segunda-feira, 29 de junho de 2015

Salve, Aquiles.


Salve, Aquiles. Não nos faltou o repasto onde todos são iguais, nem na tenda de Agamémnon, o Atrida, nem, agora, aqui: pois vós nos servistes os manjares apropriados, com abundância. Mas as refeições agradáveis não nos importam. Uma enorme desgraça, ó criatura de Zeus, atrai os nossos olhares e assusta-nos; não sabemos se salvaremos ou se perderemos os navios bem carpinteirados, a não ser que tu revistas a sua valentia. Porquanto os Troianos fogosos, e os seus aliados dos países longínquos, estabeleceram o seu acampamento perto dos navios e do baluarte; eles acenderam muitas fogueiras nas suas linhas, e afirmam que já não os deteremos, e que atacarão as negras naus. Zeus, filho de Crono, fez aparecer sinais, relâmpagos, à direita deles. Heitor, muito orgulhoso da sua força, assolou furiosamente, confiante em Zeus, e deixou de respeitar homens e deuses. Alimenta-o uma raiva potente. Ele ora para que surja o mais depressa possível a divina Aurora; na varanda, diz-se capaz de cortar a ponta extrema dos nossos navios, de lhes abrasar os cascos num fogo ardente; e de degolar os Aqueus junto dos seus barcos, enlouquecidos pelo fumo.Temo terrivelmente, em minha alma, que estas ameaças sejam consumadas pelos deuses, e que seja nosso destino perecer em Tróade, longe de Argos, nutridora de cavalos.

Ilíada - Homero
Excerto, pg. 128,
Palavras do divino e prudente Ulisses

sábado, 27 de junho de 2015

Bernardo Sassetti

Ele deixou-nos muito cedo, demasiado cedo, num acidente que lhe ceifou a vida quando praticava uma outra paixão: a fotografia.

Amanhã, na Casa da Música, no Porto, Bernardo Sassetti vai ser homenageado, uma iniciativa da fundação com o seu nome. Aliás, todos os anos por altura da data do seu nascimento isso acontece.

Ouçamo-lo neste tema de Alice, filme de Marco Martins realizado em 2005:



Biografia: aqui


segunda-feira, 22 de junho de 2015

E se houvesse um país onde o indicador económico fosse: Felicidade Interna Bruta?



Neste nosso mundo, falar de felicidade como factor indispensável para um modo de vida saudável é quase uma lamechice. Mostrar que se é bom, aliás, excelente em tudo, correr dum lado para o outro em reuniões, a fazer demonstrações da bondade deste ou daquele produto é que é. Ganhar credibilidade entre os pares, somando créditos nos negócios, não há coisa melhor. Mas, o que é mesmo bom fica para trás. Lá no fundo temos a esperança de que quando acabarmos de fazer tudo gozaremos a vida, com uma boa reforma, conheceremos com vagar os sítios maravilhosos com que sonhámos toda a vida, faremos aquelas férias maravilhosas.


Há um lugar onde a Felicidade não espera. Ela tem de ser vivida no quotidiano e, pasmemo-nos, por decisão política. O sítio onde se mede o desenvolvimento do país pela satisfação dos cidadãos é governado por um rei e pela sua bela mulher, ambos jovens e amados, é o BUTÃO. O conceito de desenvolvimento social, FIB, foi criado pelo pai do actual monarca, contrapondo-se ao PIB, em resposta a críticas que afirmavam que a economia do seu país crescia miseravelmente.


Foi ontem que soube desta coisa algo mirífica, num programa muito interessante da RTP, Olhar o Mundo. Então, fui à procura de mais elementos e se estiverem interessados acedam aqui e também a 10 coisas que o povo do Butão faz diferente e que faz dele o povo mais feliz do mundo.

E com esta me vou. Desejo-vos uma semana muito Feliz.

Abraço.

:)

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Imagens: Internet

domingo, 21 de junho de 2015

Europa, ó mundo a criar!




Europa, ó sonho por vir
enquanto à terra não desçam
as vozes que já moldaram
tua figura ideal,
Europa, sonho incriado,
até ao dia em que desça
teu espírito sobre as águas!

Europa sem misérias arrastando seus andrajos,
virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
do teu corpo dividido?

Europa, tu virás só quando entre as nações
o ódio não tiver a última palavra,
ao ódio não guiar a mão avara,
à mão não der alento o cavo som de enterro
— e do rebanho morto, enfim, à luz do dia,

o homem que sonhaste, Europa, seja vida!

        1908-1972


Este é um excerto de "Europa", poema que poderá ler, na íntegra, aqui. Escrito no contexto da 2ª guerra mundial, o texto mostra o desespero do autor perante os acontecimentos de então. Lembra-nos quão frágil é, muitas vezes, o equilíbrio entre as nações e que uma pequena faísca poderá atear um grande incêndio.

Hoje vivemos tempos diferentes. Temos uma União com 28 Estados-membros, sendo que 19 desses países constituem a zona euro. É a União Europeia, fruto de um sonho de homens de boa vontade com o fito de promover a paz e a solidariedade. Não nos desviemos desse caminho. Que a questão da Grécia sirva para cimentar esse desejo e sejamos dignos do sonho europeu.

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Imagem:daqui

A vida não cabe numa teoria




A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós. 

Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem. 
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar. 

Miguel Torga, in "Diário (1941)"


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Excerto-Citador
Imagem - daqui

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Elegia da lembrança possível





O que não daria eu pela memória
De uma rua de terra com baixos taipais
E de um alto ginete enchendo a alba
(Com o poncho grande e coçado)
Num dos dias da planície,
Num dia sem data.


O que não daria eu pela memória
Da minha mãe a olhar a manhã
Na fazenda de Santa Irene,
Sem saber que o seu nome ia ser Borges.


O que não daria eu pela memória
De ter lutado em Cepeda
E de ter visto Estanislao del Campo
Saudando a primeira bala
Com a alegria da coragem.


O que não daria eu pela memória
Dos barcos de Hengisto,
Zarpando do areal da Dinamarca
Para devastar uma ilha
Que ainda não era a Inglaterra.


O que não daria eu pela memória
(Tive-a e já a perdi)
De uma tela de ouro de Turner,
Tão vasta como a música.


O que não daria eu pela memória
De ter sido um ouvinte daquele Sócrates
Que, na tarde da cicuta,
Examinou serenamente o problema
Da imortalidade,
Alternando os mitos e as razões
Enquanto a morte azul ia subindo
Dos seus pés já tão frios.


O que não daria eu pela memória
De que tu me dissesses que me amavas
E de não ter dormido até à aurora,
Dissoluto e feliz.


Jorge Luís Borges
  1899-1986


Argentino. Escritor, tradutor, crítico literário, ensaísta.
Um homem que reúne no seu âmago a memória do mundo, através de milhentas leituras e análises. Penso ver isso no conto A Biblioteca de Babeluma metáfora em que mundo e literatura se confundem, segundo algumas interpretações. Assim, ler um texto é tentar decifrá-lo, mas se considerarmos que o próprio mundo está impregnado de linguagem, a própria realidade pode ser considerada como uma grande biblioteca cheia de textos à espera de quem os decifre.
Nas suas obras destacam-se temáticas como a filosofia, a metafísica, a mitologia, a teologia. Mas também aborda a cultura das pampas argentinas e lida com campanhas militares reais, como a guerra na argentina contra os índios, tratando-as como pano de fundo para produção na área da ficção.

Não é a primeira vez que nos envolvemos aqui na leitura deste autor. E não há-de ser a última. Descobrir a sua obra é como fazer uma viagem ao princípio de tudo. Aliás, é um exercício da lembrança possível num mundo ainda por acontecer.

Abraço.

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Imagem-pampa argentina:daqui

sábado, 13 de junho de 2015

O político que queria ser poeta

Palavras de Corsino Tolentino no discurso que proferiu quando foi distinguido com o prémio Amílcar Cabral, em 2007. Do seu jeito de poeta deixo mais abaixo um poema dedicado à outra parte do seu grande projecto: Cabo Verde. Cabo Verde que, com sabedoria, vai seguindo o seu caminho gerindo os seus poucos recursos e as ajudas que lhe chegam. Dez ilhas no meio do oceano. 

E é a uma dessas ilhas que Cabral dedica estas palavras:


ILHA

Tu vives — mãe adormecida —  

                nua e esquecida,
                seca,
                fustigada pelos ventos,
                ao som de músicas sem música
                das águas que nos prendem…  

                Ilha:  
                teus montes e teus vales  
                não sentiram passar os tempos  
                e ficaram no mundo dos teus sonhos  
                —    os sonhos dos teus filhos   —  
                a clamar aos ventos que passam,  
                e às aves que voam, livres,  
                as tuas ânsias!  
                 Ilha:  
                colina sem fim de terra vermelha  
                —    terra dura   —  
                rochas escarpadas tapando os horizontes,  
                mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

                                                                              Praia -Santiago, 1945                                                                                                                   




Amílcar Cabral, um homem afável e profundo, um teórico com sentido prático e também um político original que viveu e agiu entre o rigor do cientista, que foi, e a liberdade do poeta que queria ser.



quarta-feira, 10 de junho de 2015

Tecendo a Manhã



Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto
      1920-1999

Autor brasileiro. Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada, Portugal-1987. Prémio Camões-1990. Vide Biografia.

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Imagem - daqui

sábado, 6 de junho de 2015

O desconcerto do mundo



Uma passadinha por aqui apenas para vos desejar um bom fim de semana e, de caminho, referir o que das minhas leituras de ontem mais me chamou a atenção:

5 de Junho - Dia Mundial do Meio ambiente, instituído na Conferência das Nações em Junho em 1972. Um tema que, pela sua importância na nossa vida, merece toda a nossa atenção. Vide aqui a Declaração sobre o meio humano produzida na altura;

A A.D.S.E. foi transferida para o Ministério da Saúde. Como sabem pertencia ao Ministério das Finanças. O futuro dirá se os beneficiários sairão beneficiados com esta mudança;

Entra-nos, todos os dias, pela casa dentro a novela sobre o futebol nacional e não só. Apesar de todos os pesares conservo intacta a capacidade de me espantar. Daí o meu espanto por tudo o que oiço e leio e vejo.

Do grande Camões estas palavras dedicadas ao desconcerto do mundo:

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;

e, para mais m´espantar,

os maus vi sempre nadar

em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

o bem tão mal ordenado,

fui mau, mas fui castigado:

Assi que, só para mim

anda o mundo concertado.



Reitero os meus votos de um bom fim de semana.

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Poema trazido de aqui
Imagem de aqui

segunda-feira, 1 de junho de 2015

As entranhas da Terra



Quando a Terra resolve sacudir-nos, semeando a destruição, tomamos consciência da nossa fragilidade. Tudo o que já foi descoberto e estudado no sentido de nos ajudar a compreender esses fenómenos não se mostra ainda suficiente. Com efeito, a nós, leigos, espanta-nos e horroriza-nos, sempre, a força com que a Terra se manifesta. Cataclismos destroem civilizações. Temos bem presente os sismos ocorridos no Nepal, recentemente, massacrando as suas gentes, ao mesmo tempo que desapareciam testemunhos valiosos do seu património. 

Encaixado entre Índia e a China, o Nepal não faz parte do temível Círculo do Fogo do Pacífico, mas está lá perto. Ainda não há muito tempo vimos a devastação causada no Haiti (2010) e um pouco mais para trás (2004) o tsunami na referida zona, área de grande movimentação de placas tectónicas, associada a uma série quase contínua de trincheiras oceânicas, arcos, couraças e cinturões vulcânicos. Em 2011, o sismo que abalou o Japão trouxe um perigo acrescido: a explosão ocorrida na Central Nuclear de Fukushima. Anteontem, o Japão voltou a tremer. Tudo isso coloca-nos questões preocupantes.


Um dia destes o Google homenageou a geodesista e sismóloga dinamarquesa, Inge Lehmann. Através da análise de dados sísmicos, esta cientista concluiu que o centro da Terra não era constituído apenas de material fundido como se acreditava até então: para além da parte externa, material fundido, o núcleo* era também constituído por uma parte interna com características diferentes, isto é, com material sólido. Uma pequena pesquisa informar-nos-á da evolução das suas hipóteses, confirmadas em 1970.

Igualmente meritório o trabalho de outros sismólogos que tantas descobertas têm levado a cabo em prol do conhecimento sobre esta matéria. Mas,uma circunstância que continua a perturbar-nos é a falta de resposta em relação à previsão da ocorrência dos sismos. Não são reconhecidas variações de parâmetros simples ou conjuntos de parâmetros que permitam, por si só, estabelecer com certeza uma previsão quando, onde e com que magnitude vão ocorrer sismos, diz-nos o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, aqui.

Eis uma brecha colossal, quase impossível de colmatar. Conhecemos as terríveis consequências desse desconhecimento. Provavelmente, haverá já estudos na procura de soluções. Talvez a prevenção no que diz respeito à edificação e à formação das pessoas fossem desejáveis o mais possível, aliás, ideias já aventadas como medidas de prevenção. Estarão a ser praticadas entre nós?  

Por cá, assombra-nos ainda o terramoto do 1º de Novembro de 1755, em Lisboa. Um castigo divino segundo a mentalidade da época. O certo é que vivemos no grande medo da sua repetição, dada a constância dos abalos sísmicos que se têm feito sentir um pouco por toda a parte. Não havendo possibilidades de se fazerem previsões bom seria se nos precavêssemos dentro daquilo que é possível fazer-se. Para isso, instituições competentes, sociedade civil, isto é, todos nós somos chamados para uma sensibilização efectiva nesta matéria. Esquecer o assunto não é solução.

Desejo-vos uma boa semana, meus amigos.

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* Núcleo terrestre
Imagens - Net