sábado, 31 de dezembro de 2016

Sobre as minhas andanças por Cabo Verde (1)

Majo Dutra disse:

Seja muito bem regressada, estimada Olinda!
Sempre suspeitei da sua relação com a Macaronésia e, em especial,
com Cabo Verde...
Isso é que foi veranear por ilhas tropicais e não convidou ninguém!
Não conhecia este Monte da Cara, muito interessante e a foto está belíssima.
Dias de adaptação ao frio muito agradáveis...
~~~ Beijinhos sorridentes ~~~




Pois, a Majo lembrou-se de um post sobre a Macaronésia que eu publiquei em tempos. Realmente, adoro a Macaronésia, ou ilhas afortunadas, composta pelos arquipélagos dos Açores, Madeira e Selvagens, Canárias, Cabo Verde e por uma faixa incrustada no continente africano, que, como se pretende, têm características semelhantes. Uma delas é a floresta laurissilva e embora Cabo Verde não tenha de forma bem visível florestas desse género há, no entanto, plantas com algumas semelhanças. 


Desta vez Cabo Verde esteve na minha mira, in loco. Andei por lá durante uns dias fazendo algumas redescobertas. Penso que estive mais atenta às pessoas, ao relevo das ilhas, à maresia, aos cheiros. Sei que não conseguirei transmitir-vos todas estas sensações mas alguma coisa ficará.

Insiro a seguir o meu Monte Cara, figura icónica da ilha de S.Vicente e diria até o seu ex-libris, no sentido que se dá normalmente a esta expressão extravasando o seu real significado:



Meu no sentido de que a imagem do post anterior não era da minha/nossa autoria como, aliás, referi. Esta foi tirada às 7.30 da manhã, não por mim pois eu estava muito compenetrada a tentar não fazer má figura para dentro do saquinho que o tripulante, gentilmente, me deu. Sempre fui assim, muito sensível aos balanços do mar. Nota-se, na foto, a Cara do homem que, há séculos, vigia os céus do Mindelo, em parte tingida de laranja pelo Sol nascente. 



Íamos rumo à vertiginosa ilha de Santo Antão. Dela dar-vos-ei conta na próxima publicação. Mas, para começar esta imagem à vista do Porto Novo e ao fundo uma pequena amostra das magníficas e imponentes rochas da ilha. Do lado lá, um mundo encantado.



E a São alvitrou:
Não identifico, mas faz lembrar a Noruega.
Um comentário muito interessante e que veio ao encontro daquilo que eu própria pensei à aproximação da cidade da Praia, Ilha de Santiago. A vista aérea da baía misturada com o cair da noite, com os recortes e a espuma das ondas fizeram-me exclamar: Oh! parecem fiordes. A imagem que acima deixo não mostra o que na realidade os meus olhos percepcionarem, pois, pesquisando, não encontrei nenhuma parecida.



Aproveito para vos desejar um Bom final de Ano com um video de BOAS FESTAS -  imagens da cidade do Mindelo, ilha de São Vicente.

Voltarei. Abraço.
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1ª e última imagem: Internet
Video de Boas Festas - Internet

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

De regresso

Meus amigos

Voltei ontem. Afinal foram mais de duas semanas. Não pude contactar-vos durante esse tempo. Em breve darei mais notícias. Entretanto, deixo-vos com esta imagem da net mas falarei dessa minha viagem com algumas fotos minhas ou de alguém por mim, mais propriamente da minha filha.




Como diria a nossa querida Elvira Carvalho, ora adivinhem lá por onde andei.

Até breve.

Grande abraço.

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Imagem: Internet

sábado, 26 de novembro de 2016

O que é ser feliz?

                   "J'ai décidé d'être heureux parce que c'est bon pour la santé"
                                                                              VOLTAIRE* 

Uma decisão em plena consciência ou algo qe nos acontece porque sim? Voltaire acha que é uma decisão nossa. E faz bem à saúde. Um motivo extremamente válido. Faz bem não só no aspecto físico como também espiritualmente. E não serão precisas grandes coisas, bastará darmos valor àquilo que nós temos, apreciar as coisas simples da vida, amar os que nos rodeiam. Ponhamos os olhos no texto abaixo, comentário ao post anterior a este, e leiamos em voz alta estas palavras da nossa querida Emília, que lá no Começar de Novo nos mostra como o raiar de um novo dia, todos os dias, pode representar um recomeço em pleno.

Eis o comentário:

Este texto, amiga, é tocante! Sou mãe e tenho ainda a minha; apesar de longe, não há um dia em que não a recorde e não imagino a minha vida sem ela, sem a saber no outro lado do Atlântico, na casinha onde sempre viveu; simples, mas onde não faltam os vasinhos de orquideas na parede da varanda, a hortinha ao fundo do pequeno quintal e a cachorrinha que lhe obedece, parecendo entender até os gestos; sei-a lá, feliz por ainda estar bem, apesar da idade, triste muitas vezes por ver o seu companheiro de tantos anos num mundinho só dele; não estou lá onde, sei, gostaria que eu estivesse, mas ela sabe que estou aqui e eu sei que eles estão lá.

Na aldeia onde nasci e onde sempre vivi, permanece a casa, não em ruinas, porque não deixo, mas vazia de gente; quando vou lá, revejo-a, apressada, de um lado para o outro, cuidando para que em casa nada faltasse; alimentava os coelhos, matava um frango, levava as ovelhas ao quintal, e o porquinho esperava também a sua vez que chegava sempre. Era necessário todo esse trabalho, pois as condições financeiras não eram muitas e os estudos dos filhos tinham que ser pagos; não havia excessos, mas havia o suficiente e carinho, atenção, diálogo nunca faltaram. Olho para aquela casa recordo com saudade os tempos vividos lá e agradeço os pais que tudo fizeram para que a mim e ao meu irmão não faltassem nem a formação e muito menos o pão. Olinda, agradeço-te muito a partilha deste lindo texto que me deu a oportunidade de, mais uma vez, recordar tempos felizes da minha vida. Beijinhos

Emília Pinto

Obrigada, querida Emília. A segunda imagem corresponde a uma aldeia de Portugal. Desculpa se não corresponde às tuas memórias. Estive aqui a debater-me com a vista de uma aldeia no seu conjunto ou assim mais "personalizada". :)
Um bom fim de semana a quem por aqui passar. 
E façam o favor de ser felizes, como dizia o nosso Solnado.
Abraço.
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*Citado pela revista Maxi como "Maxime de la semaine", 21 a 27 de Novembro.
Imagens: daqui e daqui

terça-feira, 22 de novembro de 2016

uma mãe com ar de casa



uma mãe com ar de casa, um edifício de habitação que lentamente se vai arruinando e tão depressa se transformará em escombros; o que nos conforta é a perfeita consciência de que haverá sempre uma beleza fértil, um legado, uma paisagem afectiva que se produz, nos pormenores, nos pequenos gestos, a atenção que ela nos foi prestando durante anos, a singularidade sentimental da herança que se preocupou em construir, a magia edificante que sempre brotará das suas mãos, da sua alma, dessa coisa que em si produzia amor, o brilho que emana da sua arquitectura emocional; e não há palavras capazes de explicar, tudo em si é representativo daquilo que nos dá, que nos deu, do que ela é, do que ela foi, do que sempre será; e pensamos muito no que aconteceria se de repente um infortúnio qualquer no-la roubasse, sabendo que à medida que vamos crescendo isso virá a acontecer; e porque ela nos faz muita falta, e toda a gente a quer muito, ninguém sabe, ninguém está nunca preparado, ninguém consegue sequer imaginar a sua ausência, como se ela fosse uma espécie de campo magnético, um valor central, um incêndio, as coisas mais antigas de que nos lembramos têm todas a sua marca, ela está lá sempre, o seu sorriso, os seus olhos, a sua luz, e não nos sai da cabeça a hipótese da sua extinção, o simples reconhecimento de que ela findará, de que ela terminará - tudo terminará, quando menos se espera já se acabou

Miguel Godinho*

Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI - foi aqui que o encontrei. Referência a uma antologia que representa aquilo que alguns dos mais importantes poetas do Algarve (naturais ou adoptados) fizeram nos últimos anos. 
Perguntei-lhe se podia trazer este seu texto comigo. Não me disse nada. Partindo do princípio de que quem cala consente, eis-me a partilhá-lo convosco, aqui no Xaile. Desculpe-me o atrevimento, Miguel Godinho ou Miguelangelo Godinho*.

Meus amigos, já estou bem. Obrigada pela vossa amizade. A partir de 30 de Novembro vou passar uns dias noutras paragens, mais a Sul.

Abraço

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Imagem: Pixabay

domingo, 13 de novembro de 2016

Sentir o pulsar da vida



olhar sem distância
         acontece por vezes não encontrar um olhar
         que sirva de depósito para os meus sentimentos
         um rosto que aguardasse o tempo obscuro da minha vida
         ou um campo corporal que resgatasse o que é verdade nos meus actos
         escuto sempre o movimento de alguém a rastejar na minha direção
         como se as palavras que indicam os seus passos enlouquecidos
         não encontrassem o meu coração

         porque há palavras que se perdem na forma de as pensar
         e porque um olhar sem distância
         é a cegueira natural da humanidade.

sentir o tempo
         escrever é sentir o tempo
         imperdoável sobre a vida de quem pensa
         as imagens que entram em minha casa
         são luzes ambiciosas que se esgotam na razão de as sentir
         não desconheço que hajam forças que se temem
         como simplesmente contemplar uma idéia destruída
         um rascunho de medo transportado até ao limite

         o tempo é um assunto de deus e do silêncio
         assim como a escrita que provoca em cada acto
         a construção do sofrimento.

              -1961-

Sentir o pulsar a vida aqui nestes acordes de Leonard Cohen lembra-nos as palavras do grande Camões que gravou para sempre nos nossos corações o reconhecimento por aqueles que por "obras valerosas se vão da lei da morte libertando".

No mesmo passo, Fernando Esteves Pinto mostra-nos como as palavras devem trazer em si o gérmen da fertilidade de modo a poderem encontrar o caminho do coração.

E eu que por estes dias tenho vivido prostrada na mais malvada gripe, vejo como esta pode ser assustadora e incapacitante e como só lhe damos o devido valor quando ela nos ataca.

Meus amigos, desejo-vos um bom domingo.

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Poemas retirados do site de António Miranda

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Os cinco Solas da Reforma* - Somente : A Fé, a Escritura, Cristo, a Graça, a Glória de Deus

Os dogmas do catolicismo romano, a venda de indulgências são apenas alguns dos motivos que levaram Martinho Lutero a publicar as suas 95 teses, em 1517 como protesto. A salvação através da fé e não centrada em obras e méritos humanos era o que ele defendia, segundo a sua interpretação das Sagradas Escrituras. 

Sabemos que essa contestação foi o princípio de um grande abalo para a Igreja Católica e que a coisa tomou proporções inimagináveis. Mas, embora ele quisesse que esse estado de coisas se alterasse no fundo não queria ser afastado. Ao negar-se a retractar-se foi excomungado.

A partir de então um mundo imenso se abria. Era a Reforma Protestante que se iniciava com tudo de novo e inesperado que trazia. Uma reviravolta do mundo ocidental, um movimento socio-político e de renovação espiritual de repercussões monumentais, desde a queda do Império Romano. Tudo isso se encontra escrito e documentado e cada passo sugere-nos reflexões interessantes e vitais para a compreensão da nossa própria realidade.

O que me interessa frisar aqui, neste momento, é a tradução da Bíblia em línguas vernáculas e a sua difusão a que a imprensa de Guttenberg viria a dar o maior impulso. Promover o acesso à leitura da Bíblia era fundamental para os reformadores. Só assim seria possível implementar os princípios fundamentais de uma nova forma de estar no mundo e de alcançar a salvação: sola fide, sola scriptura, solus Christus, sola gratia, soli Deo gratia. Sem intermediários. 

Desejo-vos uma boa semana.

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Imagem: 
95 Teses de Lutero, 31 de Outubro de 1517- Wiki
*Os cinco solas da Reforma  

domingo, 23 de outubro de 2016

É isto o amor






Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.

in 'Pedro, Lembrando Inês'

Assim falou o Poeta. E muito bem.

Votos de um dia agradável a todos os que por aqui passarem.

Abraço.

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Poema:Citador
Imagem: Pixabay 

sábado, 8 de outubro de 2016

DIÓGENES de Sinope - Nada na vida progride sem exercício

Tenho por hábito percorrer feiras do livro que estão abertas todo ano à cata de livros baratos que me dizem alguma coisa. Muitas vezes estão a 2€, 5€, 7.50€, 10€, enfim uma panóplia grande de ofertas em conta. Não há muito tempo peguei num com o título: "História da Filosofia", de Manuel dos Santos Alves. Abri-o agora e, na página 39, surgiu-me este apontamento sobre Diógenes de Sinope (413-329 a.C.), que partilho convosco:

Com o rato, e sobretudo com o cão, aprendeu a viver segundo a natureza. Por isso, vivia dentro de uma pipa. Pregava sempre contra a ambição e a imoralidade, desprendido de tudo. Sem casa e sem família, podia ver-se na rua, por vezes de lanterna acesa, em pleno dia, à procura dum "homem".
Os documentos definem-no, em geral, como filósofo severo e asceta, defendendo que "nada na vida progride sem exercício". Certo dia, quando Alexandre lhe perguntou se precisava de alguma coisa, teria respondido que de nada; apenas do sol, que ele estava a tapar, posto na sua frente.

Vou deixar um pouco de lado, neste post, a lanterna acesa à procura de um homem, pois é um pensamento que já comentámos em algumas situações por aqui, neste Xaile. Mas "nada na vida progride sem exercício" talvez seja de reter. Entre tentar, errar e voltar a tentar até acertar, mesmo que não seja no todo mas na maior parte, faz de nós seres sempre em evolução. Assim, se me taxarem o sol que me entra pela janela, neste país rico de sol, poderá ser tapar o sol com a peneira mas em todo o caso um exercício que merece ser acompanhado, a ver em que é que dá. Também me ocorre que poderá haver outras formas de explorar este manancial. Melhor organização quanto ao Turismo? Ou dá muito trabalho?

Desejo-vos um bom fim de semana, com muito sol.

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Imagem - aqui
Livro citado - História da filosofia, de Manuel dos Santos Alves, pg 39
Nota inserta na mesma página: Cinismo - Doutrina da Escola de Antístenes (a que Diógenes pertencia). (...) Desde cedo, o termo "cínico" aplicou-se ao género de vida destes filósofos (...) Eticamente, atacavam a moral convencional, numa oposição radical a toda a lei tradicional, pois que advogavam o regresso à natureza. O sentido da palavra fixou-se depois num aspecto pejorativo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Um rosto da República

Aos que me vêm visitar de outros quadrantes, e possam não conhecer a nossa História, devo dizer que hoje é feriado nacional, dia da Implantação da República. É um feriado que, apesar da importância do que aconteceu em 5 de Outubro de 1910, foi eliminado ou suspenso em 2012 tendo sido reposto neste ano de 2016.

No ano passado teci, aqui, algumas considerações sobre esse dia - um dia não muito longínquo, pois o que são cento e seis anos para um povo com tão longa História?- e da situação de desequilíbrio que se lhe seguiu, levando a atrocidades que se arrastaram por dezasseis anos. Isto não quer dizer que depois foi um mar de rosas, tendo em conta que a partir de 28 de Maio de 1926 veio um outro período de má memória, o Estado Novo.

Mas, atentemos na definição da República Portuguesa tal como vem na Constituição de 1976 (VII versão, 12 de Agosto de 2005): 

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Lendo isto estamos bem conversados, não há lugar para dúvidas, não acham? A Revolução de 25 de Abril de 1974 trouxe-nos estas certezas que, no entanto, ainda baralham muitas cabecinhas. Mas não vou fazer uma resenha, hoje, dos últimos quarenta e dois anos, vou continuar no passado, pelo menos no menos recente, um lugar muito mais seguro para um historiador, que não sou. Não há surpresas e se as houver, essas serão objecto de nova análise.



Hoje, prefiro trazer-vos a história de um Rosto, o rosto escolhido para representar a República, não aquele que consta da capa do livro de História de Portugal que utilizei no meu post do ano passado, mas de um outro de que se não fala muito: o de Hilda Puga ou Ilda Pulga*. Ora, acedam a este sítio, também a estee saibam de quem se trata, se é que não sabem já.

Desejo a todos um dia muito bem passado.


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!ª imagem e história - aqui
*De notar que o nome aparece escrito de duas maneiras, nas referências que aqui trago: Hilda Puga e Ilda Pulga.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Fomos deixando de escutar

O que fazer deste dia lindo, cheio de sol e calor? Agora que se acabaram as férias, que as aulas começaram e que tudo parece ter recomeçado, a opção é ficar fechada no escritório ou encafuada na lida da casa? Talvez não. O caminho talvez seja reaprender a escutar os sons que nos envolvem dos quais nem sempre fazemos caso. Leiamos, a propósito, este lamento de Mia Couto, que, provavelmente, não nos deixará indiferentes:

Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixámos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo excesso de palavras, ficámos autistas pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela, não a vivemos. A natureza, ela própria, tem que voltar a nascer. E quando voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana é não ter natureza nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas.*

E se nessa tarefa de ouvir as vozes e os silêncios, numa viagem interior, reecontrarmos a nossa própria natureza em consonância com todas as naturezas de que somos capazes, então teremos renascido para uma leitura atenta do que nos rodeia, esquecendo os ruídos irrelevantes que se produzem por aí. Ruídos, palavras, que não nos tiram da bordeira, que não nos trazem nada de novo e não nos enriquecem. Excesso de informação e desinformação. Não há tempo para separar o trigo do joio.

Entretanto, um ruído diferente se me mpõe. Oiço um tic-tic, tic-tic-tic. Vou à janela. Vejo um homem jovem, de joelhos, não é bem de joelhos, sentado em cima das pernas, de costas  para o sítio donde o vejo, a pegar em paralelepípedos, um a um, pacientemente, e enterrá-los com dois toques e afagá-los, a esse e a outros já enterrados, com mais três toques. Depois de fazer isso durante um bom bocado ao fim do qual a obra vai crescendo, vem outro homem, mais velho, e atira terra por cima para preencher os intervalos. É a arte de calcetar. A arte de preparar o passeio por onde caminharemos sem nos lembrarmos do trabalho e sacrifício envolvido. Pego no telemóvel e registo esses momentos.

Desejo a todos, os que passarem por aqui, uma bela quinta-feira. E tratem bem do coração! :)

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*Em itálico, excerto de texto de Mia Couto, in: Pensatempos (Citador)

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Crianças em viagens trágico-marítimas*

Li ontem, algures, a efeméride da primeira viagem de circum-navegação, preparada e levada a cabo por Fernão de Magalhães, a 20 de Setembro de 1519, ao serviço do rei de Espanha. Magalhães perderia a vida em 1521, em Cebu, nas Filipinas, sendo a viagem completada por Juan Sebastián Elcano (1522). 

Lembro-me, a propósito, da obra de Laurence Bergreen, que li em tempos, "Fernão de Magalhães - Para Além do Fim do Mundo". Na página 120 e seguintes, lê-se sobre a estrutura social a bordo. Dos apontamentos que tirei na altura, respigo o seguinte:

"Reinava acima de tudo uma rigorosa divisão do trabalho. No fundo da escala estavam os pajens imputados aos serviços aos pares. Muitos pajens eram meras crianças, com apenas oito anos de idade; nenhum tinha mais de quinze anos. Eram vulgarmente órfãos. Nem todos os pajens eram iguais. Alguns tinham sido quase raptados dos cais de Sevilha e pressionados para irem servir;(...). Eram tratados com aspereza, explorados sem piedade, privados de um salário adequado e por vezes transformados em vítimas de predadores sexuais entre os membros mais velhos da tripulação. As suas tarefas incluíam esfregar os tombadilhos com água salgada e limpar depois das refeições e executar qualquer trabalho inferior que lhes fosse atribuído. (...)"



Infelizmente, essa situação não é única. Nos descobrimentos portugueses existem relatos de crianças levadas nessas viagens, cujo infausto destino quase se perderia nas brumas da memória. Exemplo disso: as crianças judias, cerca de 2000, arrancadas aos pais e enviadas para São Tomé e Príncipe, conforme nos refere Isabel Castro Henriques, em "São Tomé e Príncipe-A invenção de uma sociedade". Poucas resistiriam aos rigores da viagem, ao clima e aos maus- tratos.

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Leia mais: aqui, aqui e aqui
*Confesso o aproveitamento, da minha parte, da expressão "trágico-marítimas" lembrando-me da obra "História Trágico-Marítima", muito minha conhecida, colecção de relações e notícias de naufrágios, e sucessos infelizes, acontecidos aos navegadores portugueses, compilada por Bernardo Gomes de Brito e publicada em dois tomos, em 1735 e 1736 ,

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Um rosto de mulher




Um rosto de mulher 
é o meio que o coração encontra 
para manter a sua sede. 




Um chá, uma flor, uma paisagem, 
 uma romã aberta, 
 desaparecem na sombra 
se não houver um rosto de permeio. 




Não te queixes 
do que supões ausência. Por agora 
és tu que manténs o movimento. 





Sem isso 
nem o coração mais pulsaria.  

Assim falava Egito Gonçalves


José Egito de Oliveira Gonçalves, 1920-2001, poeta, editor, tradutor. Português.
Em 1995 obteve o Prémio de Poesia do P.E.N. Clube Português, o Prémio Eça de Queirós e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro E No Entanto Move-se. A sua obra encontra-se traduzida em francês, polaco, búlgaro, inglês, turco, romeno, catalão e castelhano.

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Poema - In: E no entanto move-se - Quetzal Editores, 1966
Imagens:Pixabay

sábado, 17 de setembro de 2016

Fim da Culsete?



É com esta interrogação que a Livraria nos comunica o seu encerramento, dizendo:

Uma das mais antigas livrarias independentes cessará a sua actividade durante o próximo mês de Outubro. 

Veja aqui os motivos.

Triste, não é?

Também nos informa que de 23 de Setembro a 2 de Outubro procederá a uma liquidação total.

E assim vai o mundo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cabo Espichel - Santuário de Nossa Senhora

Aqui tão perto e nunca me tinha disponibilizado a ir visitar o Cabo Espichel. Confesso que só contava com rochas escarpadas convidando a um mergulho incauto no mar imenso. Por isso, foi grande a minha surpresa quando vejo um conjunto imponente formado por uma bela Igreja ladeada por duas filas de vetustas construções, onde se nota o cuidado pela sua conservação. Na minha alegre e despreocupada ignorância, e com a imaginação no auge, considerei aquilo como sendo celas destinadas a monges que ali tivessem vivido em tempos idos.


Já os via ali a ler o breviário debaixo das arcadas, em contacto directo com aquele céu e batidos pelo vento, que naquele sítio não faz cerimónia nenhuma. Um de nós, dos mais jovens, exclamou: Ena pá, tantas chaminés! a que outro respondeu com esta dubitativa pergunta: Será que dormiam e faziam a comida ali mesmo? Ná, não ficámos convencidos. Felizmente, lembrámo-nos que tínhamos aprendido a ler, uns melhor que outros, e, com algum laivo de clarividência, alguém do grupinho familiar pôs-se a ler as letras gravadas nos sítios e outro a fazer uso do telemóvel, firmando o momento para a posteridade.



Ficámos a saber que se tratava do Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel ou da Pedra Mua e que aquelas construções eram as habitações destinadas aos peregrinos, a Casa dos Círios ou simplesmente Hospedarias, um registo arquitectónico com base nas casas saloias. Fomos avançando por um carreiro, feito ultimamente, que leva à Ermida da Memória. Fica ali mesmo à beirinha para quem quiser aventurar-se no vazio, salvo seja, no lugar onde foi encontrada a imagem de Nossa Senhora, segundo a tradição. 


De referir que há protecções tipo corrimão, que se vêem um pouco ali ao fundo, mas nem isso impede algumas pessoas de serem demasiado afoitas, até irresponsáveis perante o perigo.

E a vista espraia-se à vontade. Ao fundo a linha do horizonte, mas dum lado e do outro as escarpas e o mar em recorte lá em baixo. Distingue-se um carro no meio das pedras. O que terá acontecido? Como é que foi lá parar? Mais um motivo para especulações. 




Mais para a esquerda, não muito distante, avista-se o Farol na sua forma hexagonal e os anexos. Também fazem parte desse complexo a Casa de Água e o Aqueduto. Ficarão para a próxima visita.




De regresso a casa descemos por Sesimbra para lanchar. Já lá tínhamos estado de manhã. Almoçámos no "Lobo do Mar". Bom peixe.

Desejo a todos uma boa semana.


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As fotos foram tiradas por nós. Impossível incluí-las todas aqui.
A última imagem foi retirada da Wiki.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Será isto o inferno de Dante?

O País continua a arder. Ainda não terminou um fogo e começa logo outro num ritmo alucinante, sem descanso para este povo que vê os seus pertences desaparecerem nessa voragem. Fogo que parece ter pernas, que salta de uma estrada para a outra e avança na vegetação como se fosse uma inundação, inundação mas de chamas. No outro dia fiquei boquiaberta a olhar para aquilo, não querendo acreditar nos meus olhos. E então o meu coração confrange-se perante a aflição das pessoas, desamparadas, com labaredas a aproximarem-se, de balde na mão, atirando a pouca água às paredes das casas, ao chão circundante. E o vento que não dá tréguas, numa dança brincalhona. E os bombeiros, vejo-os translúcidos mesmo no meio das chamas, confundindo-se com elas, também eles ajeitando as mangueiras, gritando mais mangueira, numa luta desigual e inglória. No fim, só cinzas e paisagem negra. Custa-me a acreditar que no meio disto haja o fito do lucro, como se ouve por aí. Seria muito cruel. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

sol, praia, mar e...iodo

Este ano ainda não falei de praia, sol e mar. E o Verão já está quase no fim. Ainda temos dias bem quentes (como hoje) e mais hão-de vir. Pelo menos, assim o desejo. Contudo, ou muito me engano ou já se sente no ar fresco da manhã um cheirinho diferente, prenúncio do Outono. 

Como vêem associei, no título, sol, praia e mar ao iodo. E porquê? Porque sempre que oiço falar em iodo penso logo em sol, praia e mar e que é em contacto com eles que poderei suprir as minhas necessidades em termos deste oligo-elemento. Não é bem assim. Hoje proponho-me deslindar o imbróglio.





Sabemos que o iodo é essencial ao bom funcionamento do nosso organismo. Mas conhecemos verdadeiramente a sua origem e importância? Para vós, poderá não ser novidade nenhuma mas, para mim, impõe-se-me organizar as minhas ideias, razão de ser do texto que abaixo produzo. Este não será exaustivo, mas apenas a adaptação de um artigo que li sobre o assunto e leituras complementares, bem como em função de alguma experiência pessoal.

Então, temos que: 

Tendo sido descoberto no Séc. XIX, 1811, fortuitamente, em cinzas de algas marinhas pelo químico e fabricante de nitrato de potássio, Bernard Courtois, seria outro químico célebre, Louis Joseph Gay-Lussac que, três anos mais tarde, falaria pela primeira vez do iodo. 

Esta palavra é formada a partir do grego iodes, que significa "com reflexos violetas", por alusão à cor do vapor que dele emana quando é aquecido. O iodo faz parte dos oligo-elementos* tal como o ferro, o zinco, o cobre e o selénio, que estão presentes nas células.

Metade do iodo que absorvemos fixa-se na tiróide, glândula endócrina situada na base do pescoço, que gera hormonas essenciais ao crescimento do nosso corpo e ao bom funcionamento do cérebro, e que permite também regular a nossa temperatura corporal. O iodo é absorvido ao nível do estômago e do duodeno.




Poder-se-ia pensar que as necessidades de iodo diminuem com a idade mas não, os contributos nutricionais aconselhados vão evoluindo, exigindo assim a percentagem* devida ao longo da vida. Verifica-se que na mulher grávida os níveis de iodo exigidos são maiores porquanto o corpo deve igualmente fabricar hormonas para o feto. Com efeito, uma carência em iodo pode conduzir a atraso mental em crianças, mas igualmente a problemas de crescimento. 

Um défice de iodo, pode também originar bócio, irritabilidade, perda de peso, entre outros sintomas e o seu excesso gerar fadiga física e psíquica de forma persistente. O mau funcionamento da tiróide pode ser a causa de dificuldades de concentração, de faltas de memória, de perturbações do ciclo menstrual, de sensação de frio e de decréscimo da libido.



Por outro lado, poderá dar-se o caso de se pensar que somente os alimentos saídos do mar contêm iodo. É certo que o encontramos em peixes, frutos do mar e algas, mas existe também na carne, nos ovos, leite e queijo porque muitos animais alimentam-se de forragens enriquecidas com iodo. Encontramo-lo igualmente em certos legumes como a couve-flor, alcachofra ou espinafres;

Ou então que a flor de sal contém mais iodo que o sal de mesa ou que o sal grosso. O iodo é volátil, por isso tanto num tipo de sal como nos outros deixa apenas vestígios. Para que seja um sal bem provido de iodo é preciso que seja artificialmente enriquecido. Na embalagem poderemos ler esta menção: "sal iodado".

Mas, acima de tudo, é importantíssimo saber-se que:

A manutenção do nível correcto de hormonas tiroideias no sangue resulta de interacções entre a hipófise, o hipotálamo e a tiróide: Glândulas endócrinas de respeito, que trabalham noite e dia para o nosso bem-estar e excelência da nossa saúde.





A todos os que por aqui passarem, desejo uma bela terça-feira. Com o calor que vai estar é importante bebermos muita água. Diz-se que para uma boa hidratação deve-se beber uns dois litros de água, todos os dias.


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O texto: Uma adaptação minha do artigo L'iode, in Maxi, du 22 au 28 août 2016,
bem como outros contributos:Iodo e tiróide- Veja aqui, aqui e aqui
*Tabela 1 - Recomendações para ingestão de iodo. Idade ou Grupo Populacional OMS/DDR (μg/dia) Crianças 0 – 5 anos 90; Crianças 6-12 anos 120; Adultos > 12 anos 150; Gravidez 250; Lactação 250
OMS - Organização Mundial de Saúde; DDR - Dose Diária Recomendada
Imagens: Pixabay

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A mais linda declaração de amor

Em 2011, inseri aqui no Xaile de Seda uma carta intitulada "Meu amor querido*", a que chamei a mais linda declaração de amor. Retirei-a de "Cartas da guerra" que tinha acabado de ler, livro esse que me fascinou. De leitura envolvente, digo mesmo que tive muita pena quando cheguei ao fim.



"D'este viver aqui neste papel descripto - Cartas da guerra" não é um livro de António Lobo Antunes mas sim a publicação, pelas suas filhas, das cartas que escrevera à mulher durante o seu destacamento em Angola. Foi agora vertido em filme por Ivo Ferreira, estreado hoje.

O meu dilema é: vou vê-lo ou não? Receio perder a magia que a leitura das cartas me trouxe. Mas, darei notícias caso resolva este meu problema. Entretanto, ouçamos "Meu amor querido", numa bela interpretação de Margarida Vila-Nova, aqui.

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Estreia mundial - ver aqui
*Intitulei o post de: "Meu querido amor" em vez de "Meu amor querido", mas já não me lembro porquê. 

sábado, 20 de agosto de 2016

Sento-me então a olhar o rio




Sento-me então a olhar o rio, 
os meus pensamentos formam cardumes 
que contra a corrente se insurgem 
mas as águas são inexoráveis; 
olhando-as, a superfície cintila, 
propaga-se como se fossem notas 
de um piano na garupa de um cavalo 
que se dirige para o mar. 
O rio bebe as cores da cidade, 
sobre elas eu abro o coração 
em que te encontras, as colinas 
emolduram as raízes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos 
é um momento de pausa: as coisas 
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar 
como tudo o que a memória não reteve.




Mas este rio 
já foi longamente folheado, nele 
escrevemos o romance de amor 
que nos deu uma casa, 
nos cortou o cabelo, nos afastou 
das rugas, nos entregou o azul 
(tecido, nuvem, divã, janela...) 
o voo das artérias, lugar do corpo, 
portas que nos amanhecem, espelho 
onde fazemos fluir a vida. Acordes 
da guitarra que forja o horizonte, 
que guia o sinuoso voo das gaivotas 
e acaricia a pele que rasga atalhos 
no interior dos sonhos. Estarei 
vivo enquanto me guardar 
teu coração. E no seu lucilar, 
esta água imita o fogo 
que devora sombras e escombros, 
libertando a asa que no sangue 
respira. A foz está próxima, 
mas o horizonte é o teu olhar. 
No leitor do carro, a guitarra flexível 
sublinha o que divago; os acordes 
disparam, 
encontram-me na trajectória do seu alvo. 

Egito Gonçalves
        1920-2001



Mais uma vez, sento-me a olhar o rio nas asas de palavras que voam por sobre a cidade, qualquer cidade, e desaguam na foz, qualquer que seja. Ao fim e ao cabo a foz está próxima mas o horizonte é o teu olhar. Tudo perto e tudo tão longe. Somente o pensamento atravessa fronteiras e desfaz amarras.

Mas, o corpo que é terreno não se dissocia completamente do que o rodeia. Durante a noite oiço a tosse que não pára. Já a oiço também durante o dia. Afino os ouvidos e pergunto-me: Donde virá? Há alguém que sofre aqui perto. Mas em que prédio? Qual a porta? Cá por casa indago. Talvez seja alguém que mora sozinho e precise de ajuda. Como resposta invade-me a preocupação. E resolvo. Vou bater de porta em porta. 


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Poema: In: A Ferida Amável

Imagem: Pixabay