quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

BOAS FESTAS!





Boas Festas! Expressão que traz um mundo de significações todas elas muito belas. Alegria, felicidade, música, dança, fogo-de-artifício, companheirismo. E ainda bem que esta quadra se prolonga até ao Dia dos Reis, dando-me assim tempo para aqui vir agradecer a vossa companhia durante este ano de 2014, que está quase a chegar ao fim. Tempo também para vos desejar, além de boas festas, um ano de 2015 pleno de realizações, das mais queridas, das mais desejadas.

Entretanto, sigamos Ricardo Reis e colhamos o dia.


Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto — 
O dia real que vemos? No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis
Banco de Poesia da Casa Fernando Pessoa

Já agora uma outra versão, que encontrei aqui, com o título: Colhe o dia, porque és ele.

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo. 

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele. 


Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Qual delas será a correcta?
Eis um pequeno desafio para os próximos dias. Quem tiver o Odes que se apresente. :)

Excelente Réveillon!

Até sempre, meus amigos.

Grande abraço.

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Apontamento:

Levada pela curiosidade fui à procura de respostas em relação às duas versões desta Ode de Ricardo Reis.

O interessante destas duas versões é que ambas terão saído da pena de Fernando Pessoa. Aliás, situação frequente em relação aos escritos que atribuiu a Ricardo Reis, o que quer dizer que escrevia, reescrevia e reescrevia as odes.

Parece que o que ficou assente e o que prevalecia era a última versão, segundo as suas próprias instruções. Há editoras que levaram isso em consideração e outras que preferiram a última versão. Ática e Aguilar preferem a primeira lição; Bélkior opta por umas ou por outras e justifica a sua opção. Isso se interpretei bem o que vem escrito no “ Volume III da Edição Crítica de Fernando Pessoa-Poemas de Ricardo Reis-Imprensa Nacional Casa da Moeda”.

Então o que acontece com a Ode que aqui vos trouxe? Consta na obra acima referida que: “Inicialmente este poema tinha 12 versos; depois, o autor escreveu alternativas à máquina para alguns deles, indicando com precisão os respectivos alinhamentos; estas alternativas receberam a indicação não compor, a lápis, do editor da Ática”. Ver páginas 9 a 39, 178, 367 e 368.

Bem, então o que temos aqui? Parece-me que o meu amigo Jorge Esteves terá razão quando diz que a 2ª versão (12 versos) inscrita neste post é a versão original. Logo, a versão que apresento em primeiro lugar será a 2ª saída das mãos do autor.

Devo dizer que encontrei uma outra obra intitulada, “Fernando Pessoa, antologia poética-Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses”, que na página 133 traz a Ode com os seus 12 versos, tal e qual como a podemos ler aqui.

Meus amigos, bom mesmo é consultarem as obras de que vos falo ou outras se estiverem nisso interessados.

Abraço.

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Imagem: daqui

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Um passeio por Lisboa, a Bela*

Saímos de casa com o percurso já definido. Nos Restauradores entrámos no Starbuks para um arremedo de pequeno-almoço. Ali sentada com o meu caffèe latte e um muffin lembrei-me do sabor de um galão bem tiradinho e de um pãozinho quente com manteiga, nos nossos Cafés tradicionais. Mas, noblesse oblige. A ideia era também provar outros sabores.


Rumámos para a Rua Augusta com destino à arcada que tencionávamos visitar. A manhã estava tão clara que mal conseguíamos fixar para além dos nossos pés. Lá em cima, a mesma luz sobre a Praça do Comércio onde as pessoas pareciam irreais. E os preparativos para a festa do Natal, que está agora a decorrer, faziam-no um espaço de quase guerra. Nem divisávamos como de costume o belo cais das colunas.


Mas o casario ali estava, nítido, à nossa esquerda, e ao cimo o Castelo de São Jorge. Lembrámos o Castelo há uns anos quando se entrava e andava por ali à vontade. E também numa outra ocasião em que estivemos a apreciar a requalificação das habitações do centro histórico.

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Passámos de seguida pela praça do Município, relembrámos a proclamação da República ali feita em 1910. E a Rua do Arsenal com o seu cheiro característico, a bacalhau, a sair das lojas ainda típicas. A Ribeira, ah a Ribeira, já tão diferente, moderna e com outros ademanes. Para trás ficaram as madrugadas acordadas ao som de camiões carregados de legumes, fruta, dos pregões das peixeiras, e o chocolate quente bebido depois de uma noite de fado no Coliseu.

Mas tínhamos um objectivo: chegar a determinada Crêperie para ver como é que era. Não nos agradou. Foi uma decepção. E continuámos a nossa rota, cortando para a rua de São Paulo até ao Elevador da Bica. É melhor irmos no elevador, alvitrei eu. Mas não, seguimos pela rampa à esquerda e começámos a subir, a subir e a subir. 



A certa altura virámos à direita o que fez com que fossemos ter a meio dos carris do ascensor. O que fazer? Subir aquilo tudo até ao Calhariz ou voltar e apanhar o mesmo? Uma amável senhora disse-nos que subindo as escadinhas logo a seguir iríamos ter ao nosso destino. Senão, teríamos de dar uma grande volta. Pois, as escadinhas!



Quando chegámos ao cimo vimos a Rua do Almada e soubemos logo que a seguir estava o Miradouro de Santa Catarina. Ali o Sol fazia gala de todo o seu esplendor. Os turistas em mangas de camisa ou t-shirts e eu atabafada com a roupa que levava. E o  Adamastor, encandeado, rugia impropérios.



Entrámos na Calçada do Combro e virámos à direita em direcção ao Largo Camões e ao Chiado. Ali, a Brasileira, e Fernando Pessoa sentado na esplanada, paciente, sempre com um candidato ao lado para se deixar fotografar. E ao lado a Bénard convidando-nos a entrar.





E deixámo-nos estar nessa sala de visitas, sentindo o pulsar da cidade.

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* Lisboa, a Bela - como diria a UJM.
Fotografias - minhas

sábado, 20 de dezembro de 2014

Trégua de Natal




Em Dezembro de 1914, havia trincheiras nas frentes de batalha da Bélgica e da França. Os soldados disparavam através de uma terra-de-ninguém semeada de camaradas feridos e mortos. No dia 24 de Dezembro, porém, em certos pontos da frente ocidental, os alemães colocaram nos parapeitos das trincheiras árvores  iluminadas e os Aliados juntaram-se a eles numa paz improvisada: foi a trégua de Natal da Primeira Grande Guerra, cujo centésimo aniversário se celebra este mês.
A trégua "borbulhava a partir das fileiras" apesar dos éditos contra a confraternização, defende o historiador Stanley Weintraub. Depois de promessas gritadas entre trincheiras, alguns soldados dedicaram cânticos de Natal aos adversários. Outros emergiram para dar apertos de mão e partilhar cigarros. Muitos concordaram em estender a paz até ao dia de Natal para se poderem encontrar de novo e enterrar os mortos. Cada lado ajudou o outro a cavar sepulturas e a realizar homenagens fúnebres. Os soldados partilharam comida e presentes, trocaram botões de uniformes como lembranças e defrontaram-se em partidas de futebol.
"Ali ninguém queria continuar a guerra", assegura Weintraub. Mas as altas patentes ameaçaram os soldados que fugiam ao cumprimento do dever. Com o início do novo ano, ambos os lados "continuaram o seu trabalho sombrio", diz o historiador. Muitos recordaram carinhosamente a trégua nas cartas enviadas para casa e em notas dos seus diários: "Maravilhosamente espantoso, ainda que muito estranho,", escreveu um soldado alemão.-Patricia Edmonds, in National Geographic, Dezembro 2014.

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Pobres rapazes, o horror ainda mal tinha começado. Até Novembro de 1918, quanto sofrimento, quanta devastação! E a juventude perdida entre lamaçais e campos de morte. Mas, naquela altura, a esperança ainda imperava e quase ninguém acreditava que a guerra durasse tanto tempo.

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Imagem - daqui  

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço de gorjeios infantis





RAÍZES

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de anãs juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.

São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.

São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.



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É vê-los nesta quadra festiva em grupos, saltitantes e alegres. Os acompanhantes dificilmente conseguem controlá-los, e ouve-se: Ó João senta-te, Ó Catarina agarra-te ao corrimão... Ontem no metro foi assim, quase que me saltavam para o colo, os pezinhos a dar a dar nas minhas canelas e depois um ar de pedido de desculpas: oooh! e nada nada arrependidos. As pirraças uns aos outros, os risinhos sobre um certo cheiro que terá partido de um deles, o apertar do nariz por causa disso, mais uma brincadeirinha, a curiosidade perante o que é novo... É a vida na sua plenitude.

:)


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Poema: do site de António Miranda
Imagem daqui

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Nosso lado lunar

Caímos normalmente na assumpção da teoria do bom selvagem, aquele que a sociedade corrompe com estímulos vários, saído de um ambiente puro, livre de fingimentos e maldades e transferido para o seu contrário. Esquecemo-nos que toda a estrutura social tem as suas malhas e tramas, os seus conceitos de prestígio por vezes ditatoriais. O que muda é somente a maneira de ver as coisas e a sua valorização. Não há como fugir à certeza de que somos feitos de luz e trevas. Na luta entre o bem e o mal, segundo os nossos valores, não poucas vezes deixamo-nos sucumbir. Parece-me que a parte mais difícil será, não esta posição maniqueísta em que se consegue ver o lado bom e o lado mau, pré-estabelecidos, mas a parte cinzenta que a nossa consciência detecta e enfrenta. Esta, a consciência, é também fruto de toda uma informação de milhares de anos. E aqui temos a certeza de que realmente não somos uma tábua rasa e que no nosso interior vão se somando ideias, com avanços e recuos. As incertezas acumulam-se perante batalhas nem sempre ganhas, afirmando-se frequentemente o nosso lado menos benquisto. Nos dias que vivemos somos confrontados com situações que nos mortificam e chegamos a pensar que o fim dos tempos se aproxima. Mas, já várias gerações antes de nós tiveram este sentimento de destruição iminente. E penso que a nossa não será a última.

Boa semana, meus amigos.

Abraço 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Quando a harmonia chega

Escrevo na madrugada as últimas palavras deste livro: e tenho o coração tranquilo, sei que a alegria se reconstrói  e continua. Acordam pouco a pouco os construtores terrenos, gente que desperta no rumor das casas, forças surgindo da terra inesgotável, crianças que passam ao ar livre gargalhando. Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua. E a harmonia, que se desprende dos seus olhos densos ao encontro da luz, parece de repente uma ave de fogo.

Carlos de Oliveira
(1921-1981)
Trabalho poético

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Quis enviar-vos uma mensagem nesta manhã radiosa. Peguei num poemário de 2012, abri-o e os meus olhos caíram nesta página, nestas palavras de Carlos de Oliveira, que faço minhas.

Um bom domingo.

Abraço.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O melodioso sistema do Universo




O melodioso sistema do Universo,
O grande festival pagão de haver o sol e a lua
E a titânica dança das estações
E o ritmo plácido das eclípticas
Mandando tudo estar calado.
E atender apenas ao brilho exterior do Universo.


Álvaro de Campos



Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
Fernando Pessoa

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Poema - Banco de poesia Fernando Pessoa
1ª Imagem - daqui
2ª imagem -  Simplificação do retrato imaginado de Álvaro de Campos. Esboço de Cristiano Sardinha. 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Os ministros de pena

Eu não sei como não treme a mão a todos os ministros de pena, e muito mais àqueles que sobre um joelho aos pés do rei recebem os seus oráculos, e os interpretam e estendem. Eles são os que com um advérbio podem limitar ou ampliar as fortunas; eles os que com uma cifra podem adiantar direitos, e atrasar preferências; eles os que com uma palavra podem dar ou tirar peso à balança da justiça; eles os que com uma cláusula equívoca ou menos clara, podem deixar duvidoso, e em questão, o que havia de ser certo e efectivo; eles os que com meter ou não meter um papel, podem chegar a introduzir a quem quiserem, e desviar e excluir a quem não quiserem; eles, finalmente, os que dão a última forma às resoluções soberanas, de que depende o ser ou não ser de tudo. Todas as penas, como as ervas, têm a sua virtude; mas as que estão mais chegadas à fonte do poder são as que prevalecem sempre a todas as outras. São por ofício, ou artifício, como as penas da águia, das quais dizem os naturais, que postas entre as penas das outras aves, a todas comem e desfazem. 




Foi concluída a edição da Obra Completa de Padre António Vieira num total de 30 volumes, e celebrada no passado dia 3, em Lisboa. A conclusão da publicação contou com a participação dos professores e ensaístas Eduardo Lourenço, Carlos Reis e Viriato Soromenho-Marques. 

A Obra Completa do Padre António Vieira, num total de 15.000 páginas, começou a ser publicada em abril de 2013 e foi considerada pelo historiador José Eduardo Franco, um dos seus coordenadores, “o maior projeto da história editorial portuguesa”. O historiador realçou que, “destas 15.000 páginas, cerca de um quarto são de inéditos ou textos parcialmente inéditos, nomeadamente teatro e poesia, da autoria de Vieira, que até os investigadores desconheciam”. ver aqui


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Excerto trazido de O Citador. Inclusivamente o título.
Imagem - daqui

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Talvez um dia...Quem sabe!





POEMA

Talvez um dia
Quem sabe!...

Sim
talvez um dia...
pedra jogada
à nossa gaiola de vidro
e para nós
a fuga
além fronteira do mar.

Talvez arrebente um dia
o búzio dos mistérios
no fundo do mar
e mais um vulcão venha a tona
— dez vinte
mil vulcões — Quem sabe!...
e as ilhas fiquem derretidas:
Estranha alquimia
de montes e árvores
de lavas e mastros
de gestos e gritos.

Talvez um dia
onde é seco o vale
e as árvores dispersas
haja rios e florestas.
E surjam cidades de aço
e os pilões se tornem moinhos.

Ilhas renascidas
nuvens libertas...
Talvez um continente
À medida dos nossos desejos.

Sim
Talvez um dia...
Quem sabe!

Arménio Vieira, Prémio Camões 2009





Palavras fortes, estranha alquimia. Exageros de poeta? Na sua visão escatológica prevê e anseia por uma renovação, rompendo fronteiras, um milagre da natureza. E progresso.

Fustigada pelos ventos contra-alísios, as lestadas, que arrastam para longe as nuvens prenhes de água, envolvida pela bruma seca vinda do Saara, é caso para dizer: "Gente sem sorte, ca tem ramede, tchorá bô sina, tchorá magoade"*.

E quando o vulcão se cansar de vomitar lavas incandescentes as pessoas voltarão. No sopé, a terra terá o adubo de que precisa para o cultivo da vinha. Na Chã das Caldeiras. E farão dela a terra do leite e do mel.

Povo paciente e resistente que lê nas estrelas o seu destino.

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*Da Morna- letra de Gabriel Mariano, música de Jacinto Estrela:Sina de Cabo Verde.

O Poema foi retirado do site de António Miranda.

sábado, 29 de novembro de 2014

Jia Li - Mulher laboriosa

Há umas quantas lojas de chineses no povoado. Mas, quando se diz vou à chinesa, já se sabe quem é. Mulher laboriosa. Trabalha todos os dias do ano, com sábados, domingos e feriados incluídos. Ela tem normalmente duas empregadas da terra, que estão sempre a arrumar, a pôr preços, a inserir alarmes. Jia Li sabe onde tudo se encontra, respondendo imediatamente a qualquer pergunta do freguês, com indicações precisas: à direita, à esquerda, em frente, no corredor tal.


Fala a língua de Camões com a desenvoltura necessária para se fazer entender, empregando os termos do dia a dia, e outros que as vendedoras das feiras usam, como querida, vizinha, o que cria empatia com a freguesia. A troca do erre pelo éle, e um certo enrolamento que dali advém, não estorva em nada a sua eficiência. O seu lugar é sempre em frente à máquina registadora. Não há multibanco. Sorridente, ela controla tudo, não só por vigilância electrónica como através dos seus olhos atentos. 

Jia Li tem marido e dois filhos. A filha fez o secundário e tirou a carta de condução ainda não há muito tempo. O filho que, se não nasceu por cá pelo menos tem sido criado, está um rapagão, tratam-no por Zé, em termos práticos, deixando provavelmente o nome chinês para o recesso do lar.

Todos trabalham, excepto o rapaz que ainda anda na escola. Mas quem sabe se quando acabar o secundário não irá trabalhar no mesmo. Ou então, com outra mentalidade, já mais ocidentalizada, talvez queira continuar os estudos ou seguir outros caminhos. 

O negócio tem-se expandido. De início numa loja onde tinha havido um negócio de ferragens, estendeu-se para um espaço a paredes meias com uma ourivesaria. Em frente, também ocupam uma casa térrea que parece servir de armazém. A rapariga toma conta, há algum tempo, de uma loja de roupas no quarteirão a seguir àquele onde se encontra a mãe. 

Vemo-los sempre com o mesmo aspecto, sem luxos, trabalhadores que batalham todos os dias.



Olho para Jia Li na sua azáfama, na sua amabilidade contida, nos seus gestos precisos, sempre no seu posto de trabalho sem quebras e eu ponho-me a pensar: Quando é que ela terá tempo para pensar em si própria, mimar-se um pouco, nos seus desejos e sonhos? Quais serão os seus objectivos mais caros? Será apenas juntar um bom pecúlio e voltar para o torrão natal? Ou ficará por cá na sua labuta incessante?


Meus amigos, desejo-vos um bom fim de semana.

Abraço.

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*Jia Li - significado "Boa e Formosa"  
1ª imagem daqui
2ª imagem daqui

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mãe-água: O rio limparia a terra, cariciando suas feridas





Se cumprimentaram rodando as mãos sobre os polegares, à maneira da terra. Os dois velhos amigos se sentam, fiando conversa, recordando os tempos.

-Sabe, Muidinga? Nós dois éramos empregados do mesmo patrão.

Cada um puxa a sua lembrança, em suave escorrer, rindo mesmo dos mais tristes momentos. O miúdo lhes chama ao presente. Quer saber o que animava Nhamataca, covando assim.

-Estou a fazer um rio, responde o outro.

Riem-se, o rapaz e Tuahir. Mas o homem insiste, no sério. Sim, por aquele leito fundo haveria de cursar um rio, fluviando até ao infinito mar. As águas haveriam de nutrir as muitas sedes, confeitar peixes e terras. Por ali viajariam esperanças, incumpridos sonhos. E seria o parto da terra, do lugar onde os homens guardariam, de novo, suas vidas.

Estava tão seguro que começara por escavar no chão da própria casa. Ruíram as paredes, desabou-se o teto. Os seus se retiraram em dúvida da sua sanidade. Idos os próximos, irados os distantes. O sujeito desafiava os deuses que aprontaram os mundos para os viventes dele se servirem, sem ousarem mudar a obra. Mas Nhamataca não desistiu, covando no dia a noite. Foi seguindo, serpenteando entre vales e colinas, suas mãos deitando e renovando mil vezes as sangradas e calejadas peles. E agora, sentado na ribanceira, guarda com vaidade a sua construção. Aponta o fundo:

-Vejam, já se esponta um fioziozito de água.

Tal aguinha nem se via. Havia, quando muito, um suor na areia do fundo. Mas os visitantes não contrariam.

-E que nome ele vai ter?

Nome que dera ao rio: Mãe-água. Porque o rio tinha vocação para se tornar doce, arrastada criatura. Nunca subiria em fúrias, nunca se deixaria apagar no chão. Suas águas serviriam de fronteira para a guerra. Homem ou barco carregando arma iriam ao fundo, sem regresso. A morte ficaria confinada ao outro lado. O rio limparia a terra, cariciando suas feridas.

Mia Couto, Terra Sonâmbula, pgs 139,140


Em tempo:

Terra sonâmbula. Escrita saborosa. Linguagem mítica que fala da guerra mas também dos costumes e do relacionamento entre as pessoas. E dos laços que se reinventam a cada instante. Assim Kindzu, o menino com carências afectivas e o comerciante indiano, Surendra, longe das suas raízes e discriminado no meio, que lhe diz: Você é como o filho que Assma nunca me deu. E procuram algo em comum que possa explicar esse laço, o gosto de falarem de tudo e de nada. O Índico: é isso, não havendo uma pátria à  qual chamar sua, são cidadãos do Índico, eis o elo.

Com muito gosto, partilho convosco estes momentos de agradável leitura.

Voltarei com um ou outro excerto.

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Actualização, com imagens e notas, em 25/11/2014.

1ª imagem: aqui

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Olá! Olá! Olá! - E receita infalível para fazer o nosso próximo saltar da cama, de manhã...

A senhora sentou-se ao meu lado no banco da paragem de autocarro. Perguntou-me se já tinha passado o 7 para Lisboa. Ali, entabulámos conversa sobre se os que iam para Algés também já teriam passado; que umas vezes vai a Lisboa por Algés e outras apanha o 7 que é mais directo. 

Fez-me saber que conseguiu que o médico a atendesse depressa. Nunca tal tinha acontecido. Queria saber se ele ia substituir-lhe o pacemaker e quando. Dada a proximidade com o Hospital de Santa Cruz, perguntei-lhe se o médico era dali. Disse que sim. E eu vi-me também a fazer confidências: Vim acompanhar uma cunhada para fazer uma angioplastia e, enquanto está a decorrer, vou a Lisboa para um almoço

Nisso, passou um homem ainda jovem, acompanhado de outros, a comer uma sandwich.



E ela: Sabe, um homem, antigamente, não se via a comer na rua. Vou-lhe contar como a mulher do Fortunato, uma amiga minha, conseguiu que ele deixasse esse mau hábito. E foi o meu pai, que Deus tenha, que lhe deu a receita para isso. Ele disse-lhe: Quando o teu marido preguiçar para se levantar da cama pega numa caneca com um bocado de água vai-lha deitando aos pingos na testa e nos olhos até ele acordar completamente. Faz isso todos os dias e vais ver que ele se levanta e já não vai para o trabalho, apressado, a comer pela rua fora. Foi remédio santo. A minha filha que tem agora 60 anos lembra-se de também eu lhes deitar, a ela e aos irmãos, pinguinhos de água para acordarem para irem para a escola. 

Depois de cerca de 45 minutos de animada conversa, de recordações que iam saindo das pregas da memória, lá apareceu o 7. Infelizmente para a senhora, o passe não era válido para a carreira.

Um dia inteiro no hospital, com um pequeno intervalo, que podia ter sido para esquecer. Mas tive alguns encontros agradáveis. Com a senhora de quem falo acima, que me fez depositária fortuita de algumas das suas memórias; com a mãe do jovem desportista, a quem foi detectado um problema no coração, e do seu sorriso aliviado quando saiu com ele ao fim da tarde depois do tratamento; com o taxista que me levou já noite cerrada à estação de comboios, com quem atravessei a cril, a 2ª circular, a radial de Benfica conforme ele me dizia, respondendo às minhas perguntas, e que a certa altura me perguntou interessado: Então, já tem bilhete? E foi mais um dia ganho na luta contra a doença auto-imune de que padece a minha cunhada.

Alguém amigo enviou-me um e-mail dizendo-me que hoje é dia do OLÁ! 

Assim:


OLÁ a todos os que visitarem este Xaile. 

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A imagem encontrei-a referenciada aqui -  blog "Divagar sobre tudo um pouco", da nossa querida amiga MARIA.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Então quem sou eu? Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?

Só matéria ou também anima, o sopro quase divino que nos eleva acima das nossas misérias? O poeta das sensações traz-nos a velha questão sobre a nossa finitude ou imortalidade. Vejamos como ele a desenvolve:






Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Que mora nela.

Mas eu, com consciência e sensações e pensamentos,
Serei como uma coisa?
Que há a mais ou a menos em mim?
Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo —
Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.
Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?

O vento sopra sem saber.
A planta vive sem saber.
Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.
Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?
Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,
Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.
Então quem sou eu?

Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?
Ou a minha alma é a consciência que a força universal
Tem do meu corpo ser diferente dos outros corpos?
No meio de tudo onde estou eu?
Morto o meu corpo,
Desfeito o meu cérebro,
Em consciência abstracta, impessoal, sem forma,
Já não sente o eu que eu tenho,
Já não pensa com o meu cérebro os pensamentos que eu sinto meus,
Já não move pela minha vontade as minhas mãos que eu movo.

Cessarei assim? Não sei.
Se tiver de cessar assim, ter pena de assim cessar
Não me tornará imortal.


Desafio que este Guardador de Rebanhos nos lança, o Mestre, como o define o seu criador, Fernando Pessoa. Tido como um poeta de pensamentos simples, privilegiando as sensações, anti-metafísico, acreditando que as coisas não têm significação mas sim existência, e a sua existência é o seu próprio significado, até onde nos levarão as questões levantadas neste poema?


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Poema retirado do Banco de Poesia Fernando Pessoa.("Poemas inconjuntos")
Ver De Anima - Aristóteles
1ª imagem - Internet (perdi as referências)
2ª imagem - Internet - pintura de Silva Porto
Nota: ...que nos eleva acima...Um pleonasmo que assumo com gosto.:))

sábado, 8 de novembro de 2014

A César o que é de César, claro. Mas...

Os comerciantes parecem estar um pouco mais satisfeitos. O Verão não deu em quase nada com o tempo fresco que fez. E o Outono travestido caminhava para o mesmo. Mas estes diazinhos frios e com alguma chuva começaram a dar resultado. Já se veem montras com roupões e chinelos a prometerem noites aconchegantes. Também botas, botins, gabardinas e guarda-chuvas à maneira. Talvez São Martinho ainda lhes troque as voltas. Há oferta de castanhas e água-pé nas lojas e lá para os lados de Marvão*. Por mim são bem-vindas, as castanhas. Outono que é Outono tem de vir delas adornado e com o respectivo cheirinho e parafernália a condizer. E mais o nevoeiro. Não sei se já disse aqui, gosto de tempo meio nublado, mais ou menos como na brumosa Avalon, com um arrepiozinho de frio a pedir um bom chachecol, gorro e luvas. Gostos...




O seu a seu dono. A cada estação o que lhe pertence, pois isso do El Niño a evidenciar a alteração da ordem natural das coisas, a sucessão dos dias e das noites e a cadência das estações do ano, é desgastante. Com tantas alterações não se sabe bem que roupa vestir ou com o que contar. Bom seria se a esse nível ou a um outro mais comezinho as coisas fossem um pouco mais previsíveis. Como, por exemplo, em relação ao subsídio de natal. Quem contava com ele para pagar umas contas, comprar umas roupas para os miúdos, sair um pouco do aperto, já era. É que o papão ainda aí. Cuidemo-nos.




Sabem que o fisco acaba de lançar uma ofensiva, uma autêntica razia, enviando para a casa de algumas pessoas não uma carta mas tantas quantas as coimas, 11, 46, o que for preciso... entupindo as caixas do correio, abarrotando-as? É que não são quantias pequeninas. São valores na ordem de 700€, 3000€, 4000€, etc. As pessoas estão em pânico, não sabem o que fazer. No caso dos 700€ trata-se de um jovem casal que passou inadvertidamente por aquelas famigeradas portagens encapotadas da Brisa, que quase ninguém vê, e que estão certo tempo nos CTT a pagamento e etc, etc, etc. Portagens de 0,30€ cada, de 2012, quando a implementação do sistema estava no seu início, salvo erro. Além das cartas com as coimas, há uma muito especial em que a entidade interessada reclama o pagamento dos 50€, em falta, referente às portagens e aos serviços administrativos que lhes estão associados. Então, não se pode pagar em prestações? Perguntei eu aos jovens. Pois, isso acarretaria mais juros porque se teria de aguardar pelas respectivas execuções fiscais.

Meus amigos, como numa romaria, urge que acedamos ao Portal das Finanças para ver a nossa situação no que se refere a dívidas fiscais. Nunca fiando. Nunca se sabe quando o mundo nos cai em cima, completamente desvalidos que estamos.

Enquanto isso, gozemos deste Sol que Deus nos deu, lavado com a chuvinha que vai caindo, a espaços.

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XXXI Feira da castanha de Marvão - 8 e 9 de Novembro

1ª imagem - daqui
2ª imagem - daqui 

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Emigração - marcas no tempo

A mala de cartão e o trolley, marcas ou objectos que traduzem a mesma realidade: a emigração. Na mala de cartão seguiam as necessidades e o desespero de quem se aventurava a atravessar fronteiras clandestinamente, a salto, principalmente, para França, nos finais da década de 50 e durante a de 60. No trolley e no coração, os novos emigrantes, a geração mais qualificada de sempre, carregam as suas ilusões e desilusões mas também a esperança em dias melhores.




Se há quem refira que hoje em dia os emigrantes viajam com telemóveis, computadores e em melhores condições, como, por exemplo, em relação aos meios de transporte e documentação, o facto é que tanto num caso como noutro, deixam para trás a família, os amigos, o seu rincão. Mas, se quisermos recuar no tempo encontraremos aqueles que emigraram para o Brasil e África, muitos deles degredados, e outros na ânsia de encontrar, como agora, um estilo de vida compatível com as suas aspirações, nem sempre conseguido. Sobre esta época da nossa História, que condicionou em muito a de outros povos, muito haveria a dizer. Uma marca indelével.

Não vou alongar-me neste tema, pelo menos por agora. O que pretendo, hoje, é reproduzir aqui umas quantas ideias que alguns dos novos emigrantes gostariam de transpor para o nosso dia-a-dia. Li isto na revista Visão, em princípios de Outubro último. Quer dizer que vai fazer um mês, mas já sabem, as coisas neste Xaile andam um pouco au ralenti.




Telejornais curtos
As notícias na tele, em horário nobre, são concentradas em quinze minutos, muito factuais, sem intervalos nem intervalos a todas as pessoas mais as suas tias e o cão, e sem "diz-que-disse-e-que-parece".-Engenheiro aeroespacial, há onze anos em Darmstadt, Alemanha.

Despejar a arrecadação
Em cada fim de semana, um bairro diferente organiza uma venda para livrarmos de tudo o que temos a mais, a preços simbólicos. É também um pretexto para estarmos com os vizinhos, petiscar e comprar alguma coisa que nos faz falta. -Conservadora restauradora, há dois anos em Genève, Suíça.

Separar o lixo orgânico
Na minha primeira semana, não separei devidamente o lixo orgânico (restos de comida e cascas de legumes e de ovos) e recebi logo uma carta. No nosso prédiio, temos diferentes contentores, e há dias certos para as recolhas. O lixo orgânico é reciclado para a agricultura. - Arquiteto, há um ano em Lindau, Alemanha.

Garrafas com depósito
A maioria das cervejas vem em garrafas iguais, seja qual for a marca, e pode-se devolver uma grade com marcas misturas. As garrafas de plástico também têm depósito.-Avaliador de patentes em Haia, Holanda.

Apoio à natalidade a sério
A maternidade paga-se, mas o Estado dá logo mil euros. A nossa filha nasceu há um ano e o parto custou bem menos. Até aos cinco anos dela, a Segurança Social tem serviços de apoio pelos quais não pagamos um tostão. O sistema de apoio à natalidade funciona tão bem que, em 2012, a Bélgica subiu para o 6º lugar (na UE) em termos de taxa de natalidade. - Doutoranda em Engenharia Biocientífica e Jornalista freelancer, ambos, há cinco anos em Bruxelas, Bélgica.

Biblioteca da Língua
Aqui, existe um Museu da Língua Portuguesa. O meu sonho era construir em Lisboa uma grande biblioteca da língua portuguesa (à semelhança da antiga Biblioteca de Alexandria), que teria todos os livros publicados nos PALOP.- Realizador há um ano em São Paulo, Brasil.

Viva a autonomia
As escolas têm uma gestão autónoma. Não há concursos para a contratação de professores. A direcção recruta-os com base no mérito e experiência, empatia com o projeto, etc. Logo, as escolas competem entre si, o que eleva a qualidade do ensino. Acresce que a comunidade é muito participativa. Por exemplo, a escola da minha filha quis angariar fundos para os professores receberem formação para leccionarem, com maior qualidade, a língua inglesa. Cada miúdo teria de entrar numa corrida e recolher apostas. Os donativos correspondiam às voltas que cada um dava, vezes o montante apostado. Com esta ideia supersimples angariou-se 20 mil euros. - Gestora  de investigação e ciência, há cinco anos em Groningen, Holanda.





Muitas outras propostas poderia eu incluir, retiradas do referido artigo, mas não se coadunaria com o tamanho ideal de um post. E este já vai longo. As ideias apresentadas fariam uma diferença enorme na nossa sociedade, se postas em prática. Por cá, verifica-se muitas vezes que abundam ideias mas entre o pensar e o agir vai uma grande distância.

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Nota:O artigo acima referido: "Reinventar Portugal" - Revista Visão- 9 a 15 de Outubro de 2014, pags.54 a 63As idades das pessoas constantes do inquérito variam entre os 30 e os 45 anos. Preferi não incluir os nomes.

1ª imagem - daqui
2ª imagem - daqui
3ª imagem - daqui - A referência de um dos inquiridos ao Museu da Língua Portuguesa no Brasil, lembrou-me a Biblioteca Nacional do Brasil ou Fundação Biblioteca Nacional que contém obras raras da cultura portuguesa, a maior parte levada para lá aquando da ida da Família Real, no sec. XIX. Note-se que não escrevi "Fuga". Segundo alguns historiadores havia um plano há muito elaborado que previa isso, no sentido de salvaguardar a coroa portuguesa. 


quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Noite bem dormida e bom pequeno-almoço

Dois elementos fundamentais para um dia de sucesso, dizem-nos. É ponto assente que o pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia. Nesta linha, a revista Maxi desta semana dá-nos algumas dicas:

Les starters du matin

On dit que le petit-déjeuner est le repas le plus important de la journée
Il permet de commencer et de faire le plein d'énergie. Mais que manger pour ne manquer rien?

Mode d'emploi : une boisson chaude pour hydrater, des tartines avec du pain au levain (c'est mieux que le pain blanc), un laitage ou du jambon ou un oeuf apportant les protéines, un fruit frais (pas de jus industriel trop vite assimilé) pour les vitamines et les fibres, des amandes ou des noix pour les lipides.



Confesso que a minha noite não foi famosa. Nadinha mesmo. Não tinha perguntas urgentes a colocar ao travesseiro, apenas divagações. Assim, dormi mal porque sim. Para me compensar levantei-me e fui caminhar. Com a mudança da hora o dia nasce claro, para mais tendo a nosso favor este maravilhoso Verão de São Martinho antecipado. Depois da rotina matinal, fui à cozinha proceder a um inventário sobre o que teria para um pequeno-almoço mais ou menos saudável. Encontrei algumas coisas. Optei por comer metade de uma papaia pequena, uma fatia de pão de Mafra barrada com queijo fundido (marca branca), uma chávena de café com leite, um pouco de mel. Tenho tido nozes em casa, mas hoje já não havia...




Ontem foi o dia dedicado à prevenção do acidente vascular cerebral, AVC. Um dia que deveria ser todos os dias do ano. Um dia em que devia ter medido a tensão e não o fiz. Não me lembrei. Ouvi um médico no programa da manhã da RTP a falar dos riscos associados à tensão arterial alta. Obesidade, diabetes, problemas cardíacos... Em relação às arritmias, ele falou na necessidade de procurarmos ser felizes para que esse problema se minimize. E gostei. Gostei dessa perspectiva.

Parafraseando Raúl Solnado, diria:

                        Façamos os possíveis por ser felizes.
                     
                        Desejo a todos uma excelente quinta-feira. :)   



1ª imagem: daqui
2ª imagem:daqui 
Os meus agradecimentos às pessoas que postaram as imagens. 
De Raúl Solnado: Façam o favor de ser felizes.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Correm turvas as águas deste rio

Rio da vida. Com altos e baixos, correndo por entre pedras e resíduos. Mas também há momentos em que se filtra e surge água cristalina. Neste nosso mundo conturbado há que procurá-la nos interstícios mais escondidos, tal como Diógenes com a sua lamparina, em pleno dia, à procura de um homem. Cá para nós, a reencarnação de D. Sebastião, desaparecido para sempre em Alcácer-Quibir. Mas, nada feito. A cada candidato, que na nossa extrema necessidade enfeitamos com inúmeras qualidades, corresponde uma decepção, renovada, como a que tivemos de engolir há quatrocentos e trinta e seis anos.

Na verdade:  

Correm turvas as águas deste rio,
Que as do céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram,
Intratável se fez o vale, e frio.


Passou o Verão, passou o ardente Estio,
Ũas cousas por outras se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento, ou desvario.


Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo, não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.


Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.


Luís Vaz de Camões
         SEC.XVI


Camões deixou-nos, para nosso deleite, não somente sonetos e endechas como também Os Lusíadas, obra épica dedicada ao rei-menino sem juízo ou mal aconselhado, na qual glorifica o povo luso. Embora na actualidade se façam outras leituras desta obra à luz de valores que nós, ocidentais, adquirimos depois de várias revoluções, não há dúvida que, mito que seja, continua a ser uma referência neste nosso vale de lágrimas. Todos os povos têm os seus mitos, não é verdade?

Um pouco ausente deste local nos últimos dias, daqui vos saúdo, meus caros, desejando-vos um óptimo fim de semana. :)

Poema retirado de: Banco de Poesia Fernando Pessoa

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Ferreira Gullar - Novo ocupante da cadeira 37

Aqui no Xaile, Ferreira Gullar tem marcado presença com Não há Vagas, poema que recebe quase todos os dias inúmeras visitas. De seu verdadeiro nome, José Ribamar Ferreira, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras tem 84 anos e ao ser eleito para ocupar a cadeira nº 37 declara-se muito feliz. A referida cadeira era ocupada pelo poeta e tradutor Ivan Junqueira, falecido em Julho passado.

Em jeito de felicitação, insiro este poema:

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


Uma bela forma de se definir, com arte, Ferreira Gullar.

Poema retirado de- aqui