Ou os dias que se seguiram...
Depois da euforia da libertação de mentes e de corpos, depois de 48 anos* de ditadura, depois das guerras de libertação, depois de tantas mortes, de jovens estropiados tanto cá como lá, de famílias desmembradas, a alegria e o espanto tomaram conta das pessoas em todo o espaço português e africano. Devemo-lo aos capitães do exército português, fartos de serem mandados para lutar em terras de outrem e aos movimentos africanos que pegaram em armas para exigir o que era seu de direito.
Depois do golpe militar havia que descortinar o que fazer aos presos políticos, libertá-los logo ou ponderar os prós e os contras, isto é, distinguir aqueles que se encontravam detidos por motivos ideológicos dos que eram réus de crimes comuns... Havia que resolver os problemas cá dentro que eram muitos.
Era o PREC, processo revolucionário em curso, era a reforma agrária, eram as aspirações do povo tanto tempo amordaçado e também os saneamentos e exílios decorrentes da nova ordem política. Mas havia as colónias que ansiavam há muito pela recuperação dos seus territórios. Muito a fazer, com a pressão do acontecimento histórico, trabalho dos partidos políticos que, entretanto, saíram da sombra imposta pelo regime.
Assinatura do Acordo do Alvor
Tempos complicados esses das negociações.
Refiro apenas o Acordo do Alvor (Janeiro de 1975) assinado entre o governo português e os principais movimentos de libertação de Angola — Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) — em Janeiro de 1975, em Alvor, no Algarve. O acordo estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder, ou seja, foi estabelecido com o propósito de equilibrar o poder entre os três movimentos acima já mencionados após a obtenção da independência de Angola, tida como necessária pelos dirigentes do novo regime português.
Faltam aqui o PAIGC, (Guiné e Cabo Verde), a FRELIMO, (Moçambique), MLSTP (São Tomé e Príncipe)... Outros Acordos foram sendo assinados entre representantes portugueses e movimentos africanos.
Almeida Santos nas suas "Quase Memórias: Esta é a minha Verdade!", dois volumes, fala sobre esses tempos. Falei desta obra aqui.
Estas são as palavras que vêm na contra-capa:
"Longa como as estradas da Galileia foi esta digressão pelo estertor do colonialismo e pelo dossier da descolonização. A partir de agora, este livro deixa de ser meu. Não faço a menor ideia de como possa ser acolhido pela opinião pública portuguesa. Talvez agrade a alguns. Desagradará necessariamente a muitos, tão amargas são algumas das recordações que evoca. Mas, quem se põe a remexer na história, não pode satisfazer-se só com uma parte dela. Não pode deixar de tentar ser exaustivo, objectivo e verdadeiro. Esta é a minha verdade sobre o estertor do colonialismo e sobre o dossier da descolonização; sobre os mais salientes acidentes do processo revolucionário posterior a Abril que lhe determinaram o tempo, o modo e o resultado final. Deixo ligados a tudo isso inolvidáveis momentos da minha vida. Nem todos agradáveis. Apesar disso, foi reconfortante recordá-los."
De ler. Uma verdade vista pelos olhos de quem se encontrava comprometido com a situação, mas os factos estão lá e a coragem de quem resolveu expô-los.
Boa sexta-feira, meus amigos.
Abraço
Olinda
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Imagem: Net
Nota:"As motivações da criação do Movimento dos Capitães começaram por estar relacionadas com problemas de carreira e com o descontentamento crescente nas Forças Armadas pela manutenção da guerra..." aqui
*Incluídos os períodos da Ditadura Militar, de 1926 a 1928, e da Ditadura Nacional, de 1928 a 1933. Alguns historiadores designam como sendo Ditadura Militar o período de 1926 a 1933. Com o tempo da ditadura do Estado Novo perfazem 47 anos, dez meses e vinte e quatro dias, pelas contas de José Cardoso Pires. aqui
Bom dia de Paz, querida amiga Olinda!
ResponderEliminar"Fartos de serem mandados para lutar em terras de outrem...
pegaram em armas para exigir o que era seu de direito."
Pode-se dizer que lutaram em "legítima defesa".
"Ponderar os prós e os contras" é atitude salutar em todas circunstâncias.
"Resolver os problemas cá dentro", outra sábia decisão.
Não pudemos pagar pelo que está alheio ao que é nosso e tão nosso.
Detentos e prisioneiros políticos têm questões distintas e precisam de atenção específica.
"Quem se põe a remexer na história, não pode satisfazer-se só com uma parte dela".
Perfeita colocação.
Sempre vamos pelo lado que nos convém...
O comprometimento com uma determinada questão é o principal fator do sucesso de todo Projeto digno.
Um belíssimo apanhado do "Dia de Ontem ".
Tenha dias abençoados!
Beijinhos com carinho fraterno
Não foi fácil mas a Democracia consolidou-se e a descolonização também!
ResponderEliminarAbraço
A nossa história recente fará deste período uma referência no que se vier a estudar no futuro, nas nossas escolas, quando as sensibilidades dos que o viveram, por já terem desaparecido, o permitir
ResponderEliminarUm abraço.
Olá, amiga Olinda,
ResponderEliminarFaz aqui uma excelente resenha ao que foi este processo da descolonização, após o 25 de Abril de 1974, O tratado do Alvor.
Foi graças ao 25 de Abril que tudo isto foi possível de concretizar, com as suas virtudes e defeitos.
Excelente texto!
Deixo os meus votos de feliz fim de semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos de amizade.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Grata pela partilha deste contar sobre o processo de descolonização que segue caminhando, pois têm muitos aspectos interiorizados que são amarras. Bom final de dia.
ResponderEliminarAproveito para convidar para a segunda roda de conversa com o tema Passagem. Deixo o link aqui:
https://pensandoemfamilia.com.br/biblioterapia/2a-roda-de-conversa/
Muito pertinente e de grande rigor!
ResponderEliminarSempre que vou ao Alvor - e agora faço-o por motivos familiares com grande frequência - falamos destes acordos do Alvor.
Não li a obra de que fala. Mas agora, com mais tempo, hei-de fazê- lo.
Um beijo