quarta-feira, 30 de maio de 2018

Memórias de um Espírito*

Um homem que morre de repente sem tempo para arrumar os seus assuntos. O seu espírito continua a pairar dentro de casa e vê com espanto todas as expressões dos preparativos para as suas próprias exéquias e o comportamento dos familiares, dos amigos, das antigas namoradas. Cada uma das pessoas que chega para apresentar condolências traz-lhe um mundo de recordações e, claro, o falecido na sua forma etérea, tece as suas considerações e confidencia ao leitor as variadas experiências que teve em vida. O leitor (ou seja, eu) sorri agradado perante a ironia, a crítica velada dos costumes e...a brejeirice.



Mas, "As Memórias de um Espírito" não foi o primeiro livro que li de Germano de Almeida. O primeiro contacto estabelecido com ele foi através de "Estórias de dentro de casa". Seguiram-se outros: "O Testamento do Sr Napumoceno da Silva Araújo", "Os dois irmãos", "O Mar na Lajinha". E o interessante é que são livros que me foram oferecidos por familiares e amigos, tendo tomado, desta forma, conhecimento da pujança da obra deste excelente e carismático escritor cabo-verdiano.

Isto, para assinalar, aqui, que o Prémio Camões deste ano lhe foi atribuído e devo dizer que o mesmo não poderia estar em melhores mãos, na minha óptica. Germano de Almeida não só prestigia a Língua Portuguesa como também lhe introduz palavras, termos, expressões de sabor crioulo que a enriquecem enormemente. Sei dar o devido valor a esse facto porquanto conheço como falante a dinâmica dessa língua, designada crioulo cabo-verdiano, especialmente na vertente das ilhas do Barlavento.

Insiro, a propósito, este pequeno apontamento sobre o assunto: 

Apesar da pequenez territorial, a situação de insularidade fez com que cada uma das nove ilhas desenvolvesse uma forma própria de falar crioulo. Cada uma dessas nove formas é justificadamente um dialecto diferente, mas os académicos em Cabo Verde costumam chamá-las de «variantes», que é o termo que passaremos a empregar neste artigo.
Essas variantes podem ser agrupadas em duas grandes variedades. A Sul temos a dos crioulos de Sotavento que engloba as variantes de Brava, Fogo, Crioulo de Santiago e Maio. A Norte temos a dos crioulos de Barlavento que engloba as variantes de Boa Vista, Sal, São Nicolau, São Vicente e Santo Antão. Aqui

Os linguistas têm muito trabalho pela frente, no sentido de conciliar todas as variantes e fazer nascer regras gramaticais para que o crioulo cabo-verdiano venha a ser representado uniformemente, tanto em termos fonéticos como ortográficos.

E PARABÉNS A GERMANO DE ALMEIDA. 

VENHAM MAIS LIVROS!

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Ouçamos a LURA, uma força da natureza, em NA Ri Na:




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* Escolhi esse título para o post devido à preferência que tenho pelo livro:"As Memórias de um Espírito".

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Maternidade - inseguranças dos primeiros tempos; depressão pós-parto

Há quem diga com um sorriso  algo divertido: as crianças não vêm com livro de instruções. Nada mais verdadeiro, pois não poucas vezes nós, pais, somos confrontados com situações difíceis que têm de ser resolvidas no momento sem que saibamos ao certo que caminho seguir. No caso dos recém-nascidos, esses, têm exigências a que nem todas as puérperas sabem responder e mesmo fazendo uma ideia, na prática é mais difícil.

A fralda parece ter mais pontas do que as necessárias, os pezinhos multiplicam-se, é o bebé que não pega no peito, mas também não aceita o biberon. Chora, não dorme. Recorre-se ao pediatra que não lhe encontra doença, felizmente. Ouvem-se os conselhos com olhos esgazeados de cansaço, de noites mal dormidas.

Desde sempre foram pedidos ou exigidos sacrifícios à mulher na sua qualidade de mãe esquecendo-se muitas vezes que cada mulher é um caso, com as idiossincrasias próprias de cada ser. Inseguranças que se manifestam nesses momentos de maior fragilidade fazem com que cada uma reaja de forma particular aos estímulos.


  

Só quem já teve um filho é que sabe como são difíceis os primeiros tempos em casa com um bebé. Por maior que seja a felicidade de finalmente termos o nosso filho nos braços, nada é como nos filmes.

Passagem extraída de um artigo muito interessante intitulado, Os 7 mitos da maternidade, da revista Pais, deste mês, em que algumas mulheres relatam as suas dificuldades e experiências dos primeiros tempos, lutando com a novidade, a noção de responsabilidade pela vida de um pequeno ser, as noites sem dormir, o choro por vezes incessante e o amor que nem sempre é automático, como afirma uma das entrevistadas. E lê-se a dado passo: é preciso que as mulheres saibam isso. 

E estou de acordo, pois muitas mulheres nem mencionam, normalmente, essas dificuldades com receio de serem mal interpretadas. Tornou-se um quase tabu.

O artigo não fala de um mal que ataca algumas mulheres. Trata-se de algo muito grave, de foro patológico, e que não caberia no espírito do tema abordado na revista:

é a depressão pós-parto, uma doença de que nem todos se apercebem e a sociedade não dá a devida importância. Um sofrimento atroz para a mulher e que poderá ter consequências muito graves. Para o bem das mulheres acometidas dessa depressão necessário se torna conhecer os sintomas e não esquecê-la. E, também, para o bem dos bebés.





A depressão pós-parto (DPP) é um quadro clínico que pode surgir nas mulheres na fase puerperal, normalmente nas quatro semanas após o parto e se caracteriza pela presença de um conjunto de sintomas que prejudicam a relação mãe-bebé. Atinge entre 10 a 20 % das mulheres quando iniciam a relação com os seus filhos recém-nascidos, podendo começar na primeira semana após o parto e durar até 2 anos e apresentam choro, irritabilidade, cansaço e abatimento.  Leia mais aqui
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Nota: Este é o post que se me extraviou com o problema no computador, conforme referi há dois posts através. Reescrevi-o dentro do possível.  

Imagens: daqui

sábado, 19 de maio de 2018

andam gastas e inúteis as palavras

andam gastas e inúteis as palavras. andam acesas as "interioridades" e parcas as sedas e raras as casas da generosidade e enigmáticas as douradas vaidades. temporariamente frágil como uma grinalda em fim de tempo ou um anjo orgânico sucedem-se as línguas as águas o turvo o rubro dos contrários e o negro da fadiga. os olhos mutantes e o coração de um cello impaciente revoltam-se na cauda bífida da mais pobre geometria do casulo das abelhas. o dizer lamentativo é uma dor expulsável e uma faca como chicote. andam gastas as mãos de tanta colheita em vão._______lucidíssimo o vário dizer que amanhã não estaremos cá para cerzir o mapa da lucidez. a consciência é uma clara face a banhar-se no lago dos bárbaros.

(texto publicado pela autora, em 16/05/2018)

Isabel Mendes Ferreira - in Palavra




Anda a lucidez arredada dos nossos dias. Parece que as boas palavras já perderam o sentido. É bom que o silêncio se imponha, se levante e requeira para as almas ansiosas que pululam por aí uns minutos de reflexão.

Vamos pensar todos juntos. Há situações que não têm solução, isto é, aquelas que não dependem de nós e sabemos bem quais são (por exemplo: a morte, doenças incuráveis...). Mas a gestão do nosso quotidiano, das nossas querenças ou malquerenças, preferências por isto ou por aquilo são coisas a que podemos dar o rumo que quisermos. 

A tendência para reacções acerbas pode ser condicionada e, estando nós de posse de todas as nossas faculdades mentais, isso é possível.

Bom fim-de-semana.

Abraço

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Imagem: daqui


sexta-feira, 11 de maio de 2018

os lugares são estáveis?

Habituei-me a pensar no meu marido não como quem pensa numa pessoa mas como quem pensa num lugar. Os lugares são estáveis. Estão lá para sempre. Lulu era a minha cidade natal, a casa dos meus pais, as paisagens da minha infância, um sólido cais de pedra, um porto de abrigo capaz de me proteger das tempestades. Pensando melhor, também os lugares morrem, também eles nos podem trair. Foi o que aconteceu à minha cidade. Em todo o caso eu pensava em Lulu como quem pensa num lugar estável. Faça um pequeno esforço de imaginação. Pense num lugar estável. O Kilimanjaro parece-lhe um lugar estável? Pois eu pensava em Lulu com o mesmo sentimento de segurança, de perenidade, com que você pensa no Kilimanjaro.



Interessante, não é? Esse sentimento de segurança, de perenidade. É refrescante essa confiança e pertença. 
A questão aqui é saber se, realmente, tudo permanece imutável: na vida, no ambiente, no nosso planeta.

E, será que esses dois continuarão juntos?

Deixo-vos este exercício, 

enquanto procuro recuperar o texto que queria publicar há dois dias, relacionado com o post anterior. Talvez seja melhor escrever outro se o PC não entrar, de novo, em colapso.  

Abraço e até breve.

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13/05

Pois bem, queridos amigos

A vida é assim. Tudo vai tomando novas aparências. Lugares que pareciam enormes na nossa infância quando lá voltamos, em adultos, já não parecem os mesmos. Encolheram. Foi essa a sensação quando voltei à minha aldeia depois de alguns anos. As pessoas não são as mesmas. Os cantos e recantos também não. 

Tudo é passível de mudança, para o bem ou para o mal. Até o Kilimanjaro, referido no texto, o ponto mais alto de África, o das neves eternas, já não é o que era. Com as alterações climáticas corre o risco de perder a sua coroa brilhante. 

Mas, ouçamos mais algumas palavras da personagem sobre a sua relação com o marido:

Nos últimos anos, é verdade, fomo-nos afastando um do outro. Afastando é uma maneira de dizer, pois estamos sempre juntos, acho mesmo que o que nos afastou foi esse excesso de proximidade.

...Cansámo-nos um do outro...
    

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José Eduardo Agualusa - Barroco Tropical, excerto, pg 124
Imagem: Kilimanjaro (Net)


domingo, 6 de maio de 2018

ÀS MÃES


Diz-me coisas bunitas, sussurradas ao ouvido.




Sim, é isso.

Dedico esta linda canção de Sara Tavares a todas as mães e, já agora, a mim própria.

Mas, voltarei a este post ou com um outro para dizer mais algumas palavras sobre estas criaturas que também são criadoras de vida.

Abraço.

sábado, 5 de maio de 2018

Respirar o amor, aspirando liberdade

O dia, hoje, convida à dança, aos cantares, à celebração da música, da natureza e do amor. Há lá coisa melhor para o coração do que o amor...e a liberdade! Isso, para referir também que este mês é dedicado a esse órgão essencial e um pouco misterioso por aquilo que costumamos atribuir-lhe, considerando-o autónomo na parte que diz respeito aos sentimentos e às nossas sensibilidades.

Já sabemos que ele, o coração, como máquina que é e embora perfeita ou por isso mesmo, agradece muitíssimo o exercício físico e a alimentação cuidada. 



Em relação ao exercício físico não vale dizermos que não temos tempo, pois em cima da nossa cama, por dez minutos diários, podemos fazer alongamentos e mexer as pernas e os braços. Também podemos fazer isso no chão em cima duma esteira ou toalha. E no nosso sofá! Enquanto vemos a novela, a série, o debate ou o que seja, podemos mexer os pés, as mãos, esticar as pernas, enfim, um sem número de movimentos que beneficiam o nosso corpo em geral. Sendo mais aventureiros, também a caminhada não será despicienda, antes pelo contrário. 

Quanto à alimentação todos sabemos do que se trata. Legumes, legumes e mais legumes, feitos das mais variadas maneiras entre elas saladas e sopas. E fruta, fruta e mais fruta. 

Li aquiLembre-se que uma alimentação equilibrada deve ser constituída maioritariamente por hidratos de carbono (até 65% do total de calorias ingeridas) e por quantidades menores de gordura e proteínas (cada uma não deve ultrapassar os 35% do total calórico diário).

Como em tudo, o importante é haver bom senso. Não iremos ao ponto de andar a pesar aquilo que comemos e calcular percentagens, mas sabendo o que sabemos lá chegaremos, conseguindo manter um peso ideal para que o nosso coração possa funcionar como merece.

Da minha lavra recomendo a dança. E quando? Sempre que possamos. Por mim andava na rua a dançar. Penso que há ou vai haver, por aí, um programa qualquer que convida a isso, não vos posso dizer de que se trata porque não tomei nota. Mas, não interessa. Podemos adoptá-la como parte dos nossos exercícios, em casa.

Dancemos, então, com Daniela Mercury:



Temperatura, hoje, a convidar a uma ida à praia ou a fazer um pique-nique. Isso ou outra actividade ao ar livre.

É só escolher. Desejo-vos um bom sábado.


Abraço.

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Volto a este post para dizer que provei um pouco do remédio que vos receitei.
O lusco-fusco apanhou-nos ainda na praia e, aí, porque não comer alguma coisa e apreciar a noite amena e o ruído apaziguador das ondas?










Fotos nossas.

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imagem daqui

terça-feira, 1 de maio de 2018

É preciso avisar...

É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha

É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta

É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores


João Apolinário
  (1924-1988)

Poeta e jornalista.
Combateu o fascismo tanto em sua terra natal, quanto em seus anos de exílio no Brasil. Colaborou em inúmeras publicações importantes nos dois países. É, no entanto, mais conhecido por seus poemas, musicados pelo filho João Ricardo e apresentados pelo conjunto Secos e Molhados. aqui




Desejo a todos um bom 1º de Maio.

Abraço.

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Poema: daqui

Video: Youtube