O que fazer deste dia lindo, cheio de sol e calor? Agora que se acabaram as férias, que as aulas começaram e que tudo parece ter recomeçado, a opção é ficar fechada no escritório ou encafuada na lida da casa? Talvez não. O caminho talvez seja reaprender a escutar os sons que nos envolvem dos quais nem sempre fazemos caso. Leiamos, a propósito, este lamento de Mia Couto, que, provavelmente, não nos deixará indiferentes:
Me entristece o quanto fomos deixando de escutar.
Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos.
E deixámos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo
excesso de palavras, ficámos autistas pelo excesso de informação. A natureza
converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela,
não a vivemos. A natureza, ela própria, tem que voltar a nascer. E quando
voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana é não ter natureza
nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas.*
E se nessa tarefa de ouvir as vozes e os silêncios, numa viagem interior, reecontrarmos a nossa própria natureza em consonância com todas as naturezas de que somos capazes, então teremos renascido para uma leitura atenta do que nos rodeia, esquecendo os ruídos irrelevantes que se produzem por aí. Ruídos, palavras, que não nos tiram da bordeira, que não nos trazem nada de novo e não nos enriquecem. Excesso de informação e desinformação. Não há tempo para separar o trigo do joio.
Entretanto, um ruído diferente se me mpõe. Oiço um tic-tic, tic-tic-tic. Vou à janela. Vejo um homem jovem, de joelhos, não é bem de joelhos, sentado em cima das pernas, de costas para o sítio donde o vejo, a pegar em paralelepípedos, um a um, pacientemente, e enterrá-los com dois toques e afagá-los, a esse e a outros já enterrados, com mais três toques. Depois de fazer isso durante um bom bocado ao fim do qual a obra vai crescendo, vem outro homem, mais velho, e atira terra por cima para preencher os intervalos. É a arte de calcetar. A arte de preparar o passeio por onde caminharemos sem nos lembrarmos do trabalho e sacrifício envolvido. Pego no telemóvel e registo esses momentos.
Desejo a todos, os que passarem por aqui, uma bela quinta-feira. E tratem bem do coração! :)
======
*Em itálico, excerto de texto de Mia Couto, in: Pensatempos (Citador)