terça-feira, 28 de novembro de 2017
Esta refrega
JOSEPH CONRAD
Esta refrega, igual à dos marinheiros contra a tempestade
Que avança para sotavento - enquanto eles, unidos
Nesse caos, se voltam, cada um no seu nocturno
Beliche para sonharem outra vez com o caos, ou com a casa -
O poeta, ele próprio, que luta com a forma
Do seu tortuoso trabalho, sabe, e tendo intencionalmente
Pago com a mesma moeda a fadiga do mar, convidou
Os guindastes da alma que trabalham no seu quarto.
O fermento de marinheiro no seu sangue
- Embora o indolente coração escute a azáfama do ferro
E a canção dos barcos que navegam para Este -
Ajuda-o a vencer ou a ser vencido.
Adormecido, ele luta toda a noite com uma vela!
Mas continua a sonhar palavras para além da vida dos barcos.
Malcolm Lowry
(1909-1957)
Para o título deste post fui buscar "Esta refrega" ao primeiro verso deste poema. Quanto ao seu título, propriamente dito, penso que é "JOSEPH CONRAD" pois este nome aparece a encabeçá-lo. Fui ver quem seria.
Joseph Conrad é um escritor britânico e muitas das suas obras se centram em marinheiros e no mar. Mas qual a relação entre ele e Malcolm Lowry? Encontrei uma tese de doutoramento que analisa obras suas: JOSEPH CONRAD E MALCOLM LOWRY: "LA MUSIQUE SOMBRE DU CHAOS", HEART OF DARKNESS (1902), NOSTROMO (1904) ET UNDER THE VOLCANO (1947).
Se tiver interesse em saber em que consiste, leia-a aqui.
====
Poema retirado do Poemário 2012, Assírio & Alvim
Imagem: Pixabay
sábado, 25 de novembro de 2017
Os dias da semana. Porquê sete?
Animada e nada altruísta ia a partilha do telemóvel:
- Dá cá isso.- Não, não, eu que vejo.
- Se calhar, tenho mais experiência nestas coisas.
- Sim? Olha quem fala...
Até que um deles disse: -Mãe, pai, assim não dá. Precisamos dos nossos telemóveis.
- Está bem, está bem. Sendo para uma boa causa...
-Então, qual a palavra-chave que vamos escrever?
-Eu é que sei? Não disseste que tens mais experiência?
-Vá lá decidam-se!- disse uma voz de adulto.
E a Catarina decidiu: -Já sei: Os dias da semana. Bem. Não é uma palavra.É uma expressão.
-Será que sabes escrever isso? Tu que és toda virada para os números e para essas coisas das ciências exactas... - casquinou o das línguas.
-Pois, fica sabendo que para se perceber e interpretar um determinado problema temos de dominar muito bem a língua. Um senhor chamado Tales de Mileto, grego, era matemático, filósofo e outras coisas...
-Ai, ai, ai. Já cá faltava Tales de Mileto, Pitágoras e a sua hipotenusa e catetos, e mais o outro, aquele...o do "Eureka"...enfim...
-Por favor, poupem-me! - exclamou a Regininha que até então tinha estado calada- Por mais que falem disto e daquilo é a História que liga tudo. Tudo é História.
Saindo da timidez natural quando se trata de falar da sua disciplina preferida, tomou conta das operações e a coisa desemperrou.
-Vejam, aqui diz que os dias da semana, antigamente, eram designados com os nomes dos deuses romanos. Está aqui este quadro que nos mostra isso e também as transformações em função de cada idioma de origem latina, aliás, como já nos mostraste, Renato. Quanto ao latim escolástico e latim vulgar sabes alguma coisa sobre isso?
-Eu não! gosto é de línguas vivas.
-Eu não sei latim, nem coisa que o valha, mas deduzo que o latim escolástico tenha a ver com a Escolástica que define as normas da Igreja. - acudiu a Catarina.
- Como podem ver no quadro, a língua portuguesa não está incluída na terminologia originada pela utilização dos nomes dos deuses pagãos. Isso tem a ver, certamente, com a acção dessa Instituição quando considerou a designação pagã dos dias da semana. Lembram-se daquilo que se disse sobre feria e feira? - continuou a Regininha com um ar algo doutoral, o que irritou um pouco o Rui.
-Ah, pois, lembro-me perfeitamente e estou agora a ler qualquer coisa sobre o que tu disseste - o Rui, o da teoria política e relações internacionais, desperta de repente e pela primeira vez - mas, não foi propriamente a Igreja mas um Bispo, São Martinho de Dume.
E a discussão continuou a volta disso e pelo que víamos não iria terminar tão cedo...
Mas, o benjamim da família não se fazia ouvir e começámos a procurar por ele. Reapareceu com uma enciclopédia infanto-juvenil**, concentradíssimo e pôs-se a ler em voz alta:
Porquê sete?
O início da Bíblia refere que Deus criou o Mundo em seis dias e que ao sétimo descansou. Os Babilónios começaram a usar a semana de sete dias há cerca de 3000 anos. As fases de sete dias da Lua eram, para eles, um mistério e uma magia. Cada uma dessas fases - da lua-nova ao quarto crescente e do quarto crescente à lua-cheia, da lua-cheia ao quarto minguante e do quarto minguante à lua-nova - em apenas sete dias.
-Mas, há 3000 anos? Então, não estamos em 2017? E depois há aqui umas letras a.C.- hehehe! Boss A.C. ?
-Ó meu menino não é nada disso - reagiu o avô a rir - qual Boss A.C. qual quê!... a.C. indica um espaço de tempo relacionado com acontecimentos ocorridos antes do nascimento de Cristo e d.C., por sua vez, depois do nascimento de Cristo. E é precisamente a partir do nascimento de Cristo que o nosso tempo começou a contar e, por isso, estamos em 2017. Mas há civilizações muito antigas que contam o seu tempo utilizando outras balizas. Ao fim e ao cabo tudo não passa de convenções...Afinal o que é o tempo?
E o avô lê, pensativamente, na página 6 do livro do neto, uma citação de Santo Agostinho:
O que é o tempo?
Eu sei o que é mas, se alguém me perguntar, não sei explicar!
=====
A pedido de várias famílias, hahaha, esta é a continuação do post "I giorni della settimana", de 29 de Agosto. Portanto, há quase 3 meses. Queiram aceder a ele: AQUI
=====
Precioso contributo da Maria - Divagar sobre tudo um pouco- no 1º post:
=====
O contributo da M., do blogue A Panificadora Ribeiro. Muito obrigada, Amiga:
M.26/11/2017
Muito interessante! Já agora, acrescento o alemão, Montag, Dienstag, Mittwoch, Donnerstag, Freitag, Samstag e Sonntag, também com os nomes dos deuses romanos :)
=====
(Peço desculpas por algumas gralhas que, de vez em quando, acontecem nas dobras deste Xaile. Por exemplo: ali acima "Afinal" apareceu... "A final". Imperdoável!)
====
1ª imagem: daq
2ª imagem daqui
Ver - Escolástica
**O grande livro do tempo - pg 20
Texto- William Edmonds
Ilustrações - Helen Marsden
- Dá cá isso.- Não, não, eu que vejo.
- Se calhar, tenho mais experiência nestas coisas.
- Sim? Olha quem fala...
Até que um deles disse: -Mãe, pai, assim não dá. Precisamos dos nossos telemóveis.
- Está bem, está bem. Sendo para uma boa causa...
-Então, qual a palavra-chave que vamos escrever?
-Eu é que sei? Não disseste que tens mais experiência?
-Vá lá decidam-se!- disse uma voz de adulto.
E a Catarina decidiu: -Já sei: Os dias da semana. Bem. Não é uma palavra.É uma expressão.
-Será que sabes escrever isso? Tu que és toda virada para os números e para essas coisas das ciências exactas... - casquinou o das línguas.
-Pois, fica sabendo que para se perceber e interpretar um determinado problema temos de dominar muito bem a língua. Um senhor chamado Tales de Mileto, grego, era matemático, filósofo e outras coisas...
-Ai, ai, ai. Já cá faltava Tales de Mileto, Pitágoras e a sua hipotenusa e catetos, e mais o outro, aquele...o do "Eureka"...enfim...
-Por favor, poupem-me! - exclamou a Regininha que até então tinha estado calada- Por mais que falem disto e daquilo é a História que liga tudo. Tudo é História.
Saindo da timidez natural quando se trata de falar da sua disciplina preferida, tomou conta das operações e a coisa desemperrou.
-Vejam, aqui diz que os dias da semana, antigamente, eram designados com os nomes dos deuses romanos. Está aqui este quadro que nos mostra isso e também as transformações em função de cada idioma de origem latina, aliás, como já nos mostraste, Renato. Quanto ao latim escolástico e latim vulgar sabes alguma coisa sobre isso?
-Eu não! gosto é de línguas vivas.
-Eu não sei latim, nem coisa que o valha, mas deduzo que o latim escolástico tenha a ver com a Escolástica que define as normas da Igreja. - acudiu a Catarina.
- Como podem ver no quadro, a língua portuguesa não está incluída na terminologia originada pela utilização dos nomes dos deuses pagãos. Isso tem a ver, certamente, com a acção dessa Instituição quando considerou a designação pagã dos dias da semana. Lembram-se daquilo que se disse sobre feria e feira? - continuou a Regininha com um ar algo doutoral, o que irritou um pouco o Rui.
-Ah, pois, lembro-me perfeitamente e estou agora a ler qualquer coisa sobre o que tu disseste - o Rui, o da teoria política e relações internacionais, desperta de repente e pela primeira vez - mas, não foi propriamente a Igreja mas um Bispo, São Martinho de Dume.
E a discussão continuou a volta disso e pelo que víamos não iria terminar tão cedo...
Mas, o benjamim da família não se fazia ouvir e começámos a procurar por ele. Reapareceu com uma enciclopédia infanto-juvenil**, concentradíssimo e pôs-se a ler em voz alta:
Porquê sete?
O início da Bíblia refere que Deus criou o Mundo em seis dias e que ao sétimo descansou. Os Babilónios começaram a usar a semana de sete dias há cerca de 3000 anos. As fases de sete dias da Lua eram, para eles, um mistério e uma magia. Cada uma dessas fases - da lua-nova ao quarto crescente e do quarto crescente à lua-cheia, da lua-cheia ao quarto minguante e do quarto minguante à lua-nova - em apenas sete dias.
-Mas, há 3000 anos? Então, não estamos em 2017? E depois há aqui umas letras a.C.- hehehe! Boss A.C. ?
-Ó meu menino não é nada disso - reagiu o avô a rir - qual Boss A.C. qual quê!... a.C. indica um espaço de tempo relacionado com acontecimentos ocorridos antes do nascimento de Cristo e d.C., por sua vez, depois do nascimento de Cristo. E é precisamente a partir do nascimento de Cristo que o nosso tempo começou a contar e, por isso, estamos em 2017. Mas há civilizações muito antigas que contam o seu tempo utilizando outras balizas. Ao fim e ao cabo tudo não passa de convenções...Afinal o que é o tempo?
E o avô lê, pensativamente, na página 6 do livro do neto, uma citação de Santo Agostinho:
O que é o tempo?
Eu sei o que é mas, se alguém me perguntar, não sei explicar!
=====
A pedido de várias famílias, hahaha, esta é a continuação do post "I giorni della settimana", de 29 de Agosto. Portanto, há quase 3 meses. Queiram aceder a ele: AQUI
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Precioso contributo da Maria - Divagar sobre tudo um pouco- no 1º post:
Maria Rodrigues05/09/2017
Minha amiga como sempre um post muito interessante.
Fiquei intrigada com a origem dos nomes dos dias da semana e também fui procurar e eis o que encontrei e me fez sentido:
O feira, de segunda a sexta, vem de feria, que, em latim, significa “dia de descanso”. O termo passou a ser empregado no ano 563, após um concílio da Igreja Católica na cidade portuguesa de Braga em que S. Martinho propôs que durante a Semana Santa todos os dias fossem inteiramente consagrados ao descanso, ao culto católico e às orações. o "feira" acabou depois por ser aplicado a todos os dias do ano.
Nunca tinha pensado nisto, foi interessante pesquisar.
Fiquei intrigada com a origem dos nomes dos dias da semana e também fui procurar e eis o que encontrei e me fez sentido:
O feira, de segunda a sexta, vem de feria, que, em latim, significa “dia de descanso”. O termo passou a ser empregado no ano 563, após um concílio da Igreja Católica na cidade portuguesa de Braga em que S. Martinho propôs que durante a Semana Santa todos os dias fossem inteiramente consagrados ao descanso, ao culto católico e às orações. o "feira" acabou depois por ser aplicado a todos os dias do ano.
Nunca tinha pensado nisto, foi interessante pesquisar.
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O contributo da M., do blogue A Panificadora Ribeiro. Muito obrigada, Amiga:
M.26/11/2017
Muito interessante! Já agora, acrescento o alemão, Montag, Dienstag, Mittwoch, Donnerstag, Freitag, Samstag e Sonntag, também com os nomes dos deuses romanos :)
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(Peço desculpas por algumas gralhas que, de vez em quando, acontecem nas dobras deste Xaile. Por exemplo: ali acima "Afinal" apareceu... "A final". Imperdoável!)
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1ª imagem: daq
2ª imagem daqui
Ver - Escolástica
**O grande livro do tempo - pg 20
Texto- William Edmonds
Ilustrações - Helen Marsden
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Codex Amiatinus, o manuscrito mais antigo da Vulgata
Não fosse o desembargo de citações que pôs muita gente a interessar-se por essa colecção de textos que é a Bíblia, objecto de aturados estudos por parte de especialistas, e eu não teria o pretexto que há muito buscava para falar do Codex Amiatinus. Houve uma altura, não há muito tempo, em que tentei fazê-lo comparando o trabalho da Bíblia copiada à mão por um homem nas suas horas de ócio*- cá no nosso rectângulo-, com o texto antigo na óptica do novo e do velho, uma curiosidade. Perdi, entretanto, o jornal ou a revista onde o facto vinha relatado.
Contudo, reparo que é um fraco pretexto, diga-se em meu desabono. O caso vertente, o das citações, que deu brado, não é exemplo que se deva seguir ou referenciar sequer, a não ser para o abominar. É mister que detentores de lugares cimeiros na sociedade reservem para si ideias susceptíveis de influenciar comportamentos que não se coadunem com os cânones já estabelecidos na nossa civilização. Aliás, o sofrimento das pessoas e as estatísticas são do conhecimento de todos. Mulheres maltratadas e assassinadas empobrecem o nosso património mental, as nossas vidas, a nossa condição de seres humanos. O velho e o novo. Tenhamos bem presente isto: "Dou-vos um mandamento novo. Amai-vos uns aos outros". Isso dizia o homem de Nazaré há dois mil e tal anos e nunca mais aprendemos.
Então, o meu pretexto não será esse que disse acima, mas há um outro a que eu poderia apelar. Há 500 anos Martinho Lutero afixou as suas 95 teses numa clara rebeldia contra o status quo, o caso das bulas entre outros. Ele não teria, segundo parece, a intenção de causar a hecatombe que se seguiu, a Reforma* e Contra-Reforma, mas foi o que foi. Uma bola de neve. Vislumbro daqui o burburinho que não terá sido, o espanto, embora a situação de prepotência da igreja já se ter tornado um espinho que muitos gostariam de extrair.
Uma das coisas boas é que a Bíblia começou a ser traduzida para vernáculo e a imprensa de Gutenberg fez o resto. A novidade impôs-se. Os monges copistas com o seu belo trabalho, moroso e elaborado destinado a alguns tinham os dias contados. Era a mudança de ideias que abria um mundo imenso à divulgação cultural que se alargaria a toda a gente, no futuro. E vemo-lo no nosso século, de tal forma que já não há tempo para se ler tudo o que aparece editado.
Porém, vamos recuar no tempo. Diz-se que este manuscrito nem é dos mais belos. Não terá grandes iluminuras, aqueles enfeites eivados de sacralidade, que existem em tantos outros. Não interessa para o caso. Ele tem uma particularidade que os outros não têm. É o mais antigo da Vulgata. Ora, esta é a cópia considerada mais acurada da tradução da Bíblia para latim entre fins do século IV e inícios do século V, levada a cabo por Jerónimo de Estridão (santo).
E a novidade aqui é que este Senhor preferiu fazer a sua tradução a partir do hebraico, língua original, em vez do grego como era corrente, apesar das grandes críticas surgidas na altura. A Vulgata foi considerada a versão de melhor compreensão popular* e adoptada pela Igreja Católica. Numa revisão terminada em 1975, será promulgada em 1979 por João Paulo II, e toma o nome de Nova Vulgata, ficando assim estabelecida como a nova Bíblia oficial da Igreja.
Mais uma vez, o velho e o novo. O antigo com as suas prerrogativas, servindo-nos de ponto de partida para seguir em frente. O novo, ancorando-se nas raízes já existentes, lançando-se à descoberta do futuro.
Todas as gerações sentem grande dificuldade em aceitar aquilo a que não estão habituadas. Não vou apontar aqui exemplos. Todos nós o sentimos no nosso íntimo. Salvo algumas excepções, todos nós temos um pouco de "Velho do Restelo", aquela figura ímpar de que se serviu Camões para mostrar os nossos receios, inseguranças e horror ao desconhecido.
Aqui chegados, será que o que foi dito atrás é pretexto bastante para ter trazido o Codex Amiatinus? Já não sei bem. Tenho a certeza de que houve uma altura em que sabia o motivo por que queria falar de tal documento. Mas, esfumou-se dado o tempo transcorrido em relação à data da selecção do tema.
Resta-me o prazer de ter estado aqui a comunicar convosco, como se os meus amigos não tivessem coisas mais interessantes para fazer. E outras leituras à espera!
Que post palavroso este!- quase que oiço em surdina.
=====
Contudo, reparo que é um fraco pretexto, diga-se em meu desabono. O caso vertente, o das citações, que deu brado, não é exemplo que se deva seguir ou referenciar sequer, a não ser para o abominar. É mister que detentores de lugares cimeiros na sociedade reservem para si ideias susceptíveis de influenciar comportamentos que não se coadunem com os cânones já estabelecidos na nossa civilização. Aliás, o sofrimento das pessoas e as estatísticas são do conhecimento de todos. Mulheres maltratadas e assassinadas empobrecem o nosso património mental, as nossas vidas, a nossa condição de seres humanos. O velho e o novo. Tenhamos bem presente isto: "Dou-vos um mandamento novo. Amai-vos uns aos outros". Isso dizia o homem de Nazaré há dois mil e tal anos e nunca mais aprendemos.
Então, o meu pretexto não será esse que disse acima, mas há um outro a que eu poderia apelar. Há 500 anos Martinho Lutero afixou as suas 95 teses numa clara rebeldia contra o status quo, o caso das bulas entre outros. Ele não teria, segundo parece, a intenção de causar a hecatombe que se seguiu, a Reforma* e Contra-Reforma, mas foi o que foi. Uma bola de neve. Vislumbro daqui o burburinho que não terá sido, o espanto, embora a situação de prepotência da igreja já se ter tornado um espinho que muitos gostariam de extrair.
Uma das coisas boas é que a Bíblia começou a ser traduzida para vernáculo e a imprensa de Gutenberg fez o resto. A novidade impôs-se. Os monges copistas com o seu belo trabalho, moroso e elaborado destinado a alguns tinham os dias contados. Era a mudança de ideias que abria um mundo imenso à divulgação cultural que se alargaria a toda a gente, no futuro. E vemo-lo no nosso século, de tal forma que já não há tempo para se ler tudo o que aparece editado.
Porém, vamos recuar no tempo. Diz-se que este manuscrito nem é dos mais belos. Não terá grandes iluminuras, aqueles enfeites eivados de sacralidade, que existem em tantos outros. Não interessa para o caso. Ele tem uma particularidade que os outros não têm. É o mais antigo da Vulgata. Ora, esta é a cópia considerada mais acurada da tradução da Bíblia para latim entre fins do século IV e inícios do século V, levada a cabo por Jerónimo de Estridão (santo).
E a novidade aqui é que este Senhor preferiu fazer a sua tradução a partir do hebraico, língua original, em vez do grego como era corrente, apesar das grandes críticas surgidas na altura. A Vulgata foi considerada a versão de melhor compreensão popular* e adoptada pela Igreja Católica. Numa revisão terminada em 1975, será promulgada em 1979 por João Paulo II, e toma o nome de Nova Vulgata, ficando assim estabelecida como a nova Bíblia oficial da Igreja.
Mais uma vez, o velho e o novo. O antigo com as suas prerrogativas, servindo-nos de ponto de partida para seguir em frente. O novo, ancorando-se nas raízes já existentes, lançando-se à descoberta do futuro.
Todas as gerações sentem grande dificuldade em aceitar aquilo a que não estão habituadas. Não vou apontar aqui exemplos. Todos nós o sentimos no nosso íntimo. Salvo algumas excepções, todos nós temos um pouco de "Velho do Restelo", aquela figura ímpar de que se serviu Camões para mostrar os nossos receios, inseguranças e horror ao desconhecido.
95
— "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
97
— "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Aqui chegados, será que o que foi dito atrás é pretexto bastante para ter trazido o Codex Amiatinus? Já não sei bem. Tenho a certeza de que houve uma altura em que sabia o motivo por que queria falar de tal documento. Mas, esfumou-se dado o tempo transcorrido em relação à data da selecção do tema.
Resta-me o prazer de ter estado aqui a comunicar convosco, como se os meus amigos não tivessem coisas mais interessantes para fazer. E outras leituras à espera!
Que post palavroso este!- quase que oiço em surdina.
=====
Ver, se interessar:
-*Os cinco Solas da Reforma - aqui, no Xaile
-Ócio criativo - Blog Começar de novo
Os Lusíadas: Cântico IV - estrofes 95 e 97
*Ter em devida conta o significado do termo "popular", nessa altura.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
O teu riso
Tira-me
o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
(1904-1973)
Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, de seu nome. Poeta chileno. O pseudónimo "Pablo Neruda", uma declaração de afinidade com o escritor checo Jan Neruda, tornou-se o seu nome legal após acção de modificação de nome civil.
Fiquei maravilhada com este poema de Pablo Neruda.
Esta versão que aqui trago encontrei-a no Pensador. Há uma outra no Citador. Talvez diferenças de tradução. Muitas vezes, quando os poemas ou textos não provêm de leituras cuja fonte conheço procuro confirmação em vários sites. Lembro-me de um poema atribuído a Jorge Luís Borges, escritor argentino, que eu publiquei aqui no Xaile, afinal era apócrifo. Fui alertada por Canto da Boca. Deixei-o ficar com as devidas ressalvas.
Tenham uma muito boa noite.
====
Imagens: Pixabay
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
E a dessalinização da água do mar?
É meritório o que se tem visto: o transporte de água em camiões-cisternas para onde não há água nem para beber, como é o caso de Viseu. Contudo, a situação não é passível de se prolongar durante muito tempo. A água é um bem que pode acabar.
Ouvi hoje o Ministro do Ambiente dizer a miúdos da escola que a água não se fabrica. Pois não. Mas é bom que comecemos a pensar em fabricá-la, aproveitando as técnicas que outros países carentes de água já estão a utilizar há muito tempo: dessalinizando a água* do mar. Falo do Médio-Oriente e aqui mais perto de nós de Cabo Verde, país com o qual temos muitas afinidades histórico-culturais.
Pergunte-se aos cabo-verdianos como é que lidam com a seca, como fazem para que a água doce chegue às torneiras de forma sustentada e como fazem para que ali surjam verdadeiros oásis. É tempo de pormos todas as cabeças a trabalhar na resolução deste problema. Se não o atacarmos de frente, dele vão nascer muitos outros em catadupa, mas ao contrário. Aliás, não há que inventar.
Bastará pôr em marcha o que já existe.
====
Não querendo ser insistente nem aborrecida, mas sendo:
Li hoje, 22/11, uma notícia sobre as alterações climáticas, em que pessoas gradas ligadas ao Ambiente tecem considerações sobre o assunto numa mesa redonda, um Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Agua e Saneamento, em Évora. Ora, leia-a também, aqui.
=====
*Nota: Sei do que falo. :)
É a água que eu bebo e utilizo, para tudo, quando vou a Cabo Verde.
Não querendo ser insistente nem aborrecida, mas sendo:
Li hoje, 22/11, uma notícia sobre as alterações climáticas, em que pessoas gradas ligadas ao Ambiente tecem considerações sobre o assunto numa mesa redonda, um Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Agua e Saneamento, em Évora. Ora, leia-a também, aqui.
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*Nota: Sei do que falo. :)
É a água que eu bebo e utilizo, para tudo, quando vou a Cabo Verde.
Ver:
1ªImagem: Pixabay
2ª Imagem Notícias ao Minuto
2ª Imagem Notícias ao Minuto
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
À variedade do mundo
Este
nasce, outro morre, acolá soa
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c'o rugido o monte atroa.
Aqui corre uma fera, acolá voa
C'o grãozinho na boca ao ninho üa ave,
Um demba o edifício, outro ergue a trave,
Um caça, outro pesca, outro enferoa.
Um nas armas se alista, outro as pendura
An soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada,
Este muda de amor, aquele atura.
Do bem, de que um se alegra, o outro chora...
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c'o rugido o monte atroa.
Aqui corre uma fera, acolá voa
C'o grãozinho na boca ao ninho üa ave,
Um demba o edifício, outro ergue a trave,
Um caça, outro pesca, outro enferoa.
Um nas armas se alista, outro as pendura
An soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada,
Este muda de amor, aquele atura.
Do bem, de que um se alegra, o outro chora...
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
(1610-1663)
Poeta, magistrado. Alguns dos seus poemas foram reunidos na Fénix Renascida.
A maior parte da sua obra, em verso e em prosa, nunca veio a lume.
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Poema: in Projecto Vercial
Imagem: Pixabay
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
Voici: la doudoune, le velours, le satin
La doudoune voltou este ano em todo o seu esplendor. Curta, comprida, cintada, fluida; em formato blusão, poncho, casaco, quimono; em diversos materiais, polyester, polyuréthane, coton, nylon, mais... bien gonflée. Uma peça de vestuário bem urbana, para usar com calças de tweed, uma saia fluide ou um vestido tube. A ideia é que vai bem com tudo e em qualquer situação. Penso que será o nosso kispo*, mas permitam-me continuar a tratá-lo no feminino pois acho "la doudoune" simplesmente adorável. O importante é que é reconfortante e quente em tempo de frio.
Uma outra novidade é o regresso do velours. Há quanto tempo não via um vestido, um casaquinho, uma coisinha qualquer em veludo!Pois, parece que agora é um must, apesar de haver notícias do seu ressurgimento em 2013, talvez em menor escala. Confesso que não me sinto nada tentada. Porém, noblesse oblige, não se pode fechar os olhos ao que acontece ao nosso redor. D'où vient le velours, grande tendance de la saison - interrogam-se na Marie France.
Na revista Voici, donde retirei o apontamento sobre "la doudoune", há um conjunto composto de blouson en satin, sac en cuir, chemise en coton, patalon en velours, com a legenda: Dans les rues de Milan le satin est d'or. Visto assim parece-me bem. Aliás, a revista refere ainda, entre outras coisas: Quant au satin, loin des années 80, il nous revient moins scintillant mais tout aussi brillant.
Dada a minha proverbial inaptidão para estas coisas de informática não me é possível trazer para aqui a imagem daquilo que descrevo no parágrafo anterior. Poderia fotografar a imagem, visto ter a revista. Mas, enfim. Para o cetim fui buscar as calças azul-turquesa** do blog de Lady Zorro, embora se refira ao inverno de 2016/2017. Parece que essa tendência já vem daí.
Afinal, eis a imagem. Uma alma caridosa, a minha filha, ajudou-me nesta tarefa.
Desejo-vos um bom fim-de-semana. Ah! Ainda é quinta-feira. Voltarei, amanhã.
17/11/2017
Vou passar para aqui as minhas dúvidas quanto à cor das calças a que chamei "azul-turquesa":
**Azul-turquesa é mais claro, não?
Bem, talvez seja azul petróleo. Ou
verde petróleo?
Cada vez me enterro mais, se calhar...
Uma ajudinha?
Agora sim. Bom fim-de-semana.
(Nota: não consigo pôr as letras do mesmo tamanho. Isto assumiu que eu queria letras pequeninas e não há volta a dar-lhe.)
Até que enfim. Consegui mudar o tamanho da letra.
====-Magazine Voici nº 1565, du 3 au 9 novembre
As duas primeiras imagens da revista ELLE
*Ou parka
**Azul-turquesa é mais claro, não?
Bem, talvez seja azul petróleo. Ou verde petróleo?
Cada vez me enterro mais, se calhar...
**Azul-turquesa é mais claro, não?
Bem, talvez seja azul petróleo. Ou verde petróleo?
Cada vez me enterro mais, se calhar...
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
As cinzas - pensar nelas é preciso
O facto de não ter chovido é bom. É bom??? Admirar-se-á, e com razão, quem tenha a gentileza de me ler. Mas eu explico-me. Depois dos incêndios devastadores de vidas humanas e das nossas florestas, este compasso de espera da mãe-natureza poderá significar uma oportunidade para reparar e reconstruir as casas destruídas e tudo o mais que está à vista de todos. Nas nossas preocupações tem de estar, antes de tudo, o acarinhamento das pessoas que perderam os seus filhos e outros familiares e tudo o que tinham e que por isso mesmo se vêem perdidas na vida.
Por outro lado, há também toda uma envolvência ambiental que merece atenção. Não chove, o que é muito mau. Contudo, sabemos que as alterações climáticas criam situações de grande desequilíbrio e, por isso, tanto dá para não chover como para chover demasiado, com chuvas que poderão ser torrenciais. Aqui coloca-se o problema das cinzas decorrentes dos incêndios. Com a chuva, elas resvalam e vão alterar a qualidade da água nas barragens o que afectará a vida de todos nós. Diz quem sabe que há soluções técnicas para enfrentar o problema das cinzas resultantes dos incêndios, mas "dá trabalho" e exige que todos os vizinhos também o façam. Segundo a mesma fonte, a água corre porque tem um declive direito, mas se se fizerem valas isso já não acontece, vai-se infiltrando no terreno.
Há muita coisa em que pensar e outras tantas para fazer, reconheço. Mas isto de que estamos a falar, as cinzas, é assunto a que urge atender porque poderá transformar-se numa daquelas situações incontroláveis se não for acautelado a tempo e horas. Não esperemos pelas ansiadas chuvas para o fazer.
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Recebi este comentário da Ruthia, d'O Berço do Mundo, que espelha a nossa realidade nua e crua:
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Posts recentes, no Xaile, relacionados com a chuva e com a seca:
Gota a gota
Ler nas estrelas
Isto é Verão ou quê?
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Ver:
Ambientalista Eugénio Sequeira:
Especialista alerta para "grande problema" das cinzas quando chover
DN
Há muita coisa em que pensar e outras tantas para fazer, reconheço. Mas isto de que estamos a falar, as cinzas, é assunto a que urge atender porque poderá transformar-se numa daquelas situações incontroláveis se não for acautelado a tempo e horas. Não esperemos pelas ansiadas chuvas para o fazer.
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Recebi este comentário da Ruthia, d'O Berço do Mundo, que espelha a nossa realidade nua e crua:
Suponho que a reconstrução de muitas casas se vá prolongar por muitos meses, pelo que não se pode esperar que seja tudo concluído antes da "época das chuvas" se é que ainda se pode falar de uma época dessas, com o descontrolo climático que o mundo atravessa.
Por outro lado, a falta de água atrasa o trabalho de reflorestação, porque muitas das árvores vão secar sem água e regá-las a todas torna-se impossível no cenário de seca que vivemos.
Em resumo, com e sem chuva, o cenário não é animador...
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
Por outro lado, a falta de água atrasa o trabalho de reflorestação, porque muitas das árvores vão secar sem água e regá-las a todas torna-se impossível no cenário de seca que vivemos.
Em resumo, com e sem chuva, o cenário não é animador...
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
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Posts recentes, no Xaile, relacionados com a chuva e com a seca:
Gota a gota
Ler nas estrelas
Isto é Verão ou quê?
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Ver:
Ambientalista Eugénio Sequeira:
Especialista alerta para "grande problema" das cinzas quando chover
DN
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Pergunta-me
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
In:Raiz de Orvalho
António Emílio Leite Couto, moçambicano, escritor, biólogo.
O seu novo livro: "O Bebedor de Horizontes" que o autor classifica como o seu maior desafio enquanto escritor. Confira, aqui.
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Poema: Citador
Poema: Citador
Imagem: Pixabay
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Fintar a morte
Era a guerra. Nas minhas costas sentia o crepitar das balas e a moto, puxada ao máximo, galgava por onde desse. Eu era a protecção de quem ia a conduzir e não podia ser doutro modo. Para a frente é que era o caminho em direcção ao downtown, onde morava uma prima minha. A filha mais nova, a Margarida, de 3 anos, saltou de alegria quando nos viu, cantando e dançando. E com tanta pouca sorte que caiu e bateu com a boca no fio da mesinha da sala. Muito sangue. Não havia meio de fazê-lo parar. Tivemos de decidir depressa e ir à procura de um hospital onde pudesse ser atendida. Com a tensão existente, tivemos de passar por vários postos de controlo. O importante é que ela ficou bem. Desses dias de susto compostos de vários episódios aflitivos, é o que mais me emociona ainda hoje. A lembrança das filas de racionamento, da pouca água, do perigo constante, serve-me para dar importância a umas coisas e não a outras, relativizando-as.
Assim, acredito que toda a história tem vários lados e a própria História, como disciplina, sendo uma construção humana, é passível de várias interpretações. Ocorre-me perguntar, de que são feitos os heróis? Respondo: Penso que são feitos, muitas vezes, de momentos fortuitos. E, sim, precisamos deles e dos nossos mitos e lendas como do pão para a boca. Os rituais associados a essa representação são elementos fundamentais para que nos sintamos unidos como povo. São eles que nos guiam e, em momentos de crise, é bom que os tenhamos bem presentes. Lembro-me de ter lido, no tempo em que tinha de fazer essas leituras, que na mitologia romana os mortos tinham a designação de Manes, espíritos dos entes queridos com a função de proteger a família, uma espécie de deuses do lar, já para não falar de culturas no nosso mundo contemporâneo que têm um relacionamento similar com a morte.
Camões, em "Os Lusíadas", universaliza para sempre a melhor maneira de fintar a morte, pondo a tónica em: (...) E aqueles que por obras valerosas/ Se vão da lei da morte libertando;/ Cantando espalharei por toda a parte/ Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
É só isso. Tenhamos elevação de espírito. Honremos os nossos mortos, celebrando a vida. As nossas conquistas de todos os dias, pequenas ou grandes, não interessa o tamanho. O fundamental é sentir que estamos a construir algo de útil para nós e para os outros, com a mente aberta. Ficarmos enredados em tricas, intrigas e quejandos é uma forma depressiva de nos diminuirmos como povo. Cantemos e dancemos em honra dos nossos heróis, espalhando por toda a parte a notícia do legado de que somos herdeiros.
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Imagem 1 - daqui
Imagem 2
sábado, 11 de novembro de 2017
Gota a gota
O "São Martinho" já não é o que era. Aquele suspense que se vivia nos dias antecedentes já bastante chuvosos, já frios, com o cheiro a castanhas assadas, à espera do dia 11, cheio de Sol, não aconteceu este ano. O Verão, um Verão castigador, prolongou-se indefinidamente. E hoje comemos castanhas, sim, mas há qualquer coisa que falta.
A situação de seca extrema em alguns pontos do nosso país abala-nos e adivinhamos tempos bastante problemáticos, tanto para a agricultura como para o gado. A própria água para consumo já falta nas torneiras. Urge que tenhamos bem presente que é preciso poupar água, utilizando-a de forma racional. Para poupar água, já o tenho referido e toda a gente o sabe, há que começar a fazê-lo nas nossas casas, nos nossos quintais, nas pequenas propriedades de cultivo que circundem as nossas casas.
Não há dúvida que as alterações climáticas é um problema que temos de levar muito a sério. Nós os leigos não sabemos muito bem o que pode acontecer, mas deu para perceber que nada de bom virá dali. E de nada vale ficarmos à espera que os cataclismos aconteçam para depois tomarmos medidas. Enquanto as crises e as emergências não nos assoberbem, aproveitemos para pensar nas coisas e encontrar soluções. É sempre bom dizê-lo, repeti-lo e convencermo-nos disso.
Pensemos. Pensemos todos na melhor maneira de ir minorando esse grande problema. Ponhamos questões, conversemos uns com os outros. Não chovendo, ou não chovendo o suficiente, o que fazer? Será que a adopção de sistemas de rega gota-a-gota poderia ajudar, pelo menos, a produzir aquele mínimo necessário, quase uma agricultura de subsistência? Claro que o ideal será produzir em grande escala. Talvez mesmo para isso a ideia não seja descabida porque já experimentada. Mas, deixo isso para as grandes cabeças, capazes de vislumbrar grandes soluções.
Já pude verificar in loco que o sistema de rega gota-a-gota dá resultados excelentes. Com a água direccionada para as raízes das plantas ela é toda aproveitada. Há quem refira que uma das desvantagens de tal sistema é que a sua instalação é dispendiosa. Será. Mas, para grandes males, grandes remédios e aí as ajudas institucionais seriam bem-vindas.
Desejo-vos um dia de São Martinho agradável.
=====
Comentário da amiga Odete Ferreira, um grande contributo para o tema deste post:
A situação de seca extrema em alguns pontos do nosso país abala-nos e adivinhamos tempos bastante problemáticos, tanto para a agricultura como para o gado. A própria água para consumo já falta nas torneiras. Urge que tenhamos bem presente que é preciso poupar água, utilizando-a de forma racional. Para poupar água, já o tenho referido e toda a gente o sabe, há que começar a fazê-lo nas nossas casas, nos nossos quintais, nas pequenas propriedades de cultivo que circundem as nossas casas.
Não há dúvida que as alterações climáticas é um problema que temos de levar muito a sério. Nós os leigos não sabemos muito bem o que pode acontecer, mas deu para perceber que nada de bom virá dali. E de nada vale ficarmos à espera que os cataclismos aconteçam para depois tomarmos medidas. Enquanto as crises e as emergências não nos assoberbem, aproveitemos para pensar nas coisas e encontrar soluções. É sempre bom dizê-lo, repeti-lo e convencermo-nos disso.
Pensemos. Pensemos todos na melhor maneira de ir minorando esse grande problema. Ponhamos questões, conversemos uns com os outros. Não chovendo, ou não chovendo o suficiente, o que fazer? Será que a adopção de sistemas de rega gota-a-gota poderia ajudar, pelo menos, a produzir aquele mínimo necessário, quase uma agricultura de subsistência? Claro que o ideal será produzir em grande escala. Talvez mesmo para isso a ideia não seja descabida porque já experimentada. Mas, deixo isso para as grandes cabeças, capazes de vislumbrar grandes soluções.
Já pude verificar in loco que o sistema de rega gota-a-gota dá resultados excelentes. Com a água direccionada para as raízes das plantas ela é toda aproveitada. Há quem refira que uma das desvantagens de tal sistema é que a sua instalação é dispendiosa. Será. Mas, para grandes males, grandes remédios e aí as ajudas institucionais seriam bem-vindas.
Desejo-vos um dia de São Martinho agradável.
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Comentário da amiga Odete Ferreira, um grande contributo para o tema deste post:
Muito importante esta postagem...
Sou, por natureza, uma poupadora dos recursos naturais e, com assertividade, vou captando adeptas; a senhora que me ajuda nas tarefas caseiras já se rendeu; no princípio , já me disse, não me entendia. Quanto à água, nenhuma é desaproveitada:enquanto não chega a água quente, encho um garrafão; a das lavagens é reutilizada no WC; rega, é conta-a-gota, eliminei a relva, etc. Um vez, num programa de rádio local, onde era comentadora residente, dei conta destas coisas; um dos colegas de programa, riu-se. Gostava de saber o que ele diria no caso desta seca extrema que a todos nos aflige. Incidi na questão da água, mas há muitos outros procedimentos de são gestos naturais em mim.
Sou, por natureza, uma poupadora dos recursos naturais e, com assertividade, vou captando adeptas; a senhora que me ajuda nas tarefas caseiras já se rendeu; no princípio , já me disse, não me entendia. Quanto à água, nenhuma é desaproveitada:enquanto não chega a água quente, encho um garrafão; a das lavagens é reutilizada no WC; rega, é conta-a-gota, eliminei a relva, etc. Um vez, num programa de rádio local, onde era comentadora residente, dei conta destas coisas; um dos colegas de programa, riu-se. Gostava de saber o que ele diria no caso desta seca extrema que a todos nos aflige. Incidi na questão da água, mas há muitos outros procedimentos de são gestos naturais em mim.
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Sistema de rega gota-a-gota
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