sábado, 28 de outubro de 2023

Terra avara




Terra amada, mas avara

Guardas em ti ciosamente

O tesouro que me foi dado

E tirado das minhas mãos

Quando não sabia chorar


Estoicamente aceitei o fardo,

A vida ainda no seu início

Havia tempo, arranjaria outro

A solidão parecia quimérica


Terra ardente, pisei o teu solo

E nele se deu o grande milagre:

O encontro de tempos paralelos

Mas, guardaste para ti a melhor

                                       Parte!


Dinola Melo





Bom fim de semana, meus amigos.

Abraços

Olinda


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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Il y avait un jardin

 

Georges Moustaki

{Parlé}
C'est une chanson pour les enfants
Qui naissent et qui vivent entre l'acier
Et le bitume entre le béton et l'asphalte
Et qui ne sauront peut-être jamais
Que la terre était un jardin

Il y avait un jardin qu'on appelait la terre
Il brillait au soleil comme un fruit défendu
Non ce n'était pas le paradis ni l'enfer
Ni rien de déjà vu ou déjà entendu

Il y avait un jardin une maison des arbres
Avec un lit de mousse pour y faire l'amour
Et un petit ruisseau roulant sans une vague
Venait le rafraîchir et poursuivait son cours.

Il y avait un jardin grand comme une vallée
On pouvait s'y nourrir à toutes les saisons
Sur la terre brûlante ou sur l'herbe gelée
Et découvrir des fleurs qui n'avaient pas de nom.

Il y avait un jardin qu'on appelait la terre
Il était assez grand pour des milliers d'enfants
Il était habité jadis par nos grands-pères
Qui le tenaient eux-mêmes de leurs grands-parents.

Où est-il ce jardin où nous aurions pu naître
Où nous aurions pu vivre insouciants et nus,
Où est cette maison toutes portes ouvertes
Que je cherche encore et que je ne trouve plus.



***

NOTA:

Georges Moustaki, de seu nome Giuseppe Mustacchi, nascido a 03/05/34
Consta que com "Le Métèque" iniciou-se a sua fama como cantor. Mas já antes compunha para vários cantores, entre eles, Serge Reggiani, Edith Piaf com quem teve uma ligação, Yves Montand e vários outros.
Em 1974 gravou uma versão do Fado Tropical, Chico Buarque.
Faleceu a 23/05/13. Há 10 anos.

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terça-feira, 24 de outubro de 2023

"NA ÚLTIMA PÁGINA DE UMA ANTOLOGIA"

Tantos bons poetas!

Tantos bons poemas!

São realmente bons e bons,

Com tanta concorrência não fica ninguém,

Ou ficam ao acaso, uma loteria da posteridade,

Obtendo lugares por capricho do Empresário...

Tantos bons poetas!

Para que escrevo eu versos?

Quando os escrevo parece-me

O que a minha emoção, com que os escrevi, me parece -

A única coisa grande no mundo...

Enche o universo de frio e pavor de mim.

Depois, escritos, visíveis, legíveis...

Ora...E nesta antologia de poetas menores?

Tantos bons poetas!

O que é o génio, afinal, ou como é que se distingue

O génio da habilidade, e os bons poetas dos maus poetas?

Sei lá se realmente se distinguem...

O melhor é dormir...

Fecho a antologia mais cansado do que do mundo -

Sou vulgar?

Há tantos bons poetas!

Santo Deus!...


ÁLVARO DE CAMPOS

           50  1-5-1928 *

                 pags 226/227




Pintura de Almada Negreiros (1946)


...A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos — felizmente para mim e para os outros — mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo — os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas — cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem — e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...

in: Carta a Adolfo Casais Monteiro-13 Jan 1935

aqui



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*Fernando Pessoa

Obra completa de Álvaro Campos

sábado, 21 de outubro de 2023

A leveza do ser

 


Voar talvez seja um dos momentos únicos em que o nosso corpo alcançaria a transparência da luz. Ir ao encontro de mundos desconhecidos e míticos, igualar-nos aos pássaros e apontar-nos ao princípio de tudo, quem sabe se não seria a nossa redenção. 

Mas o mar chama-me. 

Sinto o meu ser a flutuar, a tornar-se água, a ir até ao fundo e a voltar à tona, em cabriolas e danças, qual peixe que deixou o cardume e seguiu viagem, com a luz filtrada e focada nas profundezas. 

Ou então, meio gente, meio peixe, fazendo parte da
beleza rara que o fundo dos oceanos encerra...


Mar salgado

Amor Electro


Bom fim-de-semana, meus amigos.

Abraços

Olinda



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Lembro o livro de Milan Kundera: "A insustentável leveza do ser".

M. Kundera faleceu a 11 de Julho de 2023

Apropriei-me de parte do título para este post.

Imagem: pixabay

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Oito individualidades memoráveis (5)




Negócio de Pomba


Falara-lhe da última vez, na noite da bordoada, com uma simpatia que não dava margem a dúvidas. Um perfume e um aperto intencional na mão. Por baixo da mantilha o mesmo viço antigo, a mesma humidade luminosa, talvez os mesmos olhos que desciam do alto da janela nos tempos do namoro à noitinha. E o pai ao lado, muita festa para a festa.

Sim; tudo isto entrava mesmo no sistema de raciocínios, de significações. Mas se a gula da herança de Renato entrasse também na atitude do velho Peixoto visitando-o, com as suas falinhas pela mansa, o seu veneno de apagar e acender nos olhos verdes, como o pintavam e conheciam de ginjeira na vila e arredores? Que diabo! Não. O Peixoto não tinha necessidade nenhuma de casar a filha rica - ele que era um dos maiores contribuintes do concelho e o maior proprietário de casas das portas da vila para dentro. A Ângela não faltava partidos: o Dr Delegado, o neto do morgado Camelo, o filho do Pires da Ribeira dos Pães. Tudo rapazes perfeitos e ricos ou bem colocados. Ele, Renato, não tinha posição nem fidalguia; um boato de herança no Brasil não é que ia dourá-lo.

E então pensou que, tendo sido o primeiro namoro de Ângela e não sendo peste nenhuma, podia muito bem acontecer que em casa do Peixoto estimassem vê-los unidos, não sendo então indiferente a uma família rica a possibilidade de Renato levar alguns bens ao casal, por causa do futuro dos netos.

E pronto. Aquela doce palavra familiar subtilizava tudo. Peixoto passava a andar no quarto com passos ainda mais suaves - o avô, para não acordar o netinho... Quem estava quase a dormir era Renato, mas quem fazia o Peixoto andar com cuidado nos tacões era um ser para diante, uma coisinha de nada nuns braços, numa covinha de colchão ou num cesto, capaz de ficar horas e horas debaixo do tecto da casa de Teotónio Lobão a mexer com as mãos uma na outra, e completamente urinadinho...

In:A casa fechada, pg 116 - Obras Completas Vol. VI


e a história continua...



Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva - (1901-1978

foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a actividade de docência. O seu nome consta da lista de colaboradores da Revista dos Centenários publicada por ocasião da Exposição do Mundo Português e nas revistas, Panorama (1941-1949) Conímbriga de 1923, Renovação (1925-1926), Atlântico e Litoral(1944-1945).

Destacou-se como autor de Mau Tempo no Canal, mas ele dizia-se antes de tudo um poeta.



Já não escreverei romances
Nem contos da fada e o rei.

Vão-se-me todas as chances
De grande escritor. Parei.

Mas na chispa do verso,
Com Marga a aquecer-me,
Já não serei disperso
Nem poderei perder-me.

Tudo nela é verbo e vida;
Xale, cílio, tosse, joelho,
Tudo respinga e acalma.

Passo, óculos, nada é velho:
Quase corpo, menos que alma.

Já não lavrarei novelas,
Ultrapassado de ficto:
A vida dá-me janelas
A toda a extensão do dicto.

Mas sem elas, mas sem elas
(As suas mãos) fico aflito.

Vitorino Nemésio, 
in "Caderno de Caligraphia 
e outros Poemas a Marga"


Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana

Continuemos a ler aqui a sua biografia e veremos quão rica é a sua Obra.

De referir o Programa na RTP1, "Se bem me lembro", programa que marcou uma época em que ainda se discutia e se falava de assuntos que interessavam a todos. 





Trago este video em que se fala do seu percurso. Ilhéu e comprometido com a vida. E apesar de viver longe, nunca esqueceu as suas raízes.



Um espécime da rica Flora Açoriana




Tenham uma boa semana, amigos.

Abraços

Olinda


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SÉRIE

Oito individualidades memoráveis (4)

Oito individualidades memoráveis (3)

Oito individualidades memoráveis (2)

Oito individualidades memoráveis (1)



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Imagem: Flor trazida da Geoparque Açores

sábado, 14 de outubro de 2023

Mas as Crianças, Senhor? Por que lhes dais tanta dor?

 Augusto César Ferreira Gil será sempre lembrado, especialmente pelos versos que ele produziu tendo em conta o sofrimento das Crianças. Seres inocentes e sem defesa. 

O dia da Criança difere em vários lugares deste nosso mundo. Por cá, comemora-se a 1 de Junho. No Brasil, comemorou-se no passado dia 12 de Outubro. Mas, por mais que se fale e se foque na Declaração dos Direitos da Criança falha-se sempre.

Tenho em preparação uma pequena publicação lembrando os fundamentos do Conflito Israelo-Palestiniano, mas talvez fique para outra data. Neste momento o que me preocupa acima de tudo é o ultimatum dado por Israel para o abandono da Faixa de Gaza. 

Com todas as contingências, com todo o problema da movimentação de tanta gente, com crianças, idosos, haveres, numa área tão pequena, com acessos cortados, o que fazer?

Façamos um esforço e adaptemos a tragédia de hoje. Em vez de neve, vejamos ferro e fogo:




Balada de Neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
- e cai no meu coração.







Meus senhores:

Usemos e abusemos das boas palavras. Dialoguemos. Conversemos. 
Para que possamos chegar a acordo em assuntos tão candentes como é a Paz.

É urgente que o façamos. Chega de tanta guerra. E em tantos sítios ao mesmo tempo. Até parece que queremos acabar de vez com o planeta. 



quinta-feira, 12 de outubro de 2023

As luzes



Lá estavam elas na noite de breu. Vistas de longe e ao longe pareciam representar uma certa libertação. Para lá chegar teria de percorrer algumas milhas marítimas, talvez enfrentar um mar encapelado. Ou uma grande calmaria. O grande mar do canal. O ilhéu dos pássaros parecia o guardião dessa terra de promissão. Sabia que depois de passar a faixa à direita que parecia tão estreita da janela do meu quarto, a baía oferecer-se-ia pródiga quase que dando as boas-vindas ao visitante. No desembarque, a águia a guardar a entrada da cidade. Nunca me perguntei quem a teria esculpido. Mas sempre induziu em mim um certo fascínio. E ainda lá está. E o que queria eu desse montinho brilhante que me acenava? Sonhos, desejo de evasão, ou qualquer outra vontade ainda não expressa, apenas pressentida... 


Cesária Évora


Lua nha testemunha


Boa quinta-feira, amigos.

Abraços

Olinda


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Imagem: pixabay

sábado, 7 de outubro de 2023

Fio de lume


Que a palavra seja
Assim nua. E raiz. E seiva.

E se erga nas planuras
E no pico mais alto
Das mais altas montanhas

E seja cetim e mel
No dorso das viagens...

E bebedeira de sol
E fio de lume. A bordar a nudez
De tua pele...

Que a palavra em que nos dizemos
Seja solícita. E pródiga.


in: 
Coreografia dos Sentidos
pg 134




E o fogo arde. Inscrições de lume ressaltam e porfiam numa coleante espera, na glorificação dos corpos, cântico de cor e vida, pequena lágrima que tomba, na inquietação das horas, do tempo e da circunstância...
in: posfácio




No Tejo - Setembro 2023



O Blog - Relógio de Pêndulo


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Tenham um bom fim-de-semana, amigos.

Abraços

Olinda


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