quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

BOAS FESTAS!





Boas Festas! Expressão que traz um mundo de significações todas elas muito belas. Alegria, felicidade, música, dança, fogo-de-artifício, companheirismo. E ainda bem que esta quadra se prolonga até ao Dia dos Reis, dando-me assim tempo para aqui vir agradecer a vossa companhia durante este ano de 2014, que está quase a chegar ao fim. Tempo também para vos desejar, além de boas festas, um ano de 2015 pleno de realizações, das mais queridas, das mais desejadas.

Entretanto, sigamos Ricardo Reis e colhamos o dia.


Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto — 
O dia real que vemos? No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis
Banco de Poesia da Casa Fernando Pessoa

Já agora uma outra versão, que encontrei aqui, com o título: Colhe o dia, porque és ele.

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo. 

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele. 


Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Qual delas será a correcta?
Eis um pequeno desafio para os próximos dias. Quem tiver o Odes que se apresente. :)

Excelente Réveillon!

Até sempre, meus amigos.

Grande abraço.

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Apontamento:

Levada pela curiosidade fui à procura de respostas em relação às duas versões desta Ode de Ricardo Reis.

O interessante destas duas versões é que ambas terão saído da pena de Fernando Pessoa. Aliás, situação frequente em relação aos escritos que atribuiu a Ricardo Reis, o que quer dizer que escrevia, reescrevia e reescrevia as odes.

Parece que o que ficou assente e o que prevalecia era a última versão, segundo as suas próprias instruções. Há editoras que levaram isso em consideração e outras que preferiram a última versão. Ática e Aguilar preferem a primeira lição; Bélkior opta por umas ou por outras e justifica a sua opção. Isso se interpretei bem o que vem escrito no “ Volume III da Edição Crítica de Fernando Pessoa-Poemas de Ricardo Reis-Imprensa Nacional Casa da Moeda”.

Então o que acontece com a Ode que aqui vos trouxe? Consta na obra acima referida que: “Inicialmente este poema tinha 12 versos; depois, o autor escreveu alternativas à máquina para alguns deles, indicando com precisão os respectivos alinhamentos; estas alternativas receberam a indicação não compor, a lápis, do editor da Ática”. Ver páginas 9 a 39, 178, 367 e 368.

Bem, então o que temos aqui? Parece-me que o meu amigo Jorge Esteves terá razão quando diz que a 2ª versão (12 versos) inscrita neste post é a versão original. Logo, a versão que apresento em primeiro lugar será a 2ª saída das mãos do autor.

Devo dizer que encontrei uma outra obra intitulada, “Fernando Pessoa, antologia poética-Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses”, que na página 133 traz a Ode com os seus 12 versos, tal e qual como a podemos ler aqui.

Meus amigos, bom mesmo é consultarem as obras de que vos falo ou outras se estiverem nisso interessados.

Abraço.

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Imagem: daqui

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Um passeio por Lisboa, a Bela*

Saímos de casa com o percurso já definido. Nos Restauradores entrámos no Starbuks para um arremedo de pequeno-almoço. Ali sentada com o meu caffèe latte e um muffin lembrei-me do sabor de um galão bem tiradinho e de um pãozinho quente com manteiga, nos nossos Cafés tradicionais. Mas, noblesse oblige. A ideia era também provar outros sabores.


Rumámos para a Rua Augusta com destino à arcada que tencionávamos visitar. A manhã estava tão clara que mal conseguíamos fixar para além dos nossos pés. Lá em cima, a mesma luz sobre a Praça do Comércio onde as pessoas pareciam irreais. E os preparativos para a festa do Natal, que está agora a decorrer, faziam-no um espaço de quase guerra. Nem divisávamos como de costume o belo cais das colunas.


Mas o casario ali estava, nítido, à nossa esquerda, e ao cimo o Castelo de São Jorge. Lembrámos o Castelo há uns anos quando se entrava e andava por ali à vontade. E também numa outra ocasião em que estivemos a apreciar a requalificação das habitações do centro histórico.

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Passámos de seguida pela praça do Município, relembrámos a proclamação da República ali feita em 1910. E a Rua do Arsenal com o seu cheiro característico, a bacalhau, a sair das lojas ainda típicas. A Ribeira, ah a Ribeira, já tão diferente, moderna e com outros ademanes. Para trás ficaram as madrugadas acordadas ao som de camiões carregados de legumes, fruta, dos pregões das peixeiras, e o chocolate quente bebido depois de uma noite de fado no Coliseu.

Mas tínhamos um objectivo: chegar a determinada Crêperie para ver como é que era. Não nos agradou. Foi uma decepção. E continuámos a nossa rota, cortando para a rua de São Paulo até ao Elevador da Bica. É melhor irmos no elevador, alvitrei eu. Mas não, seguimos pela rampa à esquerda e começámos a subir, a subir e a subir. 



A certa altura virámos à direita o que fez com que fossemos ter a meio dos carris do ascensor. O que fazer? Subir aquilo tudo até ao Calhariz ou voltar e apanhar o mesmo? Uma amável senhora disse-nos que subindo as escadinhas logo a seguir iríamos ter ao nosso destino. Senão, teríamos de dar uma grande volta. Pois, as escadinhas!



Quando chegámos ao cimo vimos a Rua do Almada e soubemos logo que a seguir estava o Miradouro de Santa Catarina. Ali o Sol fazia gala de todo o seu esplendor. Os turistas em mangas de camisa ou t-shirts e eu atabafada com a roupa que levava. E o  Adamastor, encandeado, rugia impropérios.



Entrámos na Calçada do Combro e virámos à direita em direcção ao Largo Camões e ao Chiado. Ali, a Brasileira, e Fernando Pessoa sentado na esplanada, paciente, sempre com um candidato ao lado para se deixar fotografar. E ao lado a Bénard convidando-nos a entrar.





E deixámo-nos estar nessa sala de visitas, sentindo o pulsar da cidade.

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* Lisboa, a Bela - como diria a UJM.
Fotografias - minhas

sábado, 20 de dezembro de 2014

Trégua de Natal




Em Dezembro de 1914, havia trincheiras nas frentes de batalha da Bélgica e da França. Os soldados disparavam através de uma terra-de-ninguém semeada de camaradas feridos e mortos. No dia 24 de Dezembro, porém, em certos pontos da frente ocidental, os alemães colocaram nos parapeitos das trincheiras árvores  iluminadas e os Aliados juntaram-se a eles numa paz improvisada: foi a trégua de Natal da Primeira Grande Guerra, cujo centésimo aniversário se celebra este mês.
A trégua "borbulhava a partir das fileiras" apesar dos éditos contra a confraternização, defende o historiador Stanley Weintraub. Depois de promessas gritadas entre trincheiras, alguns soldados dedicaram cânticos de Natal aos adversários. Outros emergiram para dar apertos de mão e partilhar cigarros. Muitos concordaram em estender a paz até ao dia de Natal para se poderem encontrar de novo e enterrar os mortos. Cada lado ajudou o outro a cavar sepulturas e a realizar homenagens fúnebres. Os soldados partilharam comida e presentes, trocaram botões de uniformes como lembranças e defrontaram-se em partidas de futebol.
"Ali ninguém queria continuar a guerra", assegura Weintraub. Mas as altas patentes ameaçaram os soldados que fugiam ao cumprimento do dever. Com o início do novo ano, ambos os lados "continuaram o seu trabalho sombrio", diz o historiador. Muitos recordaram carinhosamente a trégua nas cartas enviadas para casa e em notas dos seus diários: "Maravilhosamente espantoso, ainda que muito estranho,", escreveu um soldado alemão.-Patricia Edmonds, in National Geographic, Dezembro 2014.

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Pobres rapazes, o horror ainda mal tinha começado. Até Novembro de 1918, quanto sofrimento, quanta devastação! E a juventude perdida entre lamaçais e campos de morte. Mas, naquela altura, a esperança ainda imperava e quase ninguém acreditava que a guerra durasse tanto tempo.

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Imagem - daqui  

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço de gorjeios infantis





RAÍZES

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de anãs juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.

São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.

São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.



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É vê-los nesta quadra festiva em grupos, saltitantes e alegres. Os acompanhantes dificilmente conseguem controlá-los, e ouve-se: Ó João senta-te, Ó Catarina agarra-te ao corrimão... Ontem no metro foi assim, quase que me saltavam para o colo, os pezinhos a dar a dar nas minhas canelas e depois um ar de pedido de desculpas: oooh! e nada nada arrependidos. As pirraças uns aos outros, os risinhos sobre um certo cheiro que terá partido de um deles, o apertar do nariz por causa disso, mais uma brincadeirinha, a curiosidade perante o que é novo... É a vida na sua plenitude.

:)


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Poema: do site de António Miranda
Imagem daqui

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Nosso lado lunar

Caímos normalmente na assumpção da teoria do bom selvagem, aquele que a sociedade corrompe com estímulos vários, saído de um ambiente puro, livre de fingimentos e maldades e transferido para o seu contrário. Esquecemo-nos que toda a estrutura social tem as suas malhas e tramas, os seus conceitos de prestígio por vezes ditatoriais. O que muda é somente a maneira de ver as coisas e a sua valorização. Não há como fugir à certeza de que somos feitos de luz e trevas. Na luta entre o bem e o mal, segundo os nossos valores, não poucas vezes deixamo-nos sucumbir. Parece-me que a parte mais difícil será, não esta posição maniqueísta em que se consegue ver o lado bom e o lado mau, pré-estabelecidos, mas a parte cinzenta que a nossa consciência detecta e enfrenta. Esta, a consciência, é também fruto de toda uma informação de milhares de anos. E aqui temos a certeza de que realmente não somos uma tábua rasa e que no nosso interior vão se somando ideias, com avanços e recuos. As incertezas acumulam-se perante batalhas nem sempre ganhas, afirmando-se frequentemente o nosso lado menos benquisto. Nos dias que vivemos somos confrontados com situações que nos mortificam e chegamos a pensar que o fim dos tempos se aproxima. Mas, já várias gerações antes de nós tiveram este sentimento de destruição iminente. E penso que a nossa não será a última.

Boa semana, meus amigos.

Abraço 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Quando a harmonia chega

Escrevo na madrugada as últimas palavras deste livro: e tenho o coração tranquilo, sei que a alegria se reconstrói  e continua. Acordam pouco a pouco os construtores terrenos, gente que desperta no rumor das casas, forças surgindo da terra inesgotável, crianças que passam ao ar livre gargalhando. Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua. E a harmonia, que se desprende dos seus olhos densos ao encontro da luz, parece de repente uma ave de fogo.

Carlos de Oliveira
(1921-1981)
Trabalho poético

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Quis enviar-vos uma mensagem nesta manhã radiosa. Peguei num poemário de 2012, abri-o e os meus olhos caíram nesta página, nestas palavras de Carlos de Oliveira, que faço minhas.

Um bom domingo.

Abraço.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O melodioso sistema do Universo




O melodioso sistema do Universo,
O grande festival pagão de haver o sol e a lua
E a titânica dança das estações
E o ritmo plácido das eclípticas
Mandando tudo estar calado.
E atender apenas ao brilho exterior do Universo.


Álvaro de Campos



Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
Fernando Pessoa

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Poema - Banco de poesia Fernando Pessoa
1ª Imagem - daqui
2ª imagem -  Simplificação do retrato imaginado de Álvaro de Campos. Esboço de Cristiano Sardinha. 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Os ministros de pena

Eu não sei como não treme a mão a todos os ministros de pena, e muito mais àqueles que sobre um joelho aos pés do rei recebem os seus oráculos, e os interpretam e estendem. Eles são os que com um advérbio podem limitar ou ampliar as fortunas; eles os que com uma cifra podem adiantar direitos, e atrasar preferências; eles os que com uma palavra podem dar ou tirar peso à balança da justiça; eles os que com uma cláusula equívoca ou menos clara, podem deixar duvidoso, e em questão, o que havia de ser certo e efectivo; eles os que com meter ou não meter um papel, podem chegar a introduzir a quem quiserem, e desviar e excluir a quem não quiserem; eles, finalmente, os que dão a última forma às resoluções soberanas, de que depende o ser ou não ser de tudo. Todas as penas, como as ervas, têm a sua virtude; mas as que estão mais chegadas à fonte do poder são as que prevalecem sempre a todas as outras. São por ofício, ou artifício, como as penas da águia, das quais dizem os naturais, que postas entre as penas das outras aves, a todas comem e desfazem. 




Foi concluída a edição da Obra Completa de Padre António Vieira num total de 30 volumes, e celebrada no passado dia 3, em Lisboa. A conclusão da publicação contou com a participação dos professores e ensaístas Eduardo Lourenço, Carlos Reis e Viriato Soromenho-Marques. 

A Obra Completa do Padre António Vieira, num total de 15.000 páginas, começou a ser publicada em abril de 2013 e foi considerada pelo historiador José Eduardo Franco, um dos seus coordenadores, “o maior projeto da história editorial portuguesa”. O historiador realçou que, “destas 15.000 páginas, cerca de um quarto são de inéditos ou textos parcialmente inéditos, nomeadamente teatro e poesia, da autoria de Vieira, que até os investigadores desconheciam”. ver aqui


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Excerto trazido de O Citador. Inclusivamente o título.
Imagem - daqui

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Talvez um dia...Quem sabe!





POEMA

Talvez um dia
Quem sabe!...

Sim
talvez um dia...
pedra jogada
à nossa gaiola de vidro
e para nós
a fuga
além fronteira do mar.

Talvez arrebente um dia
o búzio dos mistérios
no fundo do mar
e mais um vulcão venha a tona
— dez vinte
mil vulcões — Quem sabe!...
e as ilhas fiquem derretidas:
Estranha alquimia
de montes e árvores
de lavas e mastros
de gestos e gritos.

Talvez um dia
onde é seco o vale
e as árvores dispersas
haja rios e florestas.
E surjam cidades de aço
e os pilões se tornem moinhos.

Ilhas renascidas
nuvens libertas...
Talvez um continente
À medida dos nossos desejos.

Sim
Talvez um dia...
Quem sabe!

Arménio Vieira, Prémio Camões 2009





Palavras fortes, estranha alquimia. Exageros de poeta? Na sua visão escatológica prevê e anseia por uma renovação, rompendo fronteiras, um milagre da natureza. E progresso.

Fustigada pelos ventos contra-alísios, as lestadas, que arrastam para longe as nuvens prenhes de água, envolvida pela bruma seca vinda do Saara, é caso para dizer: "Gente sem sorte, ca tem ramede, tchorá bô sina, tchorá magoade"*.

E quando o vulcão se cansar de vomitar lavas incandescentes as pessoas voltarão. No sopé, a terra terá o adubo de que precisa para o cultivo da vinha. Na Chã das Caldeiras. E farão dela a terra do leite e do mel.

Povo paciente e resistente que lê nas estrelas o seu destino.

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*Da Morna- letra de Gabriel Mariano, música de Jacinto Estrela:Sina de Cabo Verde.

O Poema foi retirado do site de António Miranda.