domingo, 30 de junho de 2013

Tempos de reavaliação





Lembro-me do tempo em que procurávamos a explicação das coisas no céu, nas estrelas, nos contos e lendas que inventávamos e que passávamos de geração em geração. Os mais velhos tinham esta função: contar a história dos heróis, do povo, mitos que preenchiam a curiosidade em saber mais sobre todos os fenómenos da natureza e dos homens. Esta busca incessante da verdade acompanhou-nos.

O espanto, a curiosidade fez nascer novas formas de abordagem, construções mentais lógicas mais e mais elaboradas. Primeiramente e durante muito tempo centrada em Deus, de modo a conciliar a fé e a razão, a filosofia que vem substituir a mitologia, mas não totalmente, continua o seu percurso. Vemos o homem ocidental tomar consciência de si, começando a valorizar-se física e culturalmente. Naqueles anos de renascimento vão florescendo ideias com base ainda nos antigos. E os valores e a ética vão sendo construídos, a noção do bem e do mal. Uma invenção como todas as outras anteriores e as que se seguirão. 

Periodicamente tomamo-nos o pulso. Avaliamos se tudo o que se passa se enquadra neste esquema, se na nossa relação com o outro, talvez os parceiros mais fracos, conseguimos impor os nossos valores. Sabemos, aliás, devemos ou devíamos saber que tudo isso é relativo. O que vale para nós pode não valer grande coisa noutro lado qualquer do planeta. Já tivemos disso experiência mas nem sempre somos bons alunos.

Nesta linha, talvez estejamos na altura certa de rever os nossos conceitos, de nos reinventarmos lançando bases para descobrirmos outras veredas, outras fórmulas de sucesso. Muita falta nos fazem pois, na verdade, a cada dia que passa parecemos mais pusilânimes do que nunca, tropeçamos nos nossos próprios pés, faltando-nos ideias salvadoras. 

Todavia, pode ser que afinal eu esteja enganada. Quem sabe se não haverá já por aí a germinar uma forma milagrosa de construirmos um mundo novo...

Imagem: internet  

terça-feira, 11 de junho de 2013

Mensagem - Fernando Pessoa


Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!








Fernando Pessoa

in: Mensagem-Colecção Poesia-Edições Ática - pg 75



Continuando a folhear o livro chego à última página e encontro este lindo poema, o último, na página 106, tão cheio de significado e que parece viajar no tempo, depondo perante os nossos olhos as ânsias que nos consomem:


Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!


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A imagem que considero magnífica retirei-a da internet. Os meus agradecimentos a quem ela pertence.

sábado, 8 de junho de 2013

Santos Populares - Uma tradição tipicamente portuguesa

Num jornal gratuito, colocado na minha caixa de correio, encontrei este texto, título incluído, dedicado às festas dos santos populares. Achei-o interessante porque traça uma panorâmica destes festejos que já se iniciaram em alguns locais, nomeadamente, aqui no recanto onde habito, criando-se assim novas tradições:

Sendo, por excelência, o mês dedicado aos santos populares, junho é sinónino de noites de arraial um pouco por todo o país.

A festa começa na noite de 12 para 13 de junho, com as celebrações de Santo António a atingirem o seu expoente máximo em Lisboa, ou não fosse também o santo padroeiro da capital. De Alfama ao Castelo, um pouco por todos os bairros da zona histórica da cidade, o ar cheira a sardinha assada e a manjerico, a planta tradicional dos santos populares, vendida em pequenos vasos e decorada com uma quadra escrita numa pequena bandeira de papel.







Por esta altura, vários são os arraiais que trazem para a rua centenas de pessoas até de madrugada que, entre um pezinho de dança num ou outro bailarico, lá vão subindo e descendo as emblemáticas ruas sinuosas e as escadinhas inclinadas desta zona da capital, onde não faltam crianças a pedir um "tostãozinho para o Santo António" e altares em sua honra, para além de muita sardinha assada, caldo verde e vinho tinto, para ir aconchegando o estômago ao longo de toda a noite.





Simultaneamente, na Avenida da Liberdade, as coletividades bairristas fazem-se representar nas tradicionais Marchas Populares, uma das mais antigas tradições lisboetas.

Cerca de uma semana depois, de 23 para 24 de junho, é a vez das gentes do Porto animarem as ruas da cidade, celebrando o São João, sempre com o tradicional alho-porro ou martelinho de plástico em punho, para ir batendo, em jeito de brincadeira, na cabeça de quem passa.





Durante toda a noite, os foliões vão-se movimentando de freguesia em freguesia, animando os tradicionais arraiais, onde, tal como acontece em Lisboa, não falta o perfume a manjerico no ar, a sardinha assada, o caldo verde e o vinho tinto. À meia noite, no rio Douro, junto à ponte Dom Luís, surge um dos momentos altos da festa, um majestoso fogo de artifício que dura cerca de 15 minutos, para delícia de todos quantos assistem.

O mês termina com a festa em honra de São Pedro, de 28 para 29 de junho, com arraiais em várias localidades, um pouco por todo o país, encerrando assim um mês dedicado aos santos populares.

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Agora vem o resto, mas da minha lavra. Aceito perfeitamente o título dado ao artigo mas saberá alguém as origens destas festas? Afianço-vos que não procurei nada, portanto toda a colaboração será bem-vinda. E já agora tragam também algumas quadras.

E aqui vai uma, originalíssima:  :))


É noite de Santo António
Estalam foguetes no ar;
Põe o manjerico à janela
E vem para a rua dançar.


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Contributos em relação às origens das festas:


Da minha 'xará' Teresa:

Eu acho que estas festas têm origem nas velhas festas pagãs do solstício de verão, não é? Seja como for, são uma época maravilhosa da cidade.

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Do amigo jorge esteves:

Os 'santos populares', um pouco disseminados por todos o país, afinal não são mais do que apropriações das ancestrais festividades pagãs do solstício de Verão. No Porto (o que melhor conheço, diga-se) a variedade dos festejos é imensa. Alguma, lamentavelmente, já perdida. Um pormenor, entre os mais, que acho interessantíssimo e ainda se conserva bem vivo, é o versejar, a criação de quadras que, sob os mais variados temas, nos mostram de modo eloquente, a sagacidade, a ironia e a sabedoria do povo. Por vezes, até porque nos festejos (quase) tudo é brincadeira, não faltam as quadras brejeiras, essas um pouco a fazer-nos lembrar as velhas cantigas de escárnio e mal-dizer.

Deixo, aqui, esta, das premiadas no ano passado:

'Estranha contradição
teve a Maria, que em brasa,
fez a festa sem balão
e foi de balão p'ra casa!...'



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Da mui talentosa e amiga, Maria Emilia Moreira, uma quadra da sua autoria:
Olá Olinda!
Não sei a origem das festas dos Santos Populares! Não vou por-me a inventar.
Deixo uma quadra minha premiada pela Associação Portuguesa de Poetas (fui sócia uns 3 anos).

Atiraste-me orvalhado,
um cravo rubro de mil folhas.
- Sou teu! - dizes no recado.
- Não vou em promessas tolas!


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Obrigada a todos pelos belos comentários aqui deixados, trazendo-nos, cada um deles, um maravilhoso cheirinho das festas em termos locais e, por outro lado, uma visão quase universal.

Beijos

Olinda


Nota:
O texto foi retirado integralmente de 'Dica-Sociedade/6 de junho de 2013'
As imagens retiradas da Internet e a quadra também.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A propósito de João Cabral de Melo Neto, de 'A Palavra Seda', de 'O cão sem plumas' e de 'Morte e Vida Severina'


Queridíssima Olinda, que prazer ler aqui em seu Xaile, o meu poeta maior! João Cabral é para mim o maior dentre todos (repare bem, para mim, questão de escolha e identificação). O poeta que conta o meu Nordeste brasileiro, o Recife, o mangue, os rios que atravessam a cidade ('como a fome atravessa um cão sem plumas' - parte de um outro poema dele, que gosto muito, O Cão sem Plumas), entranhado com influências andaluzas, e elementos catalãs, dado o tempo em que viveu nessas duas regiões de Espanha.

João Cabral é um poeta ácido, cerebral, meticuloso, artífice da palavra, como já pudemos ver nesse excecional A Palavra Seda. Para ele não havia poesia sem transpiração, sem estruturação; a poesia lapidada, burilada, um lirismo carregado de emoção, palavras que correspondem aos sentimentos, aos resultados mais profundos do que há de humano em cada um de nós, e que nem sempre demonstramos ou sabemos como dizê-los, João Cabral, diz. Cabral sabe nos conduzir em seus poemas, como se fôssemos viajantes de primeira viagem, como se o mundo só se descortinasse agora diante de nós.


Inclusive recria para o local, e para o visitante, o Recife tão conhecido de todos, entrecortado por seus quatro principais rios, a vida em suas margens, a morte em suas margens, a miséria de quem vive nas margens, dependurados em palafitas, como se fossem parte natural do cenário; como se nas veias desse homem recifense, nordestino corresse junto com o sangue, a lama e o rio. E sua pele ressecada como a lama que seca quando a estiagem castiga a região, e o leito do rio se torna esquálido, quase vazio...


Por algumas vezes, aventou-se, que um dia a Academia de Oslo iria lhe galardoar com um Nobel de Literatura, em função da importância da sua poesia, infelizmente não aconteceu. A sua poética configura-se entre as maiores do século XX, no Brasil, e também no mundo. Vale a pena dar uma lida em "Morte e Vida Severina", (mais) um grande livro dele, um auto de natal, narra a vida de um retirante, Severino, vindo da Serra da Costela, limites com o estado vizinho, Paraíba. Uma leitura que permite ao leitor, apropriar-se de um Brasil miserável, mas tão real e sofrido como quando da época do seu lançamento. Uma narrativa-denúncia, com um forte cunho social. E eu vou parar de "falar", porque senão eu vou ficar insuportável. É que publicaste um poema do meu nº 01 da poesia, desculpe a minha empolgação, amiga!!

Beijos!

Deixo aqui alguns linkes para a vossa apreciação e apropriação da nossa cultura, para entenderes mais o contexto e o sentido da poética cabralina.

A letra do Chico Buarque para a encenação do musical: http://letras.mus.br/chico-buarque/90799/


O musical completo você pode ver aqui: http://www.youtube.com/watch?v=u3R3s5XeB-w







E o auto aqui: http://www.culturabrasil.pro.br/zip/mortevidaseverina.pdf


Canto da Boca

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Pensam que este comentário foi produzido agora, na publicação de 'O cão sem plumas'? Não, não, isto vem de trás aquando da publicação de 'A Palavra Seda'. Mas já antes Canto da Boca nos tinha falado de João Cabral de Melo Neto e da sua escrita, quando publiquei 'O Advento', de Jorge Luís Borges, argentino, que, por sinal, ela própria nos indicara. Como vêem neste entrelaçamento a cumplicidade e o intercâmbio se tecem. Ou isto não seria o Xaile de Seda, um xaile que, a cada dia, se vai tecendo...

Obrigada, Canto.

Olinda

terça-feira, 4 de junho de 2013

O cão sem plumas

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
Abre-se em flores
pobres e negras
como negros.
Abre-se numa flora
suja e mais mendiga
como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
de folhas duras e crespos
como um negro.
Liso como o ventre de uma cadela fecunda,
o rio cresce
sem nunca explodir.
Tem, o rio,
um parto fluente e invertebrado
como o de uma cadela.
E jamais o vi ferver
(como ferve
o pão que fermenta).
Em silêncio,
o rio carrega sua fecundidade pobre,
grávido de terra negra.
Em silêncio se dá:
em capas de terra negra, 
em botinas ou luvas de terra negra
para o pé ou a mão
que mergulha.
Como às vezes
passa com os cães,
parecia o rio estagnar-se.
Suas águas fluíam então
mais densas e mornas;
fluíam com as ondas
densas e mornas
de uma cobra.
Ele tinha algo, então,
da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.
Algo da estagnação
dos palácios cariados,
comidos
de mofo e erva-de-passarinho.
Algo da estagnação
das árvores obesas
pingando os mil açucares
das salas de jantar pernambucanas,
por onde se veio arrastando.
(É nelas,
mas de costas para o rio,
que “as grandes famílias espirituais” da cidade
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-las a revolver viciosamente
seus caldeirões
de preguiça viscosa).
Seria a água daquele rio
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?
Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?

João Cabral de Melo Neto


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Mais um poeta brasileiro que aqui nos chega pela mão de Canto da Boca.
Realmente, foi através de indicações suas, em livro postado no seu blogue e aqui em comentários, que cheguei a este poeta e a este poema.
Aliás, este é o segundo poema que aqui publico. O primeiro foi 'A Palavra Seda'.

Muito obrigada, amiga.

Olinda 



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O cão sem plumas, 1949-1950:Ver análise e poema na íntegra: aqui

sábado, 1 de junho de 2013

Luis Carlos de Bourbon

Encontrei este menino nas minhas andanças pela França do Século XVIII. Um menino como qualquer outro que só precisava de colo. Chamava-se Luís Carlos. Preso juntamente com os pais, Luis XVI e Maria Antonieta, ambos guilhotinados, permaneceria na Prisão do Templo onde viria a falecer com apenas 10 anos, vítima de maus tratos.


Louis Charles of France5.jpg


Após a morte do pai seria proclamado rei pelos monárquicos exilados e reconhecido como tal pelos governantes das potências europeias de então. Nas suas costas carregaria todos os pecados do seu mundo, pagaria de uma forma quase anónima por tudo aquilo que a Revolução Francesa de 1789 reclamava, maltratado física e psicologicamente pelo seu carcereiro, um homem chamado Antoine Simon.

A este respeito pode ler-se aqui:

En la prisión sufrió un intento de reeducación republicana por parte de Antoine Simon. Entre palizas y torturas, Simon lo forzaba a beber grandes cantidades de alcohol y lo obligó a cantar La Marsellesa portando un bonete de sans-culotte. Era amenazado repetidas veces con la guillotina, lo que le causaba desmayos. Le dijeron que sus padres aún vivían, pero que ya no le amaban. Después de la partida de Simon, fue aislado en una celda secreta durante seis meses sin contacto humano alguno y con unas nefastas condiciones higiénicas. Probablemente murió de peritonitis tuberculósica o de escrófula, el 8 de junio de 1795 en el Temple. Durante la autopsia se observó que su cuerpo estaba consumido por tumores y sarna y que había sufrido una total desnutrición, manifestada en una extrema delgadez. El cuerpo fue inhumado en una fosa del cementerio de Santa Margarita de París, sin indicativo alguno de que allí reposaba, salvo una gran "D" de Delfín pintada en el ataúd.




Luís Carlos de Bourbon - Luís XVII, Rei de França e de Navarra, co-príncipe de Andorra,Conde da Provença, Conde de Valentinois, Conde de Diois, Conde de Barcelona, Conde de Cerdagne, Conde de Rousillon, Conde de Forcalquier e das ilhas adjacentes e Delfim do Viennois,



Afinal, uma pobre criança abandonada à sua sorte e que só pedia um pouco de amor...



Imagens:Internet
títulos retirados de aqui