sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por todos os caminhos do mundo


A minha poesia é assim como uma vida que vagueia 
                                                    pelo mundo, 
por todos os caminhos do mundo, 
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho, 
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar 
                                   num jardim nocturno, 

ora um deserto que o simum veio modificar, 
ora a miragem de se estar perto do oásis, 
ora os pés cansados, sem forças para além. 

Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe 
                                     o rumo e a hora de o atingir, 
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado 
de que a tempestade não lhe abalará o palácio, 
a doçura de quem nada tem a regatear, 
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar. 

Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo 
norte. 
Que ninguém me peça nada. Nada. 
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia, 
com a minha noite que nem sempre é noite 
como a alma quer. 

Não sei caminhos de cor. 

Fernando Namora 

in 'Mar de Sargaços'


Adenda

Fernando Namora


Há muito tempo que não lia nada dele. Ontem encontrei este poema. Preferi não consultar pormenores acerca da sua biografia e conservar as sensações que a leitura deste poema me transmite. 

Falando ele na primeira pessoa, parece, à primeira vista, um cidadão do mundo, que viaja ao sabor dos elementos, sem ideias preconcebidas, sem planos e aceitando tudo o que vier, de coração aberto e alma lavada.

Mas à medida que leio, vejo que evidencia um espírito solitário, numa descoberta de si mesmo mas sem se sujeitar a normas, sem a obrigação de apresentar soluções.

Como um artista que se dedica à pintura ou à escultura ou à escrita, não quer compromissos, abomina prazos, afasta exigências de qualquer tipo e vai colocando os pés em caminhos que ainda estão por desbravar.

Será? Aqui vos espero para mais este momento de leitura.

P.S. Só agora, às 17 horas, termino este post, porque quando inseri o poema já era um bocado tarde. Há um galo aqui nas redondezas que me alertou para o adiantado da hora, embora ache que ele exagera um pouco...

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Fugit irreparabile tempus

Dizia Virgínia Woolf que é sempre indiscreto mencionar os nossos afectos. Pode ser indiscreto mas é, se calhar, inevitável. Como é bom descobrir uma poesia, um poeta, um texto pelos quais se sente admiração (genuína) e, ao mesmo tempo, afecto (irresistível)! A poesia (e nela incluo os belos poemas em prosa que são parte dela) de Eduardo Bettencourt Pinto, este livro, em particular - Um Dia Qualquer em Junho - é um motivo singular de admiração e afecto. Admira-se e gosta-se, isto é, sentimo-nos bem a admirar e admiramos aquilo de que gostamos. Convergências assim são mais raras do que se pensa.

Pego nestas palavras de Eugénio Lisboa, com as quais ele inicia o prefácio ao livro referido, e faço-as minhas ao mesmo tempo que o abro na página sessenta e um que contém este poema:

Fugit irreparabile tempus*

As tábuas das palavras, ei-las,
secas,
de tanto sol,
dos sibilantes espíritos do mar,
do voo raso de pombos bravos,
das mulheres bordando rosas de sal
enquanto escutam nas mãos
o germinar da terra, os filhos
duma aparição.
As cigarras acoitam aqui o canto, as noites
enluaradas.
Construo com elas a casa do sul,
a dor e o júbilo das monções, nomes de barro
resgatados ao martírio e ao êxodo do olhar,
 a vasta ressonância dos apelos,
atravesso as dunas e as cidades, 
os vidros embaciados dos sonhos,
este difícil ofício de ser homem
na grande e branca varanda de setembro,
o verão quase no fim.

*(Virgílio, Geórgicas) 

Na irreversibilidade da passagem do tempo, ao longo dos tempos, a renovação das ideias tem sido uma constante, indo nós buscar, não poucas vezes, inspiração ao passado. E em todos os tempos, momentos houve em que o colapso desta capacidade do ser humano pareceu iminente. Como agora, em que nos enrodilhámos num círculo vicioso, a nível mundial, embasbacados atrás dum só objectivo: o materialismo aliado ao vazio de sentimentos e de valores. Um tempo perigoso em que o mais pequeno deslize, o detalhe dum ecce homo desfigurado galvaniza o mundo. Um tempo em que a banalização da guerra e notícias de vítimas inocentes perecendo irremediavelmente em ataques fratricidas entram na ordem do dia.

É tempo de consciencialização e de instrospecção. Reverdeçam palavras de amor e de fraternidade. Recordemos o nosso ofício de seres racionais, amoráveis e viajantes do espaço, refazendo o percurso da estrada de damasco, a outra, de há dois mil anos - instantes de luz e inspiração...

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Coisas que nos interessam

Resolvi aceder, agora, ao DRE e encontrei alguns diplomas que poderão interessar-nos a todos em geral ou a alguns em particular. Prometo não transformar isto num hábito até porque nem sempre se tem disposição para isto de leis. Mas, mais vale estarmos informados do que o contrário... Diz quem sabe que o desconhecimento da Lei não nos livra de responsabilidades e sanções. Dura lex sed lex... 


Assembleia da República
Estatuto do Dador de Sangue

Ministério das Finanças
Aprova o novo modelo do cartão de contribuinte e revoga a Portaria n.º 377/2003, de 10 de maio

Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 108/2010, de 13 de outubro, que define o regime jurídico das medidas necessárias para garantir o bom estado ambiental do meio marinho até 2020

Ministério da Solidariedade e da Segurança Social
Estabelece as normas de execução da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, que institui o rendimento social de inserção e procede à fixação do valor do rendimento social de inserção (RSI)

Clicai no verde, meus amigos, se assim o entenderdes... :)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Um sorriso por um livro

Caríssimos: 

Submersa em alguns afazeres inadiáveis, estive, nestes últimos dias, um pouco ausente do blog. Assim, não respondi ainda aos interessantes comentários que o meu último post mereceu da vossa parte, o que farei em breve. A vossa companhia é-me preciosa neste meu divagar, tão necessária ao espírito como o mais fino manjar.

E, neste nosso encontro com as palavras verificamos que, na sua viagem através dos tempos, elas vão tomando roupagens, enfeites e coloração diferentes, de conformidade com as transformações sociais e mentais. É o que nos mantém atentos nas línguas vivas, que recebem contributos diários, quase imperceptíveis, e que vão burilando novas competências, novas formas de encarar a vida e o mundo.

Há dias assim, dias em que encontramos as palavras jogando um jogo autêntico, simples e revitalizador. Um sorriso por um livro é uma expressão, que, por si só, nos faz antever caras felizes, momentos de solidariedade, de construção e reconstrução de conceitos que andam um pouco esquecidos. Um sorriso tem a força e a magia de abrir portas, de motivar, de escalar montanhas. Acompanhado de um livro, então, voa para lá da nossa imaginação...    

A feliz expressão e respectiva imagem, dizem respeito à campanha de recolha e distribuição de livros escolares usados, levada a cabo pelo município de Loures, nestes termos:

Bolsa de Manuais Escolares  

“Um Sorriso por Um Livro” é o nome da Campanha Municipal de Recolha e Distribuição de Manuais Escolares da Câmara Municipal de Loures. Se tiver livros escolares que já não sirvam, poderá cedê-los à Bolsa de Manuais Escolares para que outros estudantes possam vir a beneficiar dos mesmos.
Esta campanha destina-se aos estudantes residentes no Município de Loures, do 1.º ao 12.º anos de escolaridade, e filhos dos trabalhadores da Autarquia e dos Serviços Municipalizados.
Em cada regresso às aulas, os livros escolares consomem uma pesada fatia do orçamento doméstico, atingindo valores elevados para muitas famílias. O projeto “Um Sorriso por Um Livro” abarca as vertentes económica, ecológica e solidária, estimulando a partilha e a solidariedade social.

No ano passado falei aqui da campanha de entrega de livros escolares, da iniciativa de alguns municípios, nomeadamente do de Seixal. Gesto meritório pelo aproveitamento de material em bom estado que, assim não sendo, iria para o lixo como, aliás, vinha acontecendo a nível nacional.


Meus amigos, a seguir, rumarei aos vossos blogs para actualizar as minhas leituras...


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Para que servem os bancos?

Para as pessoas se sentarem, dir-me-ão. Concordo. E há tantas e tantas situações que nos levam a sentar-nos num banco, num banco de jardim, por exemplo. Seja porque estamos cansados, velhos e gastos e apetece-nos encostar a bengala, recuperar o fôlego e ver a vida a passar. Ou porque somos crianças, depois de tanto pular e saltar sabe bem encostarmo-nos a eles, ainda que continuemos a atirar a bola indo num instante buscá-la. Porque somos jovens e apetece-nos enlaçar o nosso par e namorar. Ou também para uma cavaqueira entre amigos, enfim... O certo é que eles nos oferecem um certo bem-estar, dependendo a sua intensidade e qualidade do facto de terem encosto ou não. 


  

Depois há os outros bancos. Diz-se que estes derivam daqueles, com fundas raízes no léxico germânico. Polissemia ou homonímia? Minudências linguísticas... Diz-se ainda que os nossos antepassados com inspiração para este tipo de negócio iniciaram-se com transacções fiduciárias sentados em bancos ou encostados a bancadas. As estruturas sofisticadas que conhecemos por instituições bancárias, viriam depois.

Agrada-me este aproveitamento e familiaridade com o banco, na versão, estabelecimento bancário, porque o idealizo como um lugar seguro onde depositamos as nossas poupanças, fazemos os nossos empréstimos e recebemos ou pagamos os juros devidos, sempre na base do preço justo. Além disso, não teremos de o salvar de naufrágios por incúria e má visão dos seus gestores, antes pelo contrário. E se assim não é, salve-se ao menos a utopia...

Imagem:Internet

terça-feira, 14 de agosto de 2012

No peito vai-me um país...


Viva quem canta

Já que aqui estou
vou-lhes agora contar
de mil passos feitos vida
de uma vida atribulada
desta vida de cantar

Se sobrar peito
depois de mil melodias
depois de tantas palavras
tantas terras tanta’stradas
tantas noites tantos dias

Viva quem canta
que quem canta é quem diz
quem diz o que vai no peito
no peito vai-me um país


No Algarve mandei bailes
toquei adufes na Beira
em Trás-os-Montes aprendi
a bombar como um Zé Pereira
mundo fora dei abraços
nos Açores e na Madeira
deixei amigos do peito
e em casa cantei na eira

Viva quem canta
que quem canta é quem diz
quem diz o que vai no peito
no peito vai-me um país
trago no peito malhões
toquei rondas de caminho
no Douro aprendi Janeiras
dancei as chulas no Minho

No Alentejo fica o peito
da planície de cantar
no fado colhi o jeito
de um país por inventar

Viva quem canta
que quem canta é quem diz
quem diz o que vai no peito
no peito vai-me um país

Cantei no alto de um monte
num tractor ou num celeiro
para vinte ou vinte mil
das palavras fiz viveiro
p´ra quem canta por cantar
pouco mais se pediria
mas quem canta para sentir
para explicar-se e para ser
pensem só quanto haveria
ainda para dizer…

Viva quem canta…


Clic


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Aqui estou eu, portanto


    AQUI ESTOU eu, portanto
o criado para as pequenas Korés e as ilhas Egeu;
    o amante das cabriolas dos cabritos,
o iniciado das folhas de oliveira;
    o bebe-sol  e mata-gafanhotos.

Eis-me aqui frente
    ao negro vestido dos fanáticos
e à irritação do ventre vazio dos anos
    que abortou os seus filhos!

O vento desata os elementos e o trovão assalta os montes.
    Destino dos inocentes, eis-te de novo só, tu, nos Estreitos!

Nos Estreitos abri as mãos.
    Nos Estreitos esvaziei as mãos
e não vi outra riqueza nem ouvi outra riqueza
    que o correr das frias fontes.

Romãs ou Zéfiros ou Beijos.
    «Cada um com as suas armas», disse:
Nos Estreitos abrirei as minhas romãs.
    Nos Estreitos porei de sentinela os zéfiros,
Libertarei os antigos beijos que o meu desejo santificou!

    O Vento desata os elementos e o trovão assalta os montes.
Destino dos inocentes, és o meu próprio Destino!

Punica granatum
                     
Koré - Sec.VI a.c.               

Poema de: Odysséas Elytis (1911-1995) - Louvada Seja (Áxion Estí) - tradução e posfácio de Manuel Resende. In Poemário 2012. -Imagens - internet. (Zéfiro-ver)
O ano de 1996 também consta, na net, como sendo o ano da sua morte...

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Manel dixit

Com os Jogos Olímpicos a decorrerem, dá gosto olhar para aquelas figuras ágeis e musculosas a comandarem o corpo nos exercícios mais audaciosos que se pode imaginar o que, aliás, está à vista de todos. Uma pessoa fica a pensar nas imensas possibilidades do ser humano, bastando para isso força de vontade e muito treino.

Com um olho nas ditas figuras e suas deambulações regradas e programadas e outro olho na estante que estava a arrumar, encontrei no meio de um livro umas folhas manuscritas, do meu irmão Manel, nas quais ele me incentivava, há uns aninhos, a dispensar alguns minutos do meu dia ao exercício físico. Assim, partilho convosco estes incentivos para criar músculo, e hoje, segunda-feira, é um bom dia para começar com estes bons propósitos:  


Treinos quotidianos, breves, para pessoas sedentárias

Quem estiver disposto a dedicar um quarto de hora de cada dia para a conservação da sua saúde, deve praticar os seguintes exercícios, que têm uma acção benéfica nos planos físico e psíquico:

1.     Expirar profundamente 10 vezes; aparecerá então, espontaneamente, um forte movimento de inspiração.

2.   Joelhos flectidos, virar o tronco, agitar os braços como asas e balançar nas pontas dos pés para fazer trabalhar todos os músculos, tendões e articulações.

 Lindo! Mas não precisamos exagerar...

3.   Massajar a barriga por meio de pequenas pancadas com o punho fechado, seguindo um movimento circulatório da direita para a esquerda (que corresponde à posição do intestino grosso). A massagem actua sobre a camada adiposa abdominal e estimula a actividade intestinal.

4.   Exercícios especiais para os músculos peitorais: unir frouxamente as mãos diante do peito, depois bater as palmas das mãos uma contra a outra com movimentos bruscos. Estender os braços, depois fazer círculos de trás para a frente, fazendo trabalhar a articulação do ombro.

 
Devagar, devagar se vai ao longe...

5.   Contra a papada: estender a língua para fora o mais longe possível, dez vezes.(é preferível não ter espectadores)

6.   Para reforçar a musculatura abdominal: em posição deitada, fazer com as pernas movimentos de pedalar.

7.   Para reforçar e desenvolver os músculos: de pé ou deitado, retesar ao máximo todos os músculos durante 2 (dois) segundos cinco vezes, com intervalos de 10 (dez) segundos.

8.   Para terminar, rápida massagem com uma escova e banho de chuveiro quente, depois frio.

Dez.18/2004
Manel



Juro que aquilo da papada, no ponto 5, nada tem a ver comigo. :):)
As imagens  que ilustram este texto foram retiradas da Internet e, claro, são dos Jogos Olímpicos. Força! Hoje é um bom dia para começar....E porquê? Porque sim. Go, go, go!!!

domingo, 5 de agosto de 2012

Se lever tôt, quel bonheur!

Este ano o Verão ainda não se afirmou verdadeiramente, mas parece-me que no ano passado aconteceu a mesma coisa. Hoje, por exemplo, está um tanto fresco, o Sol anda arredio, escondendo-se por detrás de nuvens brancas que pintalgam o céu com farrapos quase transparentes. Vista bonita. Eu gosto de tempo assim, nem muito calor nem muito frio. Levantei-me cedo e, confesso, quando me levanto assim, sem esforço, sem alarmes a gritar, o dia tem outro encanto. Aproveitei e saí para uma longa caminhada, para manter a máquina operacional. A propósito, estive a ler um pequeno artigo numa revista, cujo título é o deste post, que diz assim:

Voilà une nouvelle qui devrait nous inciter à ne plus traîner au lit, même en vacances. Des chercheurs canadiens ont comparé les habitudes de sommeil et le sentiment de bien-être de deux groupes de population.Ils ont montré que, quel que soit leur âge, ceux qui se réveillaient spontanément de bonne heure avaient plus d'émotions positives que les oiseaux de nuit. Les chercheurs suggèrent que les couche-tard seraient en décalage (horaire) permanent avec les autres.


Parece novidade mas isso já nós sabíamos: Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer, diz o ditado popular. E também sabemos que uma boa noite de sono retempera as energias e, de manhã, encaramos a vida com uma outra disposição. É muito bom acordar sem o despertador a fazer-nos saltar da cama com o coração aos pulos. Não dormir o suficiente é muito mau, em todos os aspectos. Há um parente meu que se sente permanentemente em situação deficitária em relação ao sono e a razão é, segundo ele, por ter perdido muitas noites quando andou na guerra. Nós rimo-nos mas quem sabe se ele não terá razão...


Texto em itálico de: Femme Actuelle no 1451,du 16 au 22 juillet 2012
Foto:minha

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Voltando, com... Tiara

Fechada no seu quarto, Tiara estava sentada à janela como todos os dias a essa hora, para observar o pôr do sol. Porém, nessa tarde mal deu atenção ao deslumbrante espectáculo. O seu pensamento estava preenchido por Jô. 'Será que me apaixonei por ele?', pensou. Seria isso paixão? Essa sensação estranha, quase dolorosa, que lhe subia do peito e lhe apertava a garganta? Nunca tinha sentido nada parecido por rapaz algum. Tinha-se entusiasmado por um ou outro amigo, mas eram coisas passageiras que terminavam como tinham começado, repentinamente. Com Jô era diferente. Ansiava por estar com ele e na sua presença sentia-se invadida por um nervosismo que mal conseguia dissimular. De olhos fechados, percorria a imagem daquele rosto querido. Beijava-lhe os olhos, as faces e os lábios. Sentia as suas mãos nos seus cabelos, carinhosas. Instantes de sonho, de segredo guardado, jamais revelado a quem quer que fosse. Restava-lhe a dúvida da reciprocidade desses seus sentimentos. Apercebera-se dos olhares furtivos de Jô e apreciava a maneira como ele falava com ela. Mas não ousava pensar que isso fosse um indício de sentimentos análogos por parte dele. Por isso preferiu guardar secreta essa paixão, não falando nela nem mesmo à Zidi.


Tiara não sabe ainda mas o seu grande amor será Kenum, personagem dividido entre dois mundos, o ancestral e o moderno. Neste conflito Tiara ver-se-á confrontada com uma terrível realidade: escolher entre Kenum e os seus direitos de mulher ou então tentar conciliá-los. Num trabalho de pós-graduação, 2009, que analisa este conflito, encontramos estas palavras:

Tiara é a heroína na história, pois enfrentou tudo e todos para viver um amor.
Abraçou os ideais do marido e defendeu o país de Kenum. Um país diferente do seu,
com uma cultura que feria os direitos da mulher, brigou para defender os menos
favorecidos e perdeu o bebê numa guerra que não era a sua. Mas com a união com
Kenum, passou a ser também o seu lugar. Enfrentou a sogra e a família de Kenum,
contudo foi derrotada pelo atavismo local, porque não aceitava a poligamia. Ela não
perdeu; ele, sim: era covarde, fraco, submisso e volúvel em suas ideais. Era um
homem cindido por dois mundos, não sabia que rumo tomar e querendo ora agradar a
família, e ora a esposa. Decidida e corajosa, Tiara enfrentou os preconceitos por ser
estrangeira, mulher, independente e liberal num mundo preso a tradições culturais
pregressas.  



Extraí o primeiro texto, em itálico, da página 29 de TIARA, primeiro romance de Filomena Embaló, de raízes cabo-verdianas e guineense de coração, nascida em Angola, em 1956, segundo palavras inscritas na contracapa do mesmo.
ed.Instituto Camões, 1999