terça-feira, 29 de setembro de 2015

Solemnia Verba

Disse ao meu coração: Olha por quantos 
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura, fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E a noite, onde foi luz a Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,




Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se isto é vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.

Antero de Quental, in "Sonetos"

O desengano e a dor, presentes até ao limite na vida do autor.

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Poema: Citador
Imagem: aqui 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

"Estratégia de proteção ao idoso"




Trata-se de um plano constante da Resolução nº 63/2015, de 25 de Agosto, para cercear os abusos cometidos contra idosos por familiares e terceiros. Diz-se que entra hoje em vigor mas que terá de voltar ao Parlamento na próxima legislatura, para a devida alteração ao Código Penal.

Assim seja. Já tardava!

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Vide notícias:
aquiaqui, aqui e aqui
Imagem:Pixabay

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Magro, de olhos azuis, carão moreno, triste de facha, o mesmo de figura, nariz alto no meio, e não pequeno...



...

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.*

Assim se apresenta este nosso poeta, mas não fica por aqui. Ora, leiam isto:

De cerúleo gabão não bem coberto,
Passeia em Santarém chuchado moço,
Mantido às vezes de sucinto almoço,
De ceia casual, jantar incerto;

Dos esburgados peitos quase aberto,
Versos impinge por miúdo e grosso.
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto.

Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!
Que tendo um coração como estalage,
Vão nele acomodando a mil pexotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto: é o Bocage!

Sim, é o Bocage, Manuel Maria Barbosa du Bocage, que todos nós julgamos conhecer muito bem, identificando-o, normalmente, com o seu lado brejeiro e anedótico, mas cuja essência muitas vezes nos escapa. Uma forte presença na literatura portuguesa do Sec.XIX, situando-se no período de transição do clássico para o romântico é também muito duro consigo próprio quando julga a sua obra:

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.

Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.


Pois bem, hoje, 15 de Setembro, é feriado em Setúbal em homenagem ao filho da terra, nascido em 1765. Hoje é dia de Bocage e da Cidade. E lê-se aqui que as actividades em comemoração dos 250 anos do seu nascimento vão ser muitíssimas, estendendo-se até 16 de Setembro de 2016.

De referir que, A sessão solene de abertura das Comemorações dos 250 Anos do Nascimento de Bocage está agendada para as 16h00, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, durante a qual é apresentada oficialmente a comissão de honra do programa comemorativo, e que O livro “Bocage – A Imagem e o Verbo”, de Daniel Pires, investigador que dedicou vários estudos à vida e obra do poeta, é apresentado às 17h00, na Casa da Cultura.


Entretanto, passeemos, virtualmente, pela Biblioteca Nacional numa visita a este poeta sadino, através de um trabalho realizado em 2005 sob o título "Eis Bocage...duzentos anos depois" (1765/1805), e atentemos, por exemplo, no mote deste capítulo, que o apresenta como O Poeta da Liberdade:

                      "Reclama o teu poder e os teus direitos
                       Da Justiça despótica extorquidos."

E não se esqueçam que Setúbal está uma cidade bastante apelativa, a modernizar-se, com muitos focos de interesse não só para os turistas como para os naturais da terra.

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*As palavras do título e os versos que se encontram a seguir à imagem, são excertos do soneto que poderá ler na íntegra aqui
2ª imagem: 
Estátua do poeta na cidade de Setúbal 

sábado, 12 de setembro de 2015

Júlio Dinis ou Diana de Aveleda ou ainda...

Joaquim Guilherme Gomes Coelho de seu nome. Escritor e médico, nascido em 1839. Morreu jovem, em 12 de Setembro de 1871, a dois meses de completar 32 anos, vítima da tuberculose. É o homem de quem Eça de Queirós disse, ao que consta:"Júlio Dinis viveu leve, escreveu de leve, morreu de leve". Não percebo o alcance destas palavras, assim arrancadas do seu contexto. Para mim como para qualquer pessoa que tenha lido os seus livros, Júlio Dinis é um autor de referência pelo seu humanismo e forma sadia como enfrentava a vida.



O primeiro livro que dele li foi A Morgadinha dos Canaviais, teria eu doze anos. Hoje convido-vos a lê-lo ou a relê-lo comigo. 
Aos poucos, fui tomando contacto com os outros títulos através da minha mãe que tinha o hábito de, muitas vezes, ler em voz alta. De vez em quando dou por mim a fazer o mesmo, quase inconscientemente.

Aproveito esta data para referir a suma importância da descoberta, em 1882, do bacilo da tuberculose por Robert Koch, doença infecto-contagiosa que causara tantas mortes. Ainda hoje chegam-nos notícias de casos que nos preocupam, por cá, em instituições hospitalares ou outras e ainda da falta da BCG, uma das vacinas da primeira infância. Todo o cuidado é pouco. Não facilitemos.

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Imagem: daqui


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Nobre povo, Nação valente




Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes (Voyants no sentido de Rimbaud) e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos.

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Então João Gouveia abandonou o recosto do banco de pedra e teso na estrada, com o coco à banda, reabotoando a sobrecasaca, como sempre que estabelecia um resumo:

- Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês, sabe o Sr.Padre Soeiro quem ele me lembra?
- Quem?
- Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que notou o Sr. Padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua idéia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?... A imaginação que o leva sempre a exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que o acovarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa... Até aquela antigüidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?
- Quem?...
- Portugal.



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Jornal das Letras, mas tendo como fonte "Portugal - identidade e imagem" in "Nós e a Europa ou as duas razões", por Eduardo Lourenço (1988) 
Jornal de Letras, Artes e Ideias / 20030904.
In:Citador
Imagem:daqui

2º texto
Excerto de "A Ilustre Casa de Ramires". Poderá ler este livro aqui

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Teatro Nacional D. Maria II - Entrada Livre

Acontece nos dias 11, 12 e 13 do corrente mês, isto é, sexta, sábado e domingo. E dizem-nos que a iniciativa "Entrada livre" não é apenas porque os bilhetes são gratuitos mas porque o gesto de entrar num teatro nacional e fruir da criação artística é, mais do que um direito ou um dever, um gesto de liberdade. Lindo, não é? Ainda por cima com estreias. 






E são:

Espectáculos: Ifigénia, Agamémnon e Electra, de Tiago Rodrigues.
Colecção de Amantes, de Raquel André.

Mas não ficam por aqui as actividades: Na varanda do teatro haverá concertos, peças infantis, exposições e livros.

No dia 13, a encerrar teremos "74 Eunices" em homenagem a Eunice Muñoz, e, como o título deixa adivinhar, estarão 74 actrizes em cena. Elas dizem falas de textos que outrora foram ditas por Eunice Muñoz na Sala Garrett, onde, em 1941, fez a sua estreia no teatro. Várias surpresas, entre as quais o lançamento de um livro de Vítor Pavão dos Santos, que reúne diversas conversas com a atriz, farão parte deste momento que se espera memorável.

Veja como adquirir os bilhetes aqui.





E como hoje ainda é terça-feira temos tempo mais do que suficiente para programar tudo e arranjar um tempinho para um dia diferente, com as crianças ou com alguém de quem gostamos. 

As pancadas de Molière esperam por nós, mote para início do espectáculo.

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Imagens:Eunice Muñoz e Teatro Nacional D.Maria II-Internet

sábado, 5 de setembro de 2015

Estar só é estar no íntimo do mundo




Por vezes cada objecto se ilumina 
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo

António Ramos Rosa
    1924-2013

Poeta, crítico literário, ensaísta, tradutor, desenhador.

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Poema: daqui
Imagem: Desenho de António Ramos Rosa

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Que linda falua que lá vem lá vem





Que nenhuma mãe tenha a angústia de deixar um filho para trás. Que todos os filhos tenham a dita de receber os cuidados e o carinho de sua mãe. Que nenhum pai se sinta impotente na preservação da vida dos seus. Que todos os meninos, do mundo inteiro, tenham o direito à infância, de adormecer ao som de canções de embalar.

Nesta actualidade repleta de horrores, precisamente quando julgávamos já ter alcançado um estádio de evolução significativo, teremos de parar e pensar, reflectir sobre o que deveremos fazer para que haja neste nosso planeta um lugar para todos. Que a Felicidade não seja uma palavra vã. 

Tenhamos presente um lema a perseguir: Partilhar, repartir, seja em amor seja em bens materiais.

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Video: canções de embalar:youtube