quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O Jardim







Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Sequências de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.

António Ramos Rosa
in "Volante Verde"



António Vítor Ramos Rosa (Faro17 de Outubro de 1924 – Lisboa23 de Setembro de 2013), foi um poetatradutor e desenhista português






Nota: Veja, aqui, Ramos Rosa no Xaile de Seda.

====
Imagem - pixabay
Poema: Citador

sábado, 26 de outubro de 2024

Andamos às arrecuas ou em círculo?

 


Tanto faz, pois a verdade é que não damos mostras de perceber seja o quer for. Quezílias seculares que conduzem a guerras infindas. Lutas pelo poder, pela conquista de territórios. Mascaramos tudo com negociações, diplomacias que mais não são do que formas de escamotear intenções hegemónicas. 

E assim, quem é mais fraco acaba por perder tudo e até a própria vida. Nações que já alcançaram um desenvolvimento apreciável não param para pensar que, talvez, a partir de determinado momento há que trabalhar para o bem comum.

Dá-me a impressão de que tudo o que havia para descobrir em termos globais e científicos já está feito. Agora o que se faz é apenas o aperfeiçoamento deste ou daquele ponto, de modo a dar-nos aquela sensação de conforto e progresso que tanto propalamos. 

Depois da Idade Média, considerada erradamente, segundo alguns, a idade das trevas, a evolução das ideias com o Renascimento, que vai buscar o classicismo como base, sem esquecermos o Século das Luzes, mas antes disso o século XVII que inicia a explosão tecnológica, passando pelo século XIX que tanta coisa descobriu, o século XX um tempo de guerras seguido de alguma acalmia, até agora limitamo-nos a pegar nessas descobertas e a direccioná-las para o tal conforto de que falei atrás. E não é pouco, é verdade. 

Temos conhecido momentos áureos que nos levam a pensar que tudo podemos, que somos senhores do nosso destino. Com o que vem de trás conseguiu-se que o mundo se transformasse numa aldeia. Hoje posso dormir aqui e acordar no outro lado do mundo. 

E continuamos a referir-nos a essa tecnologia como "nova" sem estabelecer limites, não criando legislação que ponha ordem aos abusos que a facilidade comunicacional nos permite.

Bom domingo, meus amigos.

Abraço

Olinda

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

A Vida Oblíqua





A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta.
E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café num terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.

(excerto)

Clarice Lispector, 
in 'Água Viva'



====
Texto: Citador
Imagem: pixabay

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

LER ou o Prazer da Leitura

 


Nem sempre ler é tarefa fácil e proveitosa. Há livros que nos agarram logo nas primeiras frases, mesmo nas primeiras palavras. Se isso não acontece logo continuamos esperançados que se faça luz. Mas, debalde por vezes. Lá vamos nós a coxear, a tamancar, a perder tempo. 

Há livros de escritores ditos famosos que não me atraem. A sério...Por um motivo ou outro houve quem tivesse decidido que aquele livro era especial e, então, tudo o que sai daquelas mãos ou daquela cabeça é do bom e do melhor. 

Mas, venhamos e convenhamos. Cada cabeça a sua sentença. Penso que cada pessoa tem a sua sensibilidade e interpreta o que lê e o que ouve de conformidade com as suas apetências e a sua maneira de ser.

Por exemplo, há temas que tenho grande prazer em tratar. Pego num livro, numas folhas que trazem umas quantas palavras que, provavelmente, só a mim interessam, e lá estou eu embrenhada, esquecendo tudo o resto, como se dali me viesse suma felicidade.

Tolerância é o que importa.
Vivamos e deixemos que outros ocupem os seus respectivos espaços.

Bom fim de semana, meus amigos.

Abraços
Olinda.


====
imagem: pixabay

terça-feira, 15 de outubro de 2024

ROMA : Urbs Aeterna ou Caput Mundi

Indo do aeroporto parece que estamos numa cidade europeia como outra qualquer. Mas avançando, os prédios em tom ocre e com uma arquitectura bem definida começa a mostrar que estamos numa cidade com a sua personalidade própria.




O rio Tibre, que a atravessa, em certos pontos não é largo e ouve-se a água a correr, talvez um ressalto, um pouco mais atrás, deixou-me extasiada. Fiquei com vontade de lá voltar só para ouvir esse canto. Um pouco ao longe vemos o Castelo de Sant'Ângelo. Tivemos oportunidade de lá ir.




Como chegámos de manhã, deixámos a bagagem no hotel e seguimos a pé à descoberta, enveredámos pela Via Panisperna, rua longa, tivemos de dar à perna, passe a expressão, onde descobrimos um Café de Bairro, muito acolhedor. Estávamos já com vontade de beber um café e foi o que pedimos, acompanhado com uns salgadinhos jeitosos. Parece serem comuns na cidade, porquanto depois vimos também noutros sítios.

Foi uma viagem de raparigas, isto é, eu e a minha filha é que fomos nessa aventura. Os elementos masculinos ficaram em casa a tomar conta do pequenino. E ela disse-me: Mãe, importas-te que eu peça sempre carbonara e tu pedes o que tu quiseres. O que ela gosta de pasta. Em outras palavras, andámos à procura da carbonara ideal, entre outras coisas.

Ela levava uma lista de restaurantes com as melhores classificações em termos de comentários. Portanto, não andámos à deriva. Também em relação a monumentos e locais de interesse, tudo previsto, o que facilitou bastante, tendo em conta os poucos dias que tínhamos. E o google maps foi de grande ajuda.






Vimos os monumentos todos que fazem de Roma caput mundi, nos tempos da romanização era ali que tudo se passava. Mas essencialmente fizemos dela, e é, um destino gastronómico. A primeira refeição foi num restaurante depois da ponte da foto, que atravessa o Tibre. Não gostei especialmente da pizza. Já comi melhores ou então por cá fazem-se com mais ingredientes.

Mas a foto que se segue foi a primeira carbonara. Depois foi um nunca acabar de experiências gastronómicas, que, como é óbvio, não cabem aqui. Estivemos em filas enormes, uma loucura.

Para não fazer deste post algo muito extenso vou mostrar alguns dos pratos que provámos. Houve até um em que senhoras estavam numa mesa a enrolar a massa, para turista ver. Chocou-me um pouco.









Mulheres enrolando a pasta em determinado restaurante


Chovia uma chuvinha irritante, andámos a pé, de táxi, de uber, de autocarro, não deixámos nada ao acaso, procurando aproveitar os poucos dias que tínhamos destinado para esta escapadinha.

Aprendi uma coisa interessante: que ter prioridade para entrar nos aviões (por ex: Ryanair) não é a idade, a gravidez, ser pessoa deficiente, mas sim ter comprado bagagem. Vivendo e aprendendo.

Só agora tive disponibilidade mental para fazer esta publicação, embora esta viagem tenha acontecido nos primeiros dias de Novembro de 2023.

Tenham dias felizes.

Abraço.

Olinda 


====

Fotos da filha


quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Primavera lá e Outono cá

 


Flor do Campo


Que linda é a Primavera,
Flores de todas as Cores
embelezam a nossa vida
e tornam-nos venturosos.

❤Olinda❤

Assim, uma quadra simplezinha, faltou-me referir o Regador que devia levar cheiinho de amor e carinho mas subentende-se, não é? Já andava meio perturbada com problemas de saúde...

A nossa amiga Rosélia Bezerra festejou a chegada da Primavera em grande estilo, convidando os seus leitores a contribuírem com uma quadra relacionada com essa linda estação do ano. O Regador era figura fundamental nessa comemoração, transformando em jardineiros aplicados os leitores dos seus blogues.

Como é hábito, houve lugar às Ressonâncias com um belo texto no Espiritual-Idade, no qual foram incluídas na perfeição palavras das referidas quadras. E que lindas quadras tive a oportunidade de ler. Carregadas de flores, cores, luz, boa vontade, transportes de alma, coração na mão.

  



E nós por cá temos o Outono com as suas cores douradas, árvores que vão atapetando o chão, flores que tomam tonalidades que nos aquecem o coração. E quando chove há um lavar de almas, o vento que afaga os cabelos que são logo protegidos com um capuz de lã quentinha.

E temos as castanhas assadas e nos dias de nevoeiro sentimos o seu cheiro no ar e o aguçar do apetite para no Verão de são Martinho, lá para 11 de Novembro, degustá-las com jeropiga nos magustos que ocorrem por vários lados.


Carlos do Carmo
 O homem das castanhas


Quem quer quentes e boas, quentinhas
A estalarem cinzentas, na brasa
Quem quer quentes e boas, quentinhas
Quem compra leva mais calor para casa





Depois, quando o tempo vai ficando mais frio, o quentinho do lar, à lareira ou com os aparelhos que agora pululam por aí para nos ajudar a passar o tempo invernoso. 

E, claro, sem esquecer aqueles que se encontram em campos de concentração, em campos de guerra que sofrem na pele toda a espécie de intempéries e desgraças.

Numa nota outonal, transcrevo, com muito agrado meu, esta homenagem do nosso Poeta-Pintor, Luís Rodrigues:



Visto-me de Outono
na mais completa nudez
Corro descalço pelo areal
Como se já fosse Primavera


***




E mais:

O dia 12 de Outubro é o Dia do Lançamento do livro de Manuel Veiga, "A Carta que nunca te escreverei". Como devem estar lembrados seguimos os episódios um a um, na escrita empolgante do nosso amigo Poeta/Escritor. (Ver Relógio de Pêndulo)

Não poderei lá estar, mas espero que tenha muito sucesso.


***


De volta, amigos. Ainda um pouco periclitante.
Tenham um bom Outono.
Abraços
Olinda


===
imagens : net
O regador trouxe-o do blog da Rosélia, obra da querida amiga Fê.



sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Res publica

Coisa publica, bem comum. É mais ou menos por aqui que deveremos procurar o sentido da República, um sistema político cujo ideário se movimenta no conceito de liberdade. Sabemos que a Revolução Francesa, 1789, é o veículo destas ideias que, entre nós, tem a sua visibilidade activa através do Partido Republicano fundado no século XIX e um dos motores do movimento revolucionário que decorreria nos dias 3, 4 e 5 de Outubro de 1910, tendo como desfecho a Implantação da República em Portugal.

Assim, em 1911 é redigida e aprovada a 1ª Constituição da República, tendo como órgãos: o Presidente da República, sem direito a veto suspensivo sequer; o poder legislativo atribuído a um Congresso com duas câmaras de deputados, também com o direito de nomear e demitir o Governo sendo este, por sua vez, detentor do poder executivo. A somar a estes poderes o judicial, perfazendo os três poderes consagrados por Montesquieu no 'Espírito das Leis'. Esta Constituição estaria em vigor até 1926, altura em que a I República seria abolida por golpe militar, de 28 de Maio.

Este golpe daria lugar à II República. Um aspecto que tem suscitado alguma polémica, quase em surdina, não se sabendo bem como é que a República e os seus fundamentos sobreviveriam, na sua essência, perante o sistema político autoritário que se seguiria: o Estado Novo. O certo é que o Congresso é dissolvido através de decreto seguindo-se um interregno de sete anos, ao fim dos quais surgiria em 1933 a Constituição por que se regeria o País durante mais de quarenta anos. O poder executivo detido pelo Presidente da República é, na verdade, exercido pelo Governo, na pessoa do seu presidente, o Presidente do Conselho de Ministros

Na sequência da Revolução de 25 de Abril 1974 teria lugar em 2 de Abril de 1976 a aprovação de uma nova Constituição, que tem sido alvo de várias revisões, sendo a última de 2005. Nela são corroborados os princípios fundamentais da República, designada, neste caso, República Portuguesa, soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; um Estado democrático fundado no respeito e garantia das liberdades fundamentais e separação de poderes, os três poderes, independentes uns dos outros, legislativo, executivo, judicial. Como forma de governo estamos perante um regime parlamentar.

Vimos, aqui, algumas das competências do Presidente da República, na actual Constituição. Vimos também que, quando as instituições estão a funcionar em pleno, as suas funções limitam-se, praticamente, ao veto suspensivo e à promulgação das leis. Mas, em situações como a que estamos a atravessar, a figura do Presidente da República eleva-se acima dos partidos e do parlamento se as circunstâncias o exigirem.

Então, ele aparece investido na sua vertente máxima: Representante Supremo da Nação. E isso traz-lhe responsabilidades de grande envergadura. Nesta base, nós, cidadãos, temos o direito de ver e sentir que as suas opiniões e acções não são irrelevantes, isto é, que trazem em si a dinâmica necessária para se traduzirem em resultados práticos e visíveis. O Presidente da República ficará na História pelas decisões, concernentes à hora que passa, tomadas ou não aqui e agora.






Termino este momento de reflexão com o poema de Alexander Search, a Canção de Próspero:

Minha vara partida no fundo enterrada 
          Para sempre vai ficar; 
Mais fundo que nunca o prumo soou, 
          Afundarei meu livro no mar. 
          O encanto de Próspero desapareceu, 
          Arte e magia tudo morreu, 
Mortos e jazendo no fundo do mar. 

Nunca mais ligados a mim 
          Os alegres espíritos do ar, 
O que os chamava vinha daí, 
          E está afundado no cavo mar. 
          Embora não veja da luta um renovo, 
          Desejo contudo esta vida de novo, 
Jazendo p’ra sempre no fundo do mar.

Alexander Search
   (F.Pessoa)



***


Meus amigos

Estou impossibilitada de estar na vossa companhia por motivos de saúde.

Assim, trago um texto reeditado, redigido por mim há algum tempo e publicado
neste "Xaile de Seda".

Tenham um óptimo fim-de-semana. :)

Abraços.

Olinda

===

Poema: Casa Fernando Pessoa
Imagem: daqui

Se se interessar, veja as Constituições de 1911, 1933 e 1976.