sábado, 27 de setembro de 2025

O primeiro de todos os meus sonhos





o primeiro de todos os meus sonhos era sobre
um amante e o seu único amor,
caminhando devagar(pensamento no pensamento)
por alguma verde misteriosa terra

até o meu segundo sonho começar—
o céu é agreste de folhas;que dançam
e dançando arrebatam(e arrebatando rodopiam
sobre um rapaz e uma rapariga que se assustam)

mas essa mera fúria cedo se tornou
silêncio:em mais vasto sempre quem
dois pequeninos seres dormem(bonecas lado a lado)
imóveis sob a mágica

para sempre caindo neve.
E então este sonhador chorou:e então
ela rapidamente sonhou um sonho de primavera
—onde tu e eu estamos a florescer

E. E. Cummings, 
in "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro




Edward Estlin Cummings (1894-1962), usualmente abreviado como e. e. cummings, em minúsculas, como o poeta assinava e publicava, foi um poetapintor, ensaísta, autor e dramaturgo americano.
...No momento de sua morte, Cummings era reconhecido como o "segundo poeta mais lido nos Estados Unidos, depois de Robert Frost".






Amor em construção
Marco Rodrigues e Marisa Liz




Meus amigos,
A partir de segunda-feira vou ausentar-me 
por uns dias.
Abraços
Olinda


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Poema: in Citador
imagem: pixabay

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O amarelo actual que as folhas vivem




Quando, Lídia, vier o nosso Outono

Com o Inverno que há nele, reservemos

Um pensamento, não para a futura

Primavera, que é de outrem,

Nem para o Estio, de quem somos mortos,

Senão para o que fica do que passa —

O amarelo actual que as folhas vivem

E as torna diferentes.


Ricardo Reis




***


Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos quatro heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã.

aqui



Um Outono metafórico como imaginária é a figura de Lídia.
Mas a realidade é bem diferente. O nosso Outono já deu entrada neste nosso hemisfério, mais precisamente por cá. Tempinho fresco, mas a prometer calor lá mais para a frente, e alguma chuva que não chega para apagar os incêndios que já voltaram.

Mas tenho umas belas palavras, do nosso poeta Luís Rodrigues, que tomo a liberdade de transcrever:



O Outono

é um lugar só nosso

onde guardamos a beleza
 
das estações da vida

L.R.



Abraços. meus amigos.
Olinda




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13-6-1930

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). 

 - 120.

1ª publ. in Presença , nº 31/32. Coimbra: Mar./Jun. 1931.

domingo, 14 de setembro de 2025

Vive o instante que passa




Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim.

Vergílio Ferreira
, in 'Conta-Corrente IV'



***




Aldeia de Melo - a aldeia eterna, no dizer de Vergílio Ferreira. É lá que está a decorrer o Festival Literário designado "Em nome da Terra", de 11 a 15 do corrente mês de Setembro, celebração das palavras e da memória. 
Inspirado no legado literário e na dimensão interartística da escrita de Vergílio Ferreira, o festival inclui propostas para públicos de todas as idades onde se incluem conversas com escritores, oficinas criativas, visitas às escolas, sessões de mediação de leitura, formação para docentes, apresentação de livros, música ao vivo, cinema documental, exposições e performances literárias.



Boa semana, amigos.
abraços
Olinda


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Texto: incitador
1ª imagem: pixabay
Acima: casa onde Vergílio Ferreira cresceu, na aldeia de Melo.


segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Cítara de teus dedos





Que a cítara em teus dedos se desdobre
Nos sentidos em mim despertos...

E dos sons longínquos
Apenas eco e murmúrio e dor da ausência
Seja em minha boca o brado

E a bruma se desvaneça
E tudo seja claro...

Que peregrino por ti
Me reconheço. E outra eternidade
Não quero...

In Coreografia dos sentidos
pg 92





...
uma coreografia de autor em que se reconhece o caminho já andado, mas onde a montanha se faz vale, ou seja, acolhe-se num múltiplo eu em busca do outro.

o que em Manuel Veiga é um destino sem cenários vagos.

tudo o absorve tudo lhe é pródigo e prece.
...

Isabel Mendes Ferreira




Nat King cole
Unforgettable







***




Boa semana, amigos.

Abraços.
Olinda


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Alguns posts aqui no Xaile de Seda, sobre Manuel Veiga
Imagem: Pixabay

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Abissínia

Amigos, eu não me esqueci. Disse aquando das respostas ao quiz sobre África que, depois, falaria de um dos países que ali apareceram. E esse país é a Etiópia, que prefiro tratar por Abissínia.

Falar da Abissínia, do Império Etíope, é falar de um império* que nunca foi colonizado. Na altura da partilha de África, na Conferência de Berlim, de 1884-1885, os países que tomaram parte nesse acontecimento em função dos conflitos pela posse desse continente, traçaram praticamente a régua e esquadro os espaços que lhes interessavam, separando culturas e etnias. Começaria então a colonização propriamente dita.

E falo da Abissínia porque ela é considerada o "berço da humanidade". Ali foram encontrados os mais antigos vestígios da nossa evolução. 

Não sei se estarão lembrados de "Lucy" um fóssil de Australopithecus afarensis de 3,2 milhões de anos, descoberto em 1974 pelo professor Donald Johanson, um norte americano antropólogo e curador do museu de Cleveland de História Natural e pelo estudante Tom Gray em Hadar, no deserto de Afar, na Etiópia.

A título de curiosidade, há notícias do passado mês de Agosto de que os fragmentos de Lucy e Selam, esta, uma criança que terá vivido 100 mil anos antes de Lucy, estão expostos, por 60 dias, no Museu Nacional Tcheco de Praga, isto é, pela primeira vez na Europa. aqui


Castelo do rei Fasilides, 1632 e 1667


A Etiópia, Abissínia (assim grafado no exterior), é um pais independente desde a antiguidade, donde se pensa ter saído o homo sapiens. Encravada no Corno África, faz fronteira com o Sudão e com o Sudão do Sul a oeste, com o Djibuti e a Eritreia ao norte, com a Somália ao leste, e o Quênia ao sul. Sua capital é a cidade de Adis Abeba.

Este é apenas um apontamento. Quem quiser saber mais sobre África poderá consultar a obra de Joseph Ki-Zerbo, "História da África Negra" em 2 volumes, em que desmistifica a ideia de que África não tem história.



**A Canção dos Beatles

"Lucy in the sky with Diamonds"



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Alguns posts sobre África, aqui, no Xaile de Seda

*A Libéria também não foi colonizado por europeus. Foi fundada por escravos americanos libertos com a ajuda de uma organização privada chamada American Colonization Society, entre 1821 e 1822, (ver aqui)

**Os fragmentos de Lucy tomaram esse nome proveniente da canção dos Beatles, "Lucy in the sky with Diamonds. Motivo: Durante as escavações os arqueólogos estavam a ouvir essa canção.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Tertúlia de Amor (2)

 


Convite da amiga Rosélia para esta 

Tertúlia de Amor

a decorrer até Dezembro

(Um post por mês)

BLOG: AMORAZUL


***



Milonga


De vestido de chita e chinelo no pé

Lá vai ela toda airosa pisando o

macadame com graça e donaire


Os seus longos cabelos revolteiam

ao vento suão que atrevido lhe

levanta a saia fazendo ondas


Dali da esquina ele espreita a graça

dessa menina que avança trilhando

o seu caminho, e parece não o notar


Com passos cautelosos ele surge à

sua frente com o seu lindo sorriso

sedutor que lhe derrete o coração


Dá-lhe o braço, segreda-lhe algo

ela ri atirando a cabeça para trás

e ensaiam um pé de dança mexida


Mudam de ritmo e mesmo de chinelos

agarra o seu par e no meio da rua

os acordes de uma milonga lhes soa


Num encantamento amoroso, terno

o par deixa-se levar voando alto

muito alto, numa magia maravilhosa


O céu é o limite!


Olinda



La Milonga de Buenos Aires:
Dmitry Krupnov & Maria Orlova



Abraços fraternos, amigos.

Olinda


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Imagens: pixabay