quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Eu sou Egípcio. Eu sou Sumério. Eu sou Fenício.



História das Palavras

As mulheres e os homens estavam espalhados pela Terra. Uns estavam maravilhados, outros tinham-se cansado. Os que estavam maravilhados abriam a boca, os que se tinham cansado também abriam a boca. Ambos abriam a boca.
Houve um homem sozinho que se pôs a espreitar esta diferença - havia pessoas maravilhadas e outras que estavam cansadas.
Depois ainda espreitou melhor: Todas as pessoas estavam maravilhadas, depois não sabiam aguentar-se maravilhadas e ficavam cansadas.
As pessoas estavam tristes ou alegres conforme a luz para cada um - mais luz, alegres - menos luz, tristes.
O homem sozinho ficou a pensar nesta diferença. Para não esquecer, fez uns sinais numa pedra.
Este homem sozinho era da minha raça - era um Egípcio!
Os sinais que ele gravou na pedra para medir a luz por dentro das pessoas, chamaram-se hieróglifos.
Mais tarde veio outro homem sozinho que tornou estes sinais ainda mais fáceis. Fez vinte e dois sinais que bastavam para todas as combinações que há ao Sol.
Este homem sozinho era da minha raça - era um Fenício.
Cada um dos vinte e dois sinais era uma letra. Cada combinação de letras uma palavra.
Todos os dias faz anos que foram inventadas as palavras.
É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras.

Assim escrevia Almada Negreiros, focando e enaltecendo a nossa condição de seres integrantes do grande grupo que é a raça humana. A partir desta condição temos partido pedras, em várias regiões da planeta, por vezes simultaneamente, no sentido de arranjar ferramentas para nos entendermos. Este nosso autor recua a 3500/3000 a.C., aos egípcios, e eu junto os sumérios que na mesma altura faziam maravilhas com a sua escrita cuneiforme, em tabuínhas que ficaram para a História. Mas, como é sabido, as tentativas já vinham de trás e continuaram pelos tempos fora. E hoje, somos uns privilegiados. Temos as Palavras, nos modos falado e escrito, e temos um sem-número de veículos que levam as nossas mensagens aonde muito bem quisermos e pudermos.

E direi, como Almada Negreiros:

É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras.

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Retirei o texto acima, em itálico, de: Nas bocas do mundo-Antologia Poética, pg 8. Almada Negreiros, São Tomé, 1893 - 1970.A história das palavras, "Poesia".

Imagem:daqui

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Vamos dançar?

Da minha amiga milongueira recebi, hoje, esta mensagem:

Tango na Rua:
Milonga na Fundação Champalimaud 
Quarta, 26 de Agosto de 2015, 20:00 - 24:00
Fundação Champalimaud
Av. Brasília 1400-038 ,
Música:   DJ    Manuel Mealha
Fotógrafo:   Lino Silva.





Para quem quiser assistir, na 4ª feira, dia 28 de Agosto, às 22 horas, no terraço que dá para o Rio. 
Aberto ao Público

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Com as noites já um pouco frias um abraço apertado ao som do tango. Tão bom! Para já, desejo-vos uma boa segunda-feira, meus amigos. :)

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E eis que Baila sem peso nos traz mais um belo desafio. Lindy Hop! Conheciam? Acedi aos links e adorei conhecer essa realidade e vê-los a dançar.

Aqui é a dizer o que é Lindy Hop, com a apresentação dos professores.
Aqui são eles a dançar. Lindos, lindos!

Sigamos o seu exemplo, pois a vida precisa de momentos como esses.

Obrigada, amiga.


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Ver Milonga Brava aqui no Xaile

  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Nas praias da minha infância morrem barcos desmantelados





BARCOS

   "Nha terra ê quel piquinino
   ê São Vicente ê quê di meu"

Nas praias
Da minha infância
Morrem barcos
Desmantelados.

Fantasmas
De pescadores
Contrabandistas
Desaparecidos
Em qualquer vaga
Nem eu sei onde.

E eu sou a mesma
Tenho dez anos
Brinco na areia
Empunho os remos...
Canto e sorrio...
A embarcação
Para o mar!
É para o mar!...

E o pobre barco
O barco triste
Cansado e frio
Não se moveu...


Yolanda Morazzo

Yolanda Morazzo Lopes da Silva Cruz Ferreira, poeta e escritora de língua portuguesa. Nasceu em Mindelo, ilha de S.Vicente-Cabo Verde, em 1928. 
Ver a antologia poética, No Reino de Caliban I, pg.200.

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Imagem - daqui
Poema

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Na vacuidade dos dias






Por vezes esvazio-me de tudo: Dos sucessos e insucessos, das alegrias e tristezas, das ilusões e desilusões, das frustrações, das decepções. Então enovelo-me em mim, embrulho-me na teoria da tábua rasa e espero. Pouco a pouco reconstruo-me a partir do vácuo. Chamo a mim os meus átomos que, cuidadosamente, se encaixam no meu ser - matéria e espírito. Livre de todo o peso, subo facilmente ao monte mais alto e grito a plenos pulmões. A minha voz ecoa nos lugares mais recônditos. E danço e danço e danço. Rodopio até ver as estrelas a sorrir. Tonta, deixo-me levar e rolo ribanceira abaixo. O cheiro a terra molhada e a musgo envolvem-me e sinto que somos um só. Dedilho a música mais linda e oiço o som do silêncio da eternidade.


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Imagem:daqui

domingo, 16 de agosto de 2015

A Terceira Miséria

32.

Estão as praças,
Como ágoras de outrora, estonteadas
Pela concentração dos organismos,
Pelo uso da palavra, a fervilhante
Palavra própria da democracia,
Essa que dá a volta e ilumina
O que, por um instante, a empunhou.
Oh, os amigos, os abandonados,
Esses, os destinados ao extermínio,
Esses os belos despojados, nus,
Os que, mesmo nascendo no Inverno,
Pouco sabem do frio, gente que dorme
Na sombra do meio-dia, ouvindo o canto
Das cigarras, o canto sobre o qual
Hesíodo escreveu. Gente do Sul,
Gente que um dia se desnorteou.

33.

De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de polis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.

Hélia Correia


Do Bibliotecário de Babel trago estes dois excertos dum post denominado: Dois fragmentos finais (de A Terceira Miséria).
Hélia Correia, sabemos quem é, pela sua obra, pela sua competência nas letras, pela sua polivalência em termos de géneros e de estilos. Ainda não há muito tempo foi notícia ao ser agraciada com o Prémio Camões. Em 2013 recebeu o Prémio Casino da Póvoa.


E...

Do Sul, mais a Sul, chegam-nos gritos de desespero. Tenhamos a coragem de sentir essa dor como nossa. Apropriemo-nos de ideias sublimes que o nosso pensamento, a nossa melhor arma, nos induz e procuremos criar um lar de hospitalidade para os deserdados da sorte.

Um bom domingo para todos. :)

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Imagem da Net

domingo, 9 de agosto de 2015

Dá-me a tua mão

Marco o meu regresso, da minha ausência* forçada, trazendo comigo Clarice Lispector. Melhor companhia não haverá. 
No toque das mãos sentimos o bater do coração e o encontro das emoções. É o que as suas palavras me transmitem, neste momento:



Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.


Melhores escritores brasileiros

Clarice Lispector: É certamente a escritora de literatura brasileira mais lida entre nós. Clarice nasceu na Ucrânia em 10 de dezembro de 1920 e veio ao Brasil logo em seguida, sendo naturalizada brasileira. Morreu aos 56 anos em 9 de dezembro de 1977. Sua obra se constitui de romances e contos, além de ter escrito artigos de jornal em colunas femininas e poucos livros infantis. Sua literatura é de caráter existencial, introspectivo e filosófico, mostrando com maestria o lado misterioso das coisas mais simples e do cotidiano. Suas principais obras são: Perto do Coração Selvagem (1944), A Paixão segundo G.H. (1964), Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969), Água Viva (1973), A Hora da Estrela (1977), Laços de Família (1960).aqui

Desejo-vos um bom domingo.  

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*Obrigações familiares
Poema de aqui
Imagem: aqui