segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O homem sempre presente


Aqui d'el rei que ele não pára. Hoje está aqui, amanhã no norte, depois de amanhã no sul. Come da marmita,  abraça e beija a plebe, fala de tudo, opina em tudo, dá notícias em primeira mão, dá entrevistas, fala e justifica medidas como se fosse governo, enfim, por esse andar não vai aguentar o ritmo e, mais, está a sair da sua esfera.






E agora? Fazer o quê? Lançar-lhe um anátema, um impeachement? Não podem. Ele está lá por direito próprio. Sendo um homem de leis, isto é, com a sua formação jurídica saberá até onde ir sem extravasar as suas competências, tendo sempre em conta a importância e independência dos três poderes: legislativo, executivo, judicial. A sua forma de estar poderá colidir com o establishment, mas quem, em boa consciência, não gosta de uma lufada de ar fresco, de uma pedrada no charco? Incomoda? Pois, incomoda a muita gente essa disponibilidade toda, essa maneira diferente de estar e de fazer.


Em tempos, nos tempos da troika, cheguei a referir aqui, retiradas da Constituição, as competências do Presidente da República que, além do veto suspensivo que servirá para mostrar o seu desacordo por determinada medida, tem ao seu dispor outros instrumentos de gestão de crise. Será preciso esperar por crises, sejam institucionais, económico-financeiras ou outras para ele se manifestar? Mais vale pôr o dedo na ferida enquanto é tempo e dizer pura e simplesmente: Está morto, este assunto está morto. Vamos avançar. O futuro é que interessa.

Continue assim, Presidente, seja o homem do leme. 
Seja sempre o homem dos afectos que abraça o Universo.

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Imagem:Pixabey

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Um esquecimento...imperdoável?

Bem, nem tanto. Mas um pouco estranho, quand même. Talvez seja porque lá no íntimo sinta que não tenho estado a fazer o suficiente. Como é que me lembrei agora do que devia ter-me lembrado há quase 30 dias? O nosso cérebro, às vezes, tem um jeito muito peculiar para se fazer presente. Esta madrugada senti um baque. O caso não era para tanto, mas foi mesmo assim. Eu não conseguia dormir e sei o motivo. Ao jantar fui tentada a beber café, e fi-lo, a acompanhar uma fatia do bolo que eu tinha feito e a que me tinha esquecido de juntar manteiga. Para me penitenciar disso perante os outros que, com risinhos, diziam: está bom, mas...? Apeteceu-me apenas e o facto de não ter posto manteiga até poderia ser uma coisa boa por causa do colesterol e coisas do género.




Estava assim acordada, a dar voltas e mais voltas e a pensar cá para mim que devia levantar-me quando ouvi um chilreio. Primeiro não muito audível, mas pouco depois aumentou, mesmo ali na minha varanda. Apercebi-me de que se tratava de um passarinho, um rouxinol, um pintassilgo (?). E comecei a pensar se ele não teria saído da gaiola inadvertidamente. Daquilo que ouvia era quase certo que ele se encontrava perdido e queria voltar para casa. Isto de liberdade é uma coisa complicada. À força de se estar preso, nos primeiros tempos é preciso habituarmo-nos à ideia.

Tinham soado grandes trovões e estava a chover muito. Levantei um pouco o estore e vi água a correr como num ribeiro. O meu passarinho continuava o lamento, tive muita pena dele. Pouco a pouco, ouvi-o a afastar-se, longe, mais longe, às tantas já só ouvia um sonzinho de nada que ia e vinha. Mantinha o ouvido alerta. Foi quando me surgiu o pensamento de chofre, aquele baque de que falei acima. E foi assim:


"Ah! Mas, não me lembrei do aniversário do Xaile de Seda, nos idos do mês de Janeiro!" Uma voz segredou-me: não é nos idos, foi no dia 22. Imaginem, esquecer-me assim completamente do meu Xaile. Reconheço que não lhe tenho prestado a atenção devida. Foi um ano de muito pouca produção, teci poucas ou nenhumas considerações sobre o que se passa à minha volta. Não cerzi nem remendei o suficiente e, claro, as fissuras começam a notar-se.




Façam de contas que a imagem só tem 6 queques e, consequentemente 6 velas, pois é esse o número de anos do Xaile de Seda: 6 anos. (Faz-me lembrar o Manel, meu irmão, que no dia seguinte ao do seu aniversário começa logo a dizer que tem mais um ano). 

Esperemos que no decurso deste ano possamos encontrar-nos aqui mais vezes, sinal de que também eu estive mais presente.

Um abraço.

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Imagens: Pixabay  

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Estrela da tarde




Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia. 

       Meu amor, meu amor
       Minha estrela da tarde
       Que o luar te amanheça
       E o meu corpo te guarde.
       Meu amor, meu amor
       Eu não tenho a certeza
       Se tu és a alegria
       Ou se és a tristeza.
       Meu amor, meu amor
       Eu não tenho a certeza! 



Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram. 

       Meu amor, meu amor
       Minha estrela da tarde
       Que o luar te amanheça
       E o meu corpo te guarde.
        (...)

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso se é pranto
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

José Carlos Pereira Ary dos Santos
            (1937-1984)


Ary dos Santos e Carlos do Carmo. Perfeito! Um poema de amor intenso e interpretado também intensamente. E Fernando Tordo? A sua música acompanha as palavras de forma envolvente.  

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Poema: do Citador
Imagem: Pixabey
Video: Youtube  

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Para atravessar contigo o deserto do mundo





Para atravessar contigo o deserto do mundo 
Para enfrentarmos juntos o terror da morte 
Para ver a verdade para perder o medo 
Ao lado dos teus passos caminhei 

Por ti deixei meu reino meu segredo 
Minha rápida noite meu silêncio 
Minha pérola redonda e seu oriente 
Meu espelho minha vida minha imagem 
E abandonei os jardins do paraíso 

Cá fora à luz sem véu do dia duro 
Sem os espelhos vi que estava nua 
E ao descampado se chamava tempo 

Por isso com teus gestos me vestiste 
E aprendi a viver em pleno vento 

Sophia de Mello BreynerAndresen
           1919-2004

 Palavras de Sophia:"Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema». A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». (…) Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava mesmo que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos imanentes (…). É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo." aqui

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Poema do Citador
Imagem: Internet

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Busque Amor novas artes, novo engenho




Busque amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.




Ai, o mal de amor. Quem melhor que Camões o descreve?

A propósito, vá ao blogue Horas extraordinárias onde encontrará notícias recentes deste nosso Poeta maior, mais precisamente, sobre "Os Lusíadas" ou a sua autoria.

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Poema: Lírica camoniana

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Dá-me a tua mão




Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.

José Gomes Ferreira
 

9 Jun 1900 // 8 Fev 1985


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Poema trazido do Citador
Imagem: Pixabey

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Sobre as minhas andanças por Cabo Verde (2)

Parei há dois posts atrás e há não sei quantos dias a narrativa sobre as minhas andanças africanas, mais precisamente, por Cabo Verde. Hoje retomo-a e, já se sabe, não de forma exaustiva mas dando conta apenas de um ou outro episódio, de uma ou outra impressão. Vou reatar a conversa no momento em que saímos de São Vicente vendo à esquerda o Monte Cara, com o Sol nascente lá atrás. Referia, na altura, a circunstância de ser uma fragilzinha no mar, pronta a fazer figuras tristes. 


Ilhéu dos Pássaros (a)

Mas, diga-se a verdade, o mar dessa vez foi muito meu amigo, muito manso e mesmo quando passámos o ilhéu dos Pássaros e me disseram que parecia um mar de azeite arrisquei um olhar, dois olhares e por fim descontraída pude começar a admirar as infindáveis rochas da ilha de Santo Antão, lá ao fundo, apenas uma amostra.



Agora é ao contrário: vemos ao fundo a ilha de São Vicente

Chegados ao Porto Novo, resolvemos tomar o pequeno almoço ali perto. E que iria ser? Cachupa guisada, claro, ovo estrelado, chouriço, café com leite, pão, manteiga, queijo. Uma refeição de respeito e perguntei à minha cabeça ainda mareada se o meu estômago aguentaria essa sobrecarga. Uma vozinha respondeu-me: Ai aguenta, aguenta! Nada que eu desconhecesse. 




Já provaram um pequeno-almoço assim? Mesmo bom.

Quando atravessamos o Porto Novo e começamos a subir, a subir, por estradas escavadas nas rochas com perícia, primorosamente calcetadas, o espectáculo dum lado e do outro intimida. A temperatura começa a mudar e vemo-nos num mundo completamente diferente. 
É quando a estrada estreita deixa de nos oferecer as intermináveis formações rochosas meio despidas de verde, mas continuando lá em cima a tocar o céu. 


Na estrada já ladeada de árvores, a aragem começa logo a exigir um casaquinho, o ar puríssimo, nós por cima das nuvens, não se sabendo bem se estamos a ver outra vez o mar. Mas não. Eram camadas de flocos de algodão, entre um branco diáfano e laivos de azul e rosa.


Era a magia experimentada por todos quantos sobem e descem pela estrada da Corda, construída nos anos 60 do século passado e que atinge a altitude de cerca de 1800 metros em Delgadim, o seu ponto mais estreito. E é um ponto de paragem obrigatória. 



O registo fotográfico referente a Delgadim encontra-se no post anterior: "Reencontro"

E parámos mesmo, subjugados por aquela grandeza, incapazes de captá-la e registá-la em toda a sua essência, a não ser pela concentração, quase em pose de meditação.


A seguir, como a carne é fraca, aproveitámos para servir-nos do farnel que levávamos no Jeep.  E iniciámos a descida para a Ribeira Grande.

Meus amigos, desejo-vos um bom fim de semana.

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Sobre as minhas andanças por Cabo Verde (1) - Clique

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Exceptuando-se a imagem do Ilhéu dos Pássaros (a) que fui buscar ao arrozcatum, todas as outras fotos são produção nossa.