quarta-feira, 27 de julho de 2011

Entre o Céu e a Terra

Do Alto onde eu me encontro, domino tudo o que a minha vista alcança. Estou tão perto deste céu azul que quase toco as nuvens brancas de algodão, e este é o meu sonho secreto, o poder algum dia tocar-lhes. Continuo na minha posição descontraída, mas alerta. Firmo-me bem nas pontas da escarpa. Balanço-me um pouco para testar a elasticidade dos meus membros. Olho para baixo. Reparo na imensa beleza que se me oferece, a verdura, o barulho da nascente que daqui adivinho e, tenho de o admitir...o chilreio dos passarinhos assemelha-se a uma sinfonia perfeita. Uma leve aragem brinca com algumas das minhas penas e refresca-me o interior dos meus tendões possantes, sempre prontos para a acção. Neste momento nada me incomoda, não há empecilhos à vista. Posso dar-me ao luxo de me entregar a uma certa emoção. Estico as asas, como que a espreguiçar-me, e ensaio um pequeno voo.Tudo bem. Inicio um planado daqueles de que tanto gosto, imprimindo a pouco e pouco a velocidade necessária para resistir ao vento. Sinto-me livre e poderoso. Mais um pouco e pouso-me na primeira reentrância rochosa que se me depara. Passeio de novo o meu olhar, detenho-me nuns pontinhos que, lá em baixo, andam, saltitam dum lado para o outro. Sinto o meu lado mais feio vir à tona e o pior é que tenho a plena consciência disto. A minha natureza começa a querer tomar conta de mim com um frenesim que não me deixa pensar. O voo picado inicia-se automaticamente como se tivesse vida própria, numa velocidade desmedida. Passo rasando a avezinha que debica pequenos vermes. Como detesto isto... coisas rastejantes e afins! Não consigo controlar a descida. Vou quase de trambolhão em trambolhão e enfio o bico na terra dura. Ela dá saltinhos, gritando feita tonta. Que nervos...Fico frustradíssimo. Com certa dificuldade, tomado de vertigens, levanto voo, dou algumas voltas para me orientar e acalmar, tento uma nova investida, mas já não é a mesma coisa. Lá está ela ainda desorientada, toda coxa, asinha caída, a piar, enfim uma lástima. Deixá-la estar. Não chego a descer, dou meia volta e aponto-me para o espaço infinito. Quem sabe se ainda hoje não alcançarei as minhas nuvens...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Passeio Público

Há uma Lisboa Desaparecida, há um blog do mesmo nome, e a autora é Marina Tavares Dias, que fala de sítios que já não existem como é o caso do Passeio Público. E eu, por minha vez, falo nisto porque uma associação de empresários que tem por nome Associação Passeio Público nasceu há pouco tempo com o intuito de dinamizar a zona da Avenida da Liberdade, o que acho muito bom porque Lisboa aos fins-de-semana parece uma cidade desabitada. Eis uma pequena notícia sobre o assunto: 

Artesanato tradicional, design de autor, artes plásticas, plantas, alfarrabistas e antiguidades vão passar a invadir a Avenida da Liberdade, nos segundos sábados e domingos de cada mês. Entre as 10h e as 20h, a Feira Avenida da Liberdade recebe cerca de 150 participantes, entre livreiros e alfarrabistas, antiquários e artesãos. Vai também marcar presença uma nova geração que conseguiu revitalizar a tradição, apresentando propostas de artesanato com apontamentos de moda e design. Esta feira é a primeira actividade da Associação Passeio Público, recentemente criada com o objectivo claro de dinamizar culturalmente a nobre avenida.




O Passeio Público foi o primeiro parque público lisboeta, surgindo a par da nova baixa Pombalina. Era um espaço verdejante, com muitas fontes e lagos, onde os lisboetas alegremente faziam a sua parada de vaidades.
Igualmente ai se faziam festas, concertos e bailes. Célebre era a sua fonte situada no Passeio do Verão.
No final do século XIX é arrasado, para dar lugar à Avenida da Liberdade, que alongaria a cidade para norte e que seria encimada pelo Parque da Liberdade(actual Parque Eduardo VII).
Algumas das suas estátuas estão preservadas no Palácio da Mitra,
(...)


Notícia em itálico:
Jornal Metro- 8/7/2011
Imagem e legenda:
http://diasquevoam.blogspot.com

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A perfeição duma sociedade


Amigos, hoje vos hei-de falar da expressão da vida forte - a liberdade. Os   homens ou os povos são tanto mais poderosos quanto mais alto mantêm a sua independência moral ou política. E em rigor a perfeição duma sociedade pode avaliar-se apenas pelo seu conceito de liberdade. A mesma história do homem e da civilização é no fundo a história da liberdade.



Jaime Cortesão
(1884-1960)


Excerto, 
Cartas à Mocidade
in, Diário da Liberdade
Aniceto Afonso

domingo, 17 de julho de 2011

Andanças Medievais


Cristina Torrão. Assim se chama a escritora  que da Alemanha nos dá lições da História de Portugal de forma agradável e acessível, com rigor. O seu romance, Afonso Henriques, O Homem, faz jus a esta asserção, apresentando o primeiro Rei de Portugal na sua forma mais humana a par dos acontecimentos que deram lugar à Fundação de Portugal e à Conquista, aos Mouros, de territórios que viriam a fazer parte do reino.Os seus personagens são tão “humanos” que o leitor se envolve com eles, vivendo as suas paixões, o seu sofrimento e as suas alegrias, diz Manuel Cardoso*.


De 28 de Julho a 7 de Agosto, o Centro Histórico e Comercial de Santa Maria da Feira recebe o maior evento de recriação histórica medieval do país e este Livro vai servir apoio à Viagem Medieval. Há Livrarias que dizem que o mesmo está esgotado. Não acreditem...


Il faut cultiver notre jardin. 





Ver:

terça-feira, 12 de julho de 2011

O mais importante na Vida


O mais importante na vida 
É ser-se criador — criar beleza.

Para isso, 
É necessário pressenti-la 
Aonde os nossos olhos não a virem

Eu creio que sonhar o impossível 
É como que ouvir a voz de alguma coisa 
Que pede existência e que nos chama de longe.

Sim, o mais importante na vida 
É ser-se criador.


António Botto
 (1897-1959)


Poema:
Casa Fernando Pessoa
Imagem:
Olinda Melo

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Olá, Moody's

Andas por aí a dizer à boca cheia que somos lixo. Isso não se faz. Há quem diga que devíamos encher o teu correio electrónico de spam para veres como é. Mas não. Prefiro escrever-te esta cartinha e vou deixá-la aqui e só a lês se te apetecer. Isto é que é consideração. Consideração que não tiveste para connosco.Também nem sabes o que é, não é? Ainda nem nos recuperámos do memorando dos troikas, aliás, andamos com ele como se fosse a nossa cartilha, a luz dos nossos olhos, a nossa bíblia, até lemos nas entrelinhas, os nossos passos são pautados pelos seus mandamentos e já vens dizer que ACHAS que as coisas não vão correr bem, que estamos aqui estamos a claudicar e outras maldades que não lembram a ninguém. Andas a ratar-nos na pele e é um mau exemplo para as tuas colegas do rating, pois não tarda nada elas estão a fazer-nos a mesma coisa. Afinal, estava eu enganada, mea culpa: os mercados não são os maus da fita como eu pensava. Até eles já estão cheios de medo, aqueles inseguros, e já estão na dúvida se nos emprestam alguma coisa. Qualquer dia entramos em desespero, agarramos na nossa jangada de pedra, ou melhor, recortamos dali o nosso rectângulo, desgarramo-nos mar afora e vocês todos ficam a ver navios...Já sabes que mar é connosco. Mas agora a sério Moody's, vê lá se mudas de opinião...Já que tens tanto poder, ainda não percebi porquê, reclassifica-nos, reavalia-nos para melhor....



terça-feira, 5 de julho de 2011

CAMINHO LONGE


Década de '50, do século XX.
Enclausurados nas ilhas, com anos de seca a fio e a fome a assolar as ilhas, a única saída era o contrato. Os homens eram arrebanhados, famílias inteiras, casais, irmãos aos três e aos quatro assinavam contratos de faz-de-conta e eram enviados rumo ao desconhecido. O destino, entre outros, era São Tomé e Príncipe, para as roças, onde eram mantidos sem as mínimas condições à mercê de um clima tropicalíssimo, de febres e de mosquitos. Dinheiro nem vê-lo. A maior parte nunca regressou à terra. Os que não morreram viveram na ilusão e esperança de um regresso. Os descendentes moídos de saudades falam dessa terra prometida...ao contrário.
A fome, as secas e as suas consequências são temas recorrentes da literatura caboverdiana, especialmente na geração do movimento com cariz de emancipação cultural, social e política, concretizado pelo aparecimento, em 1936, da revista literária A Claridade.  
Gabriel Mariano, autor deste poema, faz parte da geração pós-Claridoso, Nova Largada, de produção contestária. De referir Capitão Ambrósio, um dos seus poemas mais emblemáticos.


Cabo Verde festeja hoje, 5 de Julho, a sua Independência.


Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.

Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé.
Devia sorrir de outro modo
o Cristo que vai de pé.

E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.

Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Devia ser de regresso
devia ser e não é.


Gabriel Mariano 

(poeta caboverdiano)


Poema e Imagem in:
LUSOFONIA POÉTICA
http://mdebrassilusofoniapoetica.blogspot.com