sábado, 8 de março de 2014

Sonetos - Marquesa de Alorna








1

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.


2

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.


3

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!


Marquesa de Alorna
   (1750-1839)


D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna nasceu em Lisboa no dia 31 de outubro de 1750 e faleceu em Benfica no dia 11 de outubro de 1839. Tendo o seu pai sido preso, acusado de participar no atentado ao rei D. José, Leonor, de oito anos, entrou com sua irmã para o convento de Chelas, vindo somente a sair após a morte do Marquês de Pombal. Casou com o Conde de Oeynhausen e viajou por Viena, Berlim e Londres. Enviuvou aos 43 anos de idade, vivendo com algumas dificuldades económicas, dificuldades estas que não a impediram de se dedicar à literatura. Adoptou na Arcádia o nome de Alcipe. Traduziu a Arte Poética de Horácio e o Ensaio sobre a Crítica de Pope. É considerada uma poetisa pré-romântica. As suas obras foram publicadas em 1844 em seis volumes com o título genérico de Obras Poéticas.
Bibliografia: Clara Rocha, As Máscaras de Narciso, p. 95. Marquês de Ávila e de Bolama, A Marquesa de Alorna, Lisboa, 1916; João Jardim de Vilhena, A 4.ª Marquesa de Alorna (Alcipe), Coimbra, 1931; Hernâni Cidade, prefácio a Poesias e Inéditos, Sá da Costa, Lisboa, 1941.
In: Projecto Vercial

10 comentários:

  1. Que lindo e rico presente você nos traz no dia considerado o da MULHER! Que mulher tão representativa do gênero feminino (à antiga) é a Marquesa de Alorna. Aqui no Brasil tivemos a Marquesa de , com uma abissal distância da que ora nos apresenta. Obrigada, amiga, vou até compartilhar o "face" e noutras redes, pois bem merece...
    Bom final de semana e beijos,
    da Lúcia

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  2. Leonor foi uma mulher que viveu antes de tempo, acho eu.

    Tenho em lista de espera o livro, premiado, que Teresa Horta escreveu sobre ela.

    Sinceramente, acho que foi uma feliz escolha para este Dia da Mulher, que lhe desejo muito feliz, querida amiga

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  3. Querida amiga
    A minha missão de hoje (nobre missão!) é apresentar parabéns e desejar um muito feliz DIA DA MULHER!
    Um beijo especial pelo dia de hoje.
    Miguel

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  4. Comemora-se hoje mais um dia de... desta vez é o dia da Mulher. Todos os meus amigos sabem o que eu penso destes dias. O que eu gostaria é que todos os dias fossem da mulher, do homem, da criança, do idoso, do doente etc. Ou seja que todos os seres humanos fossem tratados com igualdade e respeito em todos os dias do ano. Porém como sabem isto não passa de uma utopia, recente estudo da APAV, revela que em Portugal 1 em cada 4 mulheres é ou foi vitima de violência. Assim sendo resta-nos aproveitar o dia o melhor possível. E ter esperança que um dia as coisas mudem.
    Um abraço e bom fim de semana

    Gosto do post. Marquesa de Alorna, foi uma das primeiras poetisas de "A mulher e a poesia".

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  5. Boa escolha para este dia considerado dia da mulher. Acho que todos os dias deem ser de respeito à mulher e a todos os outros seres humanos, mas, como infelizmente assim não acontece, é bom que, pelo menos neste, se reflita no que muitas ainda sofre, Um beijinho, amiga e parabéns pela grande mulher que és.
    Emília

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  6. Há dias assim

    comemorativos

    Bjs tantos

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  7. Na época das suas vivências, os recatos das damas impediam-nas de serem tão magnificentes nos seus escritos.
    Jamais saberia "dizer" algo melhor para uma comparação Poética.
    Escolheste bem. Parabéns.


    Beijos


    SOL

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  8. Belo soneto...Espectacular....
    Cumprimentos

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  9. Olá, bom dia. Bom tudo, para você.
    Vim lhe cumprimentar nesta quarta feira com o meu sentimento de amizade e de contentamento. Desejar-te: Paz e paz.
    Um abraço.

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  10. Gostei muito de sua escolha. Os sonetos dela são lindos. Fiquei pensando no tempo em que viveu e em como conseguiu se manifestar assim, em versos. A história nos mostra que a mulher, naquela época, não tinhas suas palavras levadas em consideração, no campo da literatura. Bjs.

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