quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Teófilo Sonnemberg - Onde é que esteve este homem escondido até agora?

Uma voz escondida por detrás de outros sucessos...ajudando a outros a serem bem sucedidos no mundo da música. Agora Teófilo Sonnemberg resolveu sair do quase anonimato e encantar-nos com a sua voz maravilhosa, no concurso FACTOR X, da Sic. Ora oiçam-no, em especial, no tema 'Chuva', ao minuto 6.02:




Confesso que fiquei emocionada. Muito poucas vezes temos a sorte de encontrar na vida um talento destes. Um músico completo. Que ele consiga singrar e fazer carreira como bem merece. E possamos nós ter acesso a trabalhos seus, sinal de que as discográficas irão apostar nele.


Parabéns, Berg!


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

a leitura dos dias faz-se a partir de vitrais de água...





a leitura dos dias faz-se a partir de vitrais de água
e sombra de palavras
paisagens cidades descobertas algures sobre os dedos
estrangulados na incerteza mineral da noite
onde o cansaço me devora impedindo-me de prosseguir

e ao aproximar-me do centro vertiginoso da página
o movimento da mão torna-se lento e a caligrafia meticulosa
a sede devassa a escassez dos corpos
o monólogo embate
despenha-se pelas brancas margens da desolação

o enigma de escrever para me manter vivo
a memória desaguando a pouco e pouco no esquecimento perfeito
para que nada sobreviva fora deste corpo viandante

vou assinalar os percursos da ausência e as visões
doutros lugares de sossegados amarantos...alimentar a escrita
com o sangue de cidades e de facas engorduradas
onde os corpos adquirem a violência noctívaga da fala
desfazendo-se depois na carícia viscosa dos néons

mas existe sempre um qualquer lume eterno
um coração feliz à esquina dos sonhos
surge o deserto que toda a noite procurei
está em cima desta mesa de trabalho no meio de palavras
donde nascem indecifráveis sinais...irrompe
o movimento doutro corpo colado ao aparo da caneta
desprende-se da folha de papel agride-me e foge
deixando-me as mãos tolhidas num fio de tinta


In 'O Medo'


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Alberto Raposo Pidwell Tavares, (1948-1997) um meteoro na poesia portuguesa do século XX. De formação artística, desenho, pintura.Um expatriado voluntário fixando-se em Bruxelas e um viajante (Sardenha, Córsega, Sicília, Grécia, Málaga, Catalunha e Amesterdão). Escreve em francês. Assume-se como autor de textos literários. Regressa definitivamente em 1975 a Portugal e escreve o seu primeiro livro em português: À Procura do Vento num Jardim d'Agosto. Morreu vítima de cancro, no dia 13 de Junho de 1997. Meses antes, no Coliseu dos Recreios (Lisboa), tinha anunciado esse dia: "caminho com os braços levantados, e com a ponta dos dedos acendo o firmamento da alma/ espero que o vento passe... escuro, lento, então, entrarei nele, cintilante, leve... e desapareço."  

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Deixo-vos com Al Berto. Um poeta intenso. Deste seu poema destaco estes versos e faço-os meus:

          mas existe sempre um qualquer lume eterno
          um coração feliz à esquina dos sonhos

Da minha parte, procurarei dobrar essa esquina e ombrear com os meus sonhos. Será importante concretizá-los? Não sei. Enquanto sonhos alimentam-nos e levam-nos sempre com o espírito alto, olhando mais e mais além... 
É onde reside a grandeza dos poetas. A partir das suas criações poderemos recriar mil e uma situações, interpretações, adaptações. E está tudo ali ao nosso dispor.


E já chove. Também faz falta, não é?

Abraço

Olinda

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Que coisa morreu na minha infância e está lá a ser eu?




Alguém atrás de ti

Como no sonho dum sonho, arde 
na mão fechada de Deus o que passou. 
É cada vez mais tarde 
onde o que eu fui sou. 

Que coisa morreu 
na minha infância 
e está lá a ser eu? 
A lâmpada do quarto? A criança? 

Em quem tudo isto 
a si próprio se sente? 
Também aquele que escreve 
é escrito para sempre. 

Manuel António Pina
    1943-2012




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Manuel António Pina vai ser recordado num livro com desenhos e pinturas da autoria de Agostinho Santos e textos de amigos sobre o poeta e jornalista, a lançar no sábado, no dia em que se cumpre um ano da sua morte. Mais aqui ...

Em tempo:

Ver: O Senhor Pina, de Álvaro Magalhães, com ilustrações de Luiz Darocha, lançamento a 18 de Novembro, data de aniversário de Manuel António Pina.







Imagens: Net

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ilhas de bruma - Afonso Lopes Vieira





SAUDADES TRÁGICO-MARÍTIMAS

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Naufraguei cem vezes já...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Escuto em mim, – oiço a grita
da rude gente aflita:
– Senhor Deus, misericórdia!
– Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
– Senhor Deus, misericórdia!
– Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no bulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim, além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ah! Deus por certo conhece
minha voz que se ergue, branca e sozinha,
– flor de angústia a subir aos céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu halo...
Rezam em mim os outros que rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei chorá-lo
com lágrimas de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ó meu amor, repara
nos meus olhos, na sua mágoa clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem fim
o além, em mim...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar

     1878-1946


Imagem:net

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Agora as Palavras - Eugénio de Andrade

Obedecem-me agora muito menos
agora as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?

Eugénio de Andrade


***


Ah, paroles, paroles, paroles... caro Eugénio. Já nada é como dantes, quando as palavras queriam dizer aquilo que queríamos mesmo dizer, não é? Agora os que nos governam escondem-se atrás delas com mil intenções, algumas indizíveis, de tal modo que procuram construções esquisitas para nos baralharem. Sabe, meu caro, o que quer dizer condição de recursos? Pois. E pensava o meu amigo que tinha um problema... Pode crer que as suas Palavras são, e continuarão a ser, ouro do mais puro quilate.


Mas, ouçamos estes dois. Eles sabem bem o que dizem: coisas do coração, coisas que entendemos.





     

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Stacey Kent - The Changing Lights

Stacey Kent é um dos exemplos de que a música é um bem universal. Ouvimo-la e temos a certeza de que até a barreira que o idioma poderia representar deixa de existir. Esta norte-americana apaixonada pela música brasileira, que conheceu através de João Gilberto, e pela língua portuguesa, neste seu 'The Changing Lights', além de poemas em inglês também canta poemas de autores brasileiros, melhor dizendo, bossa nova. 

Ouçamo-la em 'Samba de uma nota só' ou 'One note samba', versão desta criação do saudoso Tom Jobim:





Ou então, 'Mais uma vez', interpretada, neste caso, em português. Vale a pena ouvi-la até ao fim:




Stacey Kent vem a Portugal e, a partir do dia 8, vai actuar em vários locais, nomeadamente, no Coliseu do Porto e no Centro Cultural de Belém - Lisboa.

Deixo aqui o link do video onde ela fala deste seu trabalho e do que a motiva.

É notável como a bossa nova e a palavra saudade deixaram nela a sua marca.

  

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A arte das musas - a Música*

A Música com os seus tempos longos, breves, semi-breves, pausas...um mundo de emoções, baseada em sons, em todos os sons da natureza, em todas as gradações da voz humana. Mas a música vocal terá surgido antes ou depois das batidas com bastões ou percussões corporais? Sabe-se lá! O que interessa é que o facto de não se  saber música, isto é, ler ou escrever uma pauta musical não obsta a que ela tome conta de nós, seja trauteando e batendo o pé em ritmos compassados ou ganhando asas... 

Uma música que, para mim, poderá representar um bom exemplo de tempos e ritmo, é esta, La Valse à Mille Temps, conhecida de toda a gente, interpretada pelo imortal Jacques Brel, e que nos leva a um ritmo simplesmente louco:


  
  


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Valsemos pois... E cantemos.

Mas, voltarei a este tema, ao tema da música. Quando? Não sei ainda... :)

Desejo a todos uma excelente semana.

Abraço

Olinda

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Letra - aqui

* Música