sábado, 29 de dezembro de 2018

Estou aqui por pouco tempo, mas é sempre tempo de sermos gente...






Tempo de mim

Deslizam nuvens nos lenços do meu vestido,
folhos rubros em dia pardacento.
É um dia gigantesco este em que se desfolham folhas de vida
nos versos que pela noite se vão erguer
e renascer fervilhando em tertúlias de poesia,
cantando um Porto cinzento sim, mas poético e glamoroso.
E é nesta alegria que me encanto e desço
e troco cumplicidades com a vizinha que afinal mal conheço.
Os rostos agarram a frieza do betão e a pressa
não se compadece nem espera que a vida
se solte desinibida, confiante em desabafos
esparsos e breves sentires.
O sol começa a aquecer e a assomar-se no olhar
e como um cálice de vinho fino que partilhássemos juntas,
os olhos brindaram a alegria deste encontro,
o primeiro na escada derradeira,
e perdi a pressa, deixei-me estar.
Estou aqui por pouco tempo, mas é sempre tempo
de sermos gente, de nos olharmos e vermos
que afinal abrandar o passo pode ser um passo em frente.
E eu, que hoje tenho pressa, demoro mais um pouco
porque tenho sempre tempo para mim
e é quando me dou que eu me pertenço





Tiempo de mi

Zlízan nubres ne ls lhenços de l miu bestido,
fuolhos burmeilhos an die quelor de cinza.
Ye un die sien fin este an que se çfólhan fuolhas de bida
ne ls bersos que pula nuite s'alhebántan
i tórnan ferbendo an tertúlias de poesie,
cantando un Porto anque cinza, poético i galano.
I ye nesta alegrie que m'ancanto i abaixo
i troco segredos cula bezina q'afinal mal conheço.
Ls rostros agárran la frialdade de l cimento i la priessa
nun ten pena nien spera que la bida
se solte zabergonhada, cunfiante an zabafos
ralos i brebes sentires
l sol ampeça a calcer i a assomar-se ne l mirar
i cumo un cáleç de bino fino que buíssemos juntas,
ls uolhos brindórun l'alegrie deste ancuontro
l purmeiro na scaleira derradeira
i perdi la priessa, deixei-me star,
stou eiqui por pouco tiempo, mas ye siempre tiempo
de sermos gente, de mos mirarmos i bermos
q'afinal abrandar l passo puode ser un passo adelantre
i you hoije que tengo priessa tardo mais un chiç-niç
porque tengo siempre tiempo para mi
i ye quando me dou que you me pertenço

Pgs 72/73

Rio de Infinitos/Riu d'Anfenitos



Nota: Obra escrita em português e mirandês.
O título do post pertence a versos do poema
Os meus agradecimentos à Autora.

E, com um bino fino, brindemos à Vida e ao Ano que se avizinha.



BOAS FESTAS!!!

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2ª e 3ª imagens - pixabay

domingo, 23 de dezembro de 2018

Deambulando por Lisboa




Mais um passeio pela amada cidade para admirá-la e às suas colinas, aos seus recantos, aos seus mistérios. Saímos na estação do Rossio. Não levávamos assente o que queríamos revisitar. Íamos numa espécie de aventura na qual todos nós tínhamos voz.

Logo em frente a Feirinha de Natal. 

Parámos por ali, percorrendo cada uma das suas tendas. Ao passar, foi-nos estendida uma enorme colher com amêndoas caramelizadas e outros frutos secos para provar e mais outra com fruta variada envolta em chocolate. 




Comprei uns quantos gramas de cada especialidade e não pudemos passar ao largo à vista das famosas bombocas que nos trazem algumas doces recordações. Chegaríamos a casa com muito pouca quantidade do que nos foi metido no saco.




A Rua Augusta logo ali com as suas estátuas humanas, os seus músicos, as suas pastelarias e esplanadas, as suas vitrinas apelando à nossa atenção, com decorações natalícias e oferta de artigos para oferendas afins. Decidimos respirar um pouco dessa magia. Sentámo-nos perto de um daqueles focos de calor que há nas esplanadas. Pedimos meias-de-leite quentinhas e pães de Deus com manteiga. Parece que o ar frio que vinha do rio nos abria desmesuradamente o apetite.
  
Chegámos à Rua da Conceição. Apanhamos o eléctrico 28? Sim, pode ser. E a paragem? Mais acima. Até lá chegarmos, arrancou. Mas já andámos um bom bocado, o melhor é continuarmos a pé e a Sé é logo ali - acudiu o atleta da família. Erro de cálculo. A minha filha sacou do telemóvel, acedendo ao google maps. Desnecessário, disse eu. Ainda tivemos de subir bastante e a duras penas. Olha o 12. Esse é que devíamos ter apanhado na Praça da Figueira e levava-nos até lá acima - disse o mais pequeno. Mas ninguém me tira o prazer de ir espreitando aqui e ali e penso sempre que vale a pena o sacrifício.




Chegados à  Patriarcal, entrámos. Acreditam que nunca tinha ali entrado apesar de ter passado pelo local variadíssimas vezes? Pois, chegou o dia de o fazer. Percorremos as naves admirando os seus estilos: românico, gótico, barroco, desenvolvidos ao longo do tempo.

À saída, verificámos que já eram quase 14 horas e que era melhor almoçar antes de fazermos o resto da subida. Mesmo ao lado, um restaurante de bairro com empregados curiosos e prestativos, procurando descobrir quem era turista e quem não era mas também mostrando fotografias da própria família (um brasileiro) e outro, típico português, com chalaças para dispor bem quem vier por bem.





A seguir, continuámos a nossa subida rumo ao Miradouro de Santa Luzia, ostentando o seu muro de azulejos com assentos embutidos onde se podia sentar e estar, descontraídamente. Vi uma rapariga a filmar-se, com a máquina ali pousada. Alongando um pouco a vista, o casario ali em baixo. E o rio Tejo mais além.

Subimos ao castelo? Não, fica para outra vez - concordámos unanimemente. Parece que era hora de descer e aí todos os santos ajudam. Mesmo assim entrámos no 28 pois um de nós já tinha saudades de andar de eléctrico e saímos na rua da Conceição. Atravessámos a rua e dirigimo-nos à Praça do Comércio. 



Sabem uma coisa?-isto, num aparte. Não gosto nada de ver aquelas esplanadas no lado esquerdo de quem avança para o rio, encostadas às arcadas e os dísticos pendurados, ainda que anunciando coisas de interesse. Tudo isso tapa o edifício, não nos permitindo admirá-lo e enquadrá-lo na traça do complexo que embeleza a Praça.

E claro está, quem vai ao Terreiro do Paço e não se desloca ao cais das colunas é falha de lesa-majestade. Um de nós lembrou-se de D. Carlos, o diplomata, o mártir, o oceanógrafo, assassinado mesmo ali ao pé depois de desembarcar nesse mesmo cais.




Nisto, começou a soar aos nossos ouvidos o leve marulhar das águas do Tejo, vimos duas gaivotas em pose no cimo das colunas e um grupo de músicos cabo-verdianos com vocalista (rapariga de bela voz) que pontuava com o seu ritmo o vaivém de quem por ali andava, se sentava nos bancos de pedra e nas escadinhas e se deixava ficar. Como nós.



UM BOM E SANTO NATAL VOS DESEJO,
MEUS AMIGOS.



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Fotos nossas.

Imagem presépio: Wiki

domingo, 16 de dezembro de 2018

O prazer é abrir as mãos





O prazer é abrir as mãos e deixar escorrer sem avareza o vazio-pleno que se estava encarniçadamente prendendo. E de súbito o sobressalto: ah, abri as mãos e o coração, e não estou perdendo nada! E o susto: acorde, pois há o perigo do coração estar livre! 

Até que se percebe que nesse espraiar-se está o prazer muito perigoso de ser. Mas vem uma segurança estranha: sempre ter-se-á o que gastar. Não ter pois avareza com esse vazio-pleno: gastá-lo. 

Clarice Lispector

in Crónicas no 
'Jornal do Brasil (1972)' 

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Texto - Citador
Imagem - Pixabay

domingo, 2 de dezembro de 2018

Como um aviso*



Quando as espigas surgiram de repente 
nos sulcos das searas, sem que o braço e a foice
afagassem o trigo, houve homens
que se amarraram à terra aguardando que o corpo
se transformasse em campo lavrado.
Houve mulheres que cegaram, em plena
madrugada, perto dos pomares.
Houve meninos que se fecharam por dentro
dos segredos que as mães guardam no sangue.
Houve pássaros que suspenderam o voo
sobre as casas desertas. Como um aviso.

In: Uma Vara de medir o Sol
pg.52

GRAÇA PIRES



* Título do post retirado do último verso. 
   Peço à autora me releve a liberdade.

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Imagem: Pixabay