esta a imagem que guardo de Alexandre Herculano, desde sempre. Cara fechada, austera, sem o laivo de um sorriso. Quem sabe se ele não seria uma pessoa dada, risonha e amável. Mas aqui ficou para sempre. A fotografia ou o retrato têm esta particularidade: firmam de forma indelével o momento, uma expressão.

A sua época não foi das mais pacíficas. Aliás, foi um tempo de grandes mudanças. Nasceu sob o signo das invasões francesas com todas as suas implicações e assim foi crescendo, vivenciando os problemas trazidos pela fuga da família real para o Brasil, ou a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Herculano não fica de lado a observar. Envolve-se na vida política denunciando o perigo do absolutismo e, mais, toma parte activamente nas lutas liberais que opõem os dois irmãos, D.Pedro IV e D.Miguel.

E quanto ao aspecto cultural? Temo-lo também situado em vários patamares e a produzir intensamente em vários jornais e revistas, bem como escrevendo romances, olhar atento sobre o seu tempo e o passado. Quem não se lembra de Eurico, o Presbítero, romance histórico mas também de amor, a história de Eurico e Hermengarda? 

Na sua História de Portugal é considerado o introdutor ou precursor da historiografia em Portugal, a história como ciência.

Neste seu poema "A Graça" vejo-o a fazer o seu exame de consciência entre o que foi e o que podia ter sido:


És tu, és tu!, que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
                                           Quando sou infeliz. 


Mas a esperança em dias melhores lá está.

Desejo-vos um bom domingo.

Abraço   

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Poema: Banco de Poesia Fernando Pessoa