terça-feira, 31 de maio de 2011

ALEXANDER SEARCH

Interessantíssimo este Alexander Search, nascido em 1899, pela mão de Fernando Pessoa que, através desta sua criação, escrevia cartas a si mesmo e versos, em inglês, em 1903, altura em que residia em Durban, África do Sul, com a família. Consta que este é o seu segundo heterónimo, tendo criado o primeiro apenas com seis anos de idade, o Chevalier de Pas. Apreciemos um dos poemas de Alexander Search:




A última das coisas


Chora pela última das coisas,
Pelo adeus que de todas vem,
Como se só passassem os olhos
Nas coisas vivas que permanecem.


Chora pelos espíritos nobres
Que foram, qual espuma se esgueira;
Chora pela beleza dos corpos
Agora menos do que poeira.


Chora pelas mínimas ninharias
Da nossa vida, que delas feita;
Por cada sonho, apenas sonhado,
Por cada esp’rança, logo desfeita.


Chora por reinos e por nações
Apenas sonhos e já passados;
Pelos credos e religiões,
Pelos ídolos, abaixo lançados.


Embora sua glória fosse vil
E desejada a destruição,
Contudo sabemos que existiram,
Existiram e não mais virão.


Chora por todas as alegrias,
Por muitos desgostos, no passado:
Um dia deseja o coração
Que tudo pudesse ter voltado.


Chora por tudo o que se foi
E pelas coisas que ainda são,
Pois, ao vê-las, o coração sabe
Que também essas não durarão.


Com tudo o que se passa se partilha
Um pedaço do nosso sentir:
Uma lágrima pelo que partiu, 
Um suspiro pelo que irá partir.

Alexander Search

(Heterónimo de Fernando Pessoa)


Poema:

domingo, 29 de maio de 2011

NÓS E OS MIÚDOS

Arruadas ou arruaças já se não vê bem a diferença nesta campanha alegre que nós observamos, por agora, passivamente. Daqui a oito dias a coisa muda de figura. Seremos chamados a escolher e a validar uma das situações mais desestabilizadoras dos últimos tempos. A estes dias de distância assistimos a conversas e birras de miúdos:

-se me deixarem entrar brinco sozinho; 
-eu, se entrar na brincadeira brinco com todos; 
-ah! enquanto eles andam pr'aí com birrinhas vou aproveitando e finjo que sou adulto, talvez pegue; 
-eu não assinei nada, hem! por isso não vale; 
-eu também não assinei e agora vejo que não meteram uma data de coisas, também não vale;

outros ainda, os mais pequeninos, também queriam mas vêem-se atabafados no meio disto tudo e só conseguem balbuciar umas coisitas que, quem sabe, até poderiam fazer algum sentido nesta brincadeira toda.

Pensar que isto não vai com ideologias, nem pelo carisma de líderes...com objectivos que conseguissem congregar vontades num desideratum nacional! Então qual será o caminho a seguir? Ler? Informarmo-nos através de documentos que nos encaminhem, pelo menos, para o sentido racional das coisas? Mas e depois? Subsistirá ainda o drama maior... 

A quem entregar o ceptro do nosso destino?

  

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A MINHA ALDEIA

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.


Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
ângulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.


Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desampara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.


Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.

Valências de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem 
no centro da minha aldeia.


António Gedeão

segunda-feira, 23 de maio de 2011

ENCONTROS LUSÓFONOS

Há por aí um fervilhar de pessoas de muitas proveniências procurando em vários encontros as suas semelhanças e diferenças, num intercâmbio de ideias, experiências e projectos, ao nível da Literatura, da Dança, da Escultura e da Pintura.
Elas vêm dos 8 países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste. Odivelas, concelho da Grande Lisboa, qual capital da Lusofonia, é o dinamizador e receptáculo destas iniciativas, concretizando o III Bienal de Culturas Lusófonas que já está a decorrer desde 2 deste mês e que vai até o dia 29. São encontros de multi- culturalidade cujo elo é a Língua Portuguesa.

Possa ou queira a CPLP encontrar o seu caminho de forma concreta, a nível institucional, no sentido de definir estratégias em relação aos problemas de imigração dos seus cidadãos, sem esquecer também os momentos de crise dos seus estados-membros.




sábado, 21 de maio de 2011

MÉRTOLA: FESTIVAL ISLÂMICO


Está a decorrer em Mértola o 6º festival islâmico, revivendo a herança árabe. Eis alguns apontamentos que retirei das fontes abaixo indicadas: 


As músicas, as artes, e sabores árabes que há séculos 'alimentavam' o quotidiano de Mértola voltam a 'invadir' a vila alentejana durante o 6º festival islâmico, que vai decorrer entre amanhã (19) e domingo.
Para reviver a herança islâmica da vila e as ligações com o Norte de África, o festival bienal, promovido pela Câmara de Mértola, recupera a 'Martulah' dos séculos XI e XII, quando era a capital de um reino islâmico e um importante porto comercial nas rotas do Mediterrâneo. O tradicional mercado de rua marroquino, o 'souk', espalhado pelas ruas estreitas e íngremes do labiríntico centro histórico de Mértola, a lembrar as medinas do outro lado do Mediterrâneo, abre na quinta-feira às 10h00. (dia 19)
A animação musical, através de som luso-árabe, será constante no 'souk', a cargo dos grupos Coral Guadiana de Mértola, Adufeiras, Boukdir, Mercadores de Abjul e Eduardo Ramos.


Mértola, sobranceira ao rio Guadiana, possui um enorme interesse histórico: de facto, esta vila encantadora e de casario branco é como um museu vivo, com os vestígios de diferentes períodos exibidos em áreas distintas.As origens de Mértola remontam aos fenícios, os quais criaram um porto comercial. Mais tarde seria aproveitado pelos romanos e arabes. Mértola chamar-se-ia Mirtolah para os arabes, e Myrtilis para os romanos. Os seus muitos tesouros podem ser admirados no Núcleo Romano, no Núcleo Visigótico e no Núcleo Islâmico.


Em 1238, D. Sacho II conquista Mértola aos mouros, doando a vila à Ordem de Santiago para esta a repovoar.


           Porque é preciso não esquecer. 






Nota: Aparecem estas duas grafias:
Martulah e Mirtolah

Jornal:Metro (18/05/2011)
http://www.liederkiste.com
http://www.mertolaonline.com/
Imagem:
http://dnn.cm-evora.pt

segunda-feira, 16 de maio de 2011



O sal da língua


Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém - mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar,

para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.


Eugénio de Andrade



Poema:
Foto: Olinda Melo

sábado, 14 de maio de 2011

ILHA DAS FLORES


A Madeira é um jardim, razão tinha o Max. Pois, aconteceu, ali, no domingo passado: O Grande Cortejo da Flor - A Festa da Flor. Um desfile espectacular com tudo quanto é flor a enfeitar milhentas de cabecitas pequeninas e gente mais graúda, lindas vestes, carros alegóricos, tapetes florais, enfim um encanto. E, inusitadamente, um grupo vestido da cor do fogo a desfilar ao som de Miriam Makeba. Não tão inusitado como isso, se tivermos em conta a riqueza do passado etnográfico do arquipélago. Também me chamou a atenção a construção do Muro da Esperança, no qual cada criança colocava uma flor, apelando a um mundo melhor. 

Nestas duas fotografias, que fui buscar ao endereço indicado abaixo, o violinista é o Filipe Abreu que nos deu o prazer de ouvir a sua grande voz na última edição do programa televisivo Operação Triunfo e ei-lo a desempenhar um trecho musical de forma exímia. Quanto talento será preciso para se ser considerado um talento, um ídolo? Bom, lá estou eu a misturar os concursos e os canais...O grupo dança ao som do seu violino.




Fotos da festa:
http://www.dnoticias.pt/multimedia/fotoreportagem/263669-cortejo-alegorico-da-festa-da-flor-2011
NOTA: Post de 11/5 que desapareceu... e que agora reponho, talvez, não integralmente.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

EUROPA


Mais do que coligar Estados, importa unir os homens, frase de Jean Monet um dos obreiros da integração europeia, integração pensada ainda no rescaldo da II guerra mundial e visando o aspecto económico, cultural e educativo. É assim que, passo a passo, vão surgindo as ferramentas necessárias para a concretização deste ideal de cooperação, primeiro pela criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, seguida pela Comunidade Económica Europeia fundada pelo Tratado de Roma, em 1957, sucessivamente alterado e adaptado. Ao mesmo tempo aumenta o número de membros e também a sua designação inicial, que cristaliza em União Europeia, pelo Tratado de Maastricht em 1992, com personalidade jurídica a partir do Tratado de Lisboa, em 2007. Sabemos como a evolução se tem feito, tanto no que diz respeito à legislação comunitária, e subsequente transposição interna, como nas decisões  de cada país no que toca à sua economia, culminando com aquilo que mais directamente nos afecta como cidadãos: a unificação da moeda. Presentemente, trata-se de uma União Europeia com um alargamento a 27 membros, um tanto periclitante e titubeante sem saber bem que rumo seguir, talvez com um deficit pronunciado em termos de ideias e ideais
No que se refere a Portugal, depois dos QCA* (I,II,III...) e do crédito externo recorrente que lhe tem dado a sensação de viver num El Dorado, importa acordar e encarar as suas responsabilidades.

E fica a pergunta:Que Europa queremos?  




*QCA - Quadro Comunitário de Apoio
Se interessar, vide:Portal da União Europeia
aqui, link no lado direito deste blog.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O QUINTAL DO VIZINHO


O quintal do vizinho é sempre melhor que o nosso ou então é a galinha da vizinha. O certo é que encontrei hoje a Dª Maria, senhora minha conhecida, e pareceu-me um tanto cabisbaixa. Contou-me que já mora no seu prédio vai para 20 anos e desfrutara durante este tempo todo da vista que as árvores do quintal do vizinho oferecia. E não é um quintal qualquer, das traseiras. Fica mesmo em frente, do outro lado do passeio. Sempre agradecera mentalmente e já o dissera várias vezes, em voz alta, para quem a quisesse ouvir, como se sentia abençoada por não ter à sua frente, sempre que assomava à janela do primeiro andar, olhos bisbilhoteiros a quererem devassar a sua privacidade. Mais ainda. Era indizível a felicidade que sentia ao olhar para a laranjeira, a nespereira, a palmeira e outras plantas que se entrelaçavam e que davam a impressão de um pequenino bosque. Era uma sensação já de pertença. Bom, no outro dia aconteceu-lhe o inesperado. Quando abriu a janela logo pela manhã deparou-se-lhe um espectáculo horrível: tinham cortado as árvores e o resto. Bem que ouviu uns ruídos esquisitos enquanto esteve a tratar da sua vida doméstica.Teve logo vontade de ir pedir satisfações ao vizinho, mas isso não era nada razoável. O quintal era seu, podia fazer dele o que quisesse. Mas pelo sim pelo não, ficou atenta com o receio de que começassem a construir algum mono mesmo à sua frente. Mas não, viu um homem a plantar couves, alfaces, e outras plantas que não conseguiu distinguir. Bem, do mal o menor... com a escassez que já se adivinha dá muito jeito umas couvinhas, umas verdurinhas mesmo ao pé da porta. Mesmo assim, ainda não está totalmente convencida de que a coisa ficará por aqui...


domingo, 1 de maio de 2011




PARA SEMPRE 

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento. 

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Carlos Drummond de Andrade