segunda-feira, 30 de junho de 2014

Não sei rezar. Nunca gostei de repetir fórmulas...Às vezes, ao tentar dormir, digo coisas a Deus.


A voz sobe os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por já não ser minha

Último poema de Ilhas, 1989








JO Se tivesse a força para mudar qualquer coisa, o que mudaria?
A diferença entre ricos e pobres

JO De que tem medo nesta vida?
Tenho medo de viver ainda muitos anos. Viver pode ser muito agradável até aos 60, 65 anos. Depois, começa a ser complicado.

JO Já disse que estar feliz é fundamental para escrever bem. Tem uma obra muito extensa, isto significa que foi muito feliz?
Talvez. Hoje escrevo pouco, falta-me aquela felicidade que eu tinha. A relação com a natureza, com o mar, com a terra.

JO O que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?
Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente.

JO O que considera mais importante na sua vida?
Foi importantíssimo o nascimentos dos meus filhos.

...Nunca consegui escrever quando estava a sofrer ou com qualquer dor. Fluía melhor quando me encontrava feliz.


Sophia de Mello Breyner Andresen
           1919-2004


Excerto de entrevista: Joaci Oliveira
Aqui:Biblioteca Nacional de Portugal

Ver também Ciclo Sophia, aqui ao lado,
nas etiquetas.

sábado, 28 de junho de 2014

O português é falado, como língua oficial, em quatro continentes




A floresta pariu de novo
o cimento uma alma nova
sinfonia da patchanga
e um cântico de liberdade!
Vasco Cabral, Guiné-Bissau

És tu minha Ilha e minha África forte e
desdenhosa dos que te falam à volta.
Francisco José Tenreiro, São Tomé e Príncipe

As luzes da cidade brilham no morro. Ainda há pouco vinha do morro um baticum de candomblés e macumbas. Porém agora a cidade está longe e o brilho das estrelas está muito mais perto deles que as lâmpadas eléctricas.Jorge Amado, Brasil

Nha Chica conte-me aquela história dos meus irmãos hoje perdidos no mundo grande...
António Nunes, Cabo Verde

Era o tempo dos catetes no capim e das fogueiras no cacimbo. Das celestes e viúvas em gaiolas de bordão à porta de casas de pau-a-pique. As buganvílias floriam e havia no céu um azul tão arrogante que não se podia olhar. Era o tempo da paz e do silêncio à sombra de mulembas.Luandino Vieira, Angola

A terra treme, a areia salta, o suor escorre, as peles brilham e a voz do chigubo soa. São dois e o sangue à volta é o do chigubo. Os pés batem e o ritmo é bangue, o sangue esquece e só a dança fica, é sura e céu.José Craveirinha, Moçambique

Tata-Mailau
É o pico-avô da minha ilha.

Fernando Sylvan, Timor

À medida que as navalhas avançavam, as vinhas iam perdendo a graça, a força e a virgindade. E com esta desolação morria também um pouco da alegria dos vindimadores, que chegavam da Montanha sem sono, a cantar e a dançar, e que agora dormiam como lajes.Miguel Torga, Portugal

Referências bibliográficas:

Jorge AMADO, Jubiabá. Lisboa, Livros do Brasil, s.d.
José CRAVEIRINHA, «Chigubo», Hamina e outros Contos. Lisboa, Caminho, 1997 (2ª ed.), pp. 33-37.
Manuel FERREIRA, 50 Poetas Africanos. Lisboa, Plátano Editora, 1997 (2ª ed.).
Fernando SYLVAN, A Voz Fagueira de Oan Tímor. Lisboa, Edições Colibri, 1993.
Miguel TORGA, Vindima. Coimbra, 1997 (6ª ed.).
Luandino VIEIRA, ?O nascer do sol?, A Cidade e a Infância. Lisboa, Edições 70-União dos Escritores Angolanos, 1977 (2ª ed.), pp. 79-87.

Excertos, referências e título do post trazidos do Instituto Camões que também nos diz que: De princípios do século XIII eram já conhecidos dois textos originais escritos em português - a Notícia de Torto (1212-1216, c.1214?) e o Testamento de Afonso II (1214). Recentemente foi descoberto um outro documento original, também escrito em português, mas de 1175 - a Notícia de Fiadores.aqui 

Ver também este post


DESEJO-VOS UM ÓPTIMO FIM DE SEMANA. :) 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Falo de ti às pedras das estradas





Falo de ti às pedras das estradas, 
E ao sol que é louro como o teu olhar, 
Falo ao rio, que desdobra a faiscar, 
Vestidos de princesas e de fadas; 

Falo às gaivotas de asas desdobradas, 
Lembrando lenços brancos a acenar, 
E aos mastros que apunhalam o luar 
Na solidão das noites consteladas; 

Digo os anseios, os sonhos, os desejos 
Donde a tua alma, tonta de vitória, 
Levanta ao céu a torre dos meus beijos! 

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, 
Sobre os brocados fúlgidos da glória, 
São astros que me tombam do regaço! 

Florbela Espanca,
in "A Mensageira das Violetas"

Poema:Citador

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A noite lavava as sombras das suas pálpebras com a aurora

O rei-poeta, al-Mu'Tamid, na grandiosidade das suas palavras. Do seu desterro em Marrocos, triste, roído de saudades, cantava Silves e o Palácio dos Balcões, do modo que se segue:


Saúda, por mim, Abú Bala,
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha
Saúda o Palácio dos Balcões.
Da parte de quem nunca o esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava

À sua amada enviava juras de amor, assegurando-se de que a distância não seria motivo para o esquecimento: 

Invisível a meus olhos,
trago-te sempre no coração
Te envio um adeus feito paixão
e lágrimas de pena com insónia.
Inventaste como possuir-me
e eu, indomável, submisso vou ficando!
Meu desejo é estar contigo sempre,
oxalá se realize tal vontade!
Assegura-me que o juramento que nos une
nunca a distancia o fará quebrar.
Doce é o nome que é o teu
e aqui fica escrito no poema: ‘Itimad.

E que dizer a quem vive dos ardis da paixão ou da ilusão? Ouçamos o poeta, através da voz de Eduardo Ramos e o seu alaúde, aqui

quem vive dos ardis da ilusão
e, assim, se aparta do amigo
poderá encontrar consolação?
I
quando será que estarei
livre de desdém tão fero
cujos fortes esquadrões
me dão guerra que não quero.
desvio, assim, é injusto.
juro pela luz altaneira
que em suas tranças se divisa:
não sou cobra traiçoeira
das que mudam de camisa.
II
de negras madeixas
amo uma gazela
um sol é seu rosto
e palmeira é ela
de ancas opulentas
existe em seus lábios
do néctar o gosto.
ó sede se intentas
sua boca beijar
não o vais lograr.
III
em encanto não tem
rival tal senhora,
e, fora do sonho,
quem tão bela fora?
qual espada seus olhos
lhe brilham e rosas
lhe enfeitam a face
na sombra vistosas
mas se as vais olhar
fá-la-ás murchar.
IV
dá paz ao ardor
de quem te deseja.
contenta o amor
e faz dom de ti,
vamos, sorri,
quando a boca beija.
me disse na hora:
pecar me refreia
respondi-lhe: ora,
não é coisa feia!
V
uma vez era noite
de bem longa festa.
adormeci. me disse
me acordando com esta:
teu sono vai longo
toca a levantar!
então me beijou
e eu pus-me a cantar:
fazem reviver
teus lábios a arder!    [que lábios serão?]

Al-Mu’Tamid





E nestas noites de Junho, em Beja, noites  que se querem cálidas e mágicas, talvez ele, Mu'Tamid,  se materialize no ardor da sua poesia.

Relembremos tão-só o poeta e o mecenas. Do governante e da reconquista cristã se encarregará a História.

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Poemas:Fonte
Nota: A seguir ao último verso, na mesma linha, lê-se:[que lábios serão?]. Desconheço se a expressão faz parte do poema ou se se trata de um aparte de quem o publicou. Por outro lado, tanto se encontra o primeiro verso escrito deste modo "quem vive dos ardis da ilusão" como deste, "quem vive nos ardis da ilusão". Um pormenor que terei de verificar oportunamente. 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O menino Alberto da Costa e Silva: o tecelão do parque





A poesia de Alberto da Costa e Silva se murmura dentro de sua perene infância, tão eternizável, que inunda todo o conhecimento de sua imagem literária:

Vou pedir ao meu pai
que me esqueça menino.

A passagem do dístico vale intensamente para sentir a força de suas mãos poéticas, que ilumina a altíssima linhagem de sua revelação:

Todos os dias são iguais - o grego
e o menino que fui
sempre o souberam.
Ele o pensava; eu o vivia,
amargo.
                      O sol
cegava, nos telhados.
Mas o menino de ontem, hoje,
cantava.

Esse cantar de Alberto da Costa e Silva é lucidez perdida no presente ou encontrado no amor a sua Musa Vera, vera musa:

Dizer jamais de nós
senão o certo:
o céu,
e o campo aberto.

No livro AO LADO DE VERA (1997), Alberto da Costa e Silva brinda a amada (  e a todos nós) com lindos poemas mágicos:

Usa o meu coração, se o teu já tens gasto,
feito a pedra de mó que a faca alisa, cava
e parece estender como massa de trigo
sobre a mesa molhada. Usa o meu coração

como o trapo que limpa a sujeira das tábuas
e negrece de pó, e se pui, e se esgarça,
se com ele se invertem este dia adverso
e esta noite perversa. Usa o meu coração

para nos esconder, como aos olhos as pálpebras.
do cansaço do tempo, do bolor nos retratos,
e jogar para os céus, ao abrir das janelas,
qual um sonho ou um parto, os pardais e os canários.

A frase Usa o meu coração será sempre um eco. Alberto da Costa e Silva faz de sua obra um artesanato elevado de sonhos, é um tecelão que se fia no grande parque da linguagem:

Cuidado! Não é tua
esta morte.
Cuidado! Ela vem disfarçada
de irmã e reparte
moscas e formigas
como se fossem frutas
maduras e espigas.
Cuidado! que vem vestida
de infância
e de vida.

Alberto é filho de Da Costa e Silva ( um dos maiores poetas Simbolistas em Língua Portuguesa, nascido no Piauí):

Meu pai, que estás no céu,
no céu que vejo,
neste céu que respiro e que me veste
( e não naquele de derrota feito,
em que o eterno disfarça o sonho breve),

repara em mim,
em mim, que me envelhece
a tua falta
( a tua falta cresce
e desfaz o rancor desta certeza:
mesmo na morte o corpo dói), protege

o homem que fizeste e que, menino,
se agacha junto à quinta das paredes,
o queixo nos joelhos,
o olhar cego
a outro tempo que não seja ainda
imóvel, puro, certo,
como tu,
como tu, que estou sendo
na carne que, em mim,
é teu degredo.

O menino é o Poeta em consoada.

Quando nos criaram,
as mãos do deus já estavam
cansadas.

Por isso,
somos frágeis e mortais. E amamos,
para resgatar o que no deus
foi sonho.


Poemas de Alberto da Costa e Silva
Minuta de Diego Mendes Sousa

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Deste site trago estas palavras sobre a poesia de Alberto da Costa e Silva. Espero que gostem.

A todos desejo uma excelente quarta-feira. :)

domingo, 15 de junho de 2014

Alberto da Costa e Silva: o vício de África

Este é o título de mais um artigo do Público dedicado a Alberto da Costa e Silva, desta feita por Diogo Ramada Curto. Nele é referido que a atribuição do Prémio Camões-2014 a este diplomata, que desempenhou funções em Portugal como Embaixador de 1989 a 1992, historiador, poeta, ensaísta, constitui um incentivo para se ler a sua obra.




O articulista mostra como este intelectual brasileiro encontrou em África e no tráfico atlântico de escravos a raiz a partir da qual o Brasil necessita de ser explicado. Dos seus principais livros de história indica os seguintes: A Enxada e a Lança: a África antes dos Portugueses; A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700 ; Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos; Um Rio Chamado Atlântico. Não esqueço uma colectânea de ensaios publicada há muito em Lisboa O Vício da África e Outros Vícios; nem a sua recente coordenação do vol. I da História do Brasil Nação: 1808-2010 – Crise Colonial e Independência 1808-1930.

De entre eles ressalto "A Enxada e a Lança - a África antes dos Portugueses", que poderá ser lido aqui. Em 1960, Alberto da Costa e Silva foi pela primeira vez a África e conta a sua experiência numa entrevista que poderia ser resumida nestes dizeres:

Viajando, pude confrontar o que lia e ouvia sobre a África com aquilo que via. Sobretudo, conheci gente. E comecei a tomar cuidado para não cometer os enganos que os viajantes apressados costumam cometer, pois pensam que estão vendo bem quando veem apenas a superfície. É preciso ter paciência no olhar. Principalmente, ter cautela para não construir grandes teses, que geralmente se revelam com alicerces de brisa, sem fundamento.

Aproveito para inserir, neste Xaile, mais um poema seu:

Uma Ausência de Mim

Uma ausência de mim por mim se afirma. 
E, partindo de mim, na sombra sobre 
o chão que não foi meu, na relva simples 
o outro ser que sonhei se deita e cisma. 

Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro 
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores, 
os bichos sob o sol, a chuva e tudo — 
ou foi o sonho dos demais que sonho? 

A epiderme da vida me vestiu, 
ou breve imaginar de um ócio inútil 
ergueu da sombra a minha carne, ou sou 

um casulo de tempo, o centro e o sopro 
da cisma do outro ser que de mim fala 
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba. 

Alberto da Costa e Silva, in 'A Linha da Mão'



Desejo-vos uma muito boa tarde. :)


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Respiro e Vejo

Alberto da Costa e Silva, brasileiro, um escritor que estuda a História, resgatador da memória de África - distinguido com o prémio mais importante da criação literária em língua portuguesa, o Prémio Camões - 2014:

Hoje, aqui, connosco. Apreciemos este belíssimo poema:






Respiro e Vejo


Respiro e vejo. A noite e cada sol 
vão rompendo de mim a todo o instante, 
tarde e manhã que são tecido tempo, 
chuva e colheita. O céu, repouso e vento. 

Vergel de aves. Vou entre viveiros, 
a caçar com o olhar, passarinhagem 
dos pequeninos sóis e das estrelas 
que emigram neste céu de goiabeiras. 

mas sigo a jardinagem, podo o tempo, 
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo, 
as florações da luz e da cegueira. 

E, no dia, suspensa cachoeira, 
neste jogo sagrado, vivo e vejo 
o que veio em meus olhos desenhado. 

Alberto da Costa e Silva,
 in 'A Linha da Mão'

Poema:Citador

domingo, 8 de junho de 2014

"Fruta Feia" - a nossa fruta

A nossa maçã, a nossa laranja, a nossa pêra: É assim que a dona de uma loja de bairro, aqui perto de casa, se refere à fruta produzida e colhida por pequenos produtores, nos terrenos circundantes. Dispõe os caixotes à porta e cola neles papéis escritos à mão onde indica os preços que não chegam a um euro. 

Ainda não há muito tempo li que havia pessoas a aproveitar e a canalizar para o consumo fruta produzida fora das regras draconianas da União Europeia, dando-lhe a designação de "Fruta Feia".

Neste site, da cooperativa que entretanto foi criada, a 18 de Novembro de 2013, pode ler-se: Todas as semanas trabalhamos directamente com os produtores, recolhendo nas suas hortas e pomares os produtos pequenos, grandes ou disformes que estes não conseguem escoar e com os quais preparamos cestas de tamanhos diferentes com frutas e hortaliças da época para entregar aos associados da Fruta Feia CRL.




Pois bem, a "Fruta Feia" já é notícia fora de portas. Nos Estados Unidos o The New York Times refere este projecto, um desafia à ditadura de Bruxelas que vai ao ponto de regulamentar o tamanho, a cor e a forma dos alimentos que os cidadãos comem, como bem sabemos. Resultado:desperdício de 89 milhões de toneladas de alimentos. É obra! Será que vi bem?

Refere-se também aqui que Portugal é pioneiro nesta actividade, sendo motivo de inspiração nas Nações Unidas (FAO). Um seu representante declarou à RenascençaSão experiências positivas que devem ser partilhadas a nível mundial para a criação de uma plataforma sólida de combate ao desperdício.

Felizmente, cada dia que passa verifica-se que mais e mais pessoas têm consciência de que é necessário tomar nas mãos as rédeas do próprio destino. O povo é que tem razão: no poupar é que está o ganho. Há mais movimentos neste sentido como, por exemplo, Zero Desperdício e Re-Food que recolhem alimentos em restaurantes, alimentos esses que de outro modo iriam para lixo.

Nós, os leigos, estamos fartos de dizer que é tempo de a União Europeia proceder a uma revisão das suas estratégias. E se tem que começar por algum lado que o faça já em relação à agricultura e às pescas, áreas em que a aplicação de quotas e excessos nas normalizações não parece ter servido os cidadãos europeus. Entretanto, a sociedade civil procura soluções e penso que, com imaginação, lá vai chegando. 

Deixo aqui este slogan e a composição da última cesta: 


Gente bonita come fruta feia
Composição da cesta de 02.06.2014 (Casa Independente) e de 03.06.2014 (Ateneu Comercial de Lisboa):
  • Mirtilo 
  • Pêra-rocha
  • Maçã fuji
  • Alho francês
  • Couve lombardo
  • Cenoura
  • Tomate
  • Agrião (só para cestas grandes)

Desejo-vos um bom domingo.:)