A minha poesia é assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,
por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,
ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.
Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.
Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.
Não sei caminhos de cor.
Fernando Namora
in 'Mar de Sargaços'
Adenda
Fernando Namora -
Há muito tempo que não lia nada dele. Ontem encontrei este poema. Preferi não consultar pormenores acerca da sua biografia e conservar as sensações que a leitura deste poema me transmite.
Falando ele na primeira pessoa, parece, à primeira vista, um cidadão do mundo, que viaja ao sabor dos elementos, sem ideias preconcebidas, sem planos e aceitando tudo o que vier, de coração aberto e alma lavada.
Mas à medida que leio, vejo que evidencia um espírito solitário, numa descoberta de si mesmo mas sem se sujeitar a normas, sem a obrigação de apresentar soluções.
Como um artista que se dedica à pintura ou à escultura ou à escrita, não quer compromissos, abomina prazos, afasta exigências de qualquer tipo e vai colocando os pés em caminhos que ainda estão por desbravar.
Será? Aqui vos espero para mais este momento de leitura.
P.S. Só agora, às 17 horas, termino este post, porque quando inseri o poema já era um bocado tarde. Há um galo aqui nas redondezas que me alertou para o adiantado da hora, embora ache que ele exagera um pouco...