quinta-feira, 20 de março de 2014

Poesia Haiku: Um caminho pessoal de despojamento e de procura do essencial (9)


1

A ponta da asa
toca de leve na água:
Para sempre as ondas.

2

Na maré enchente
Um tronco hesitante
Rio? Talvez mar?

3

Tarde de Inverno:
ainda voam as gaivotas
e os guarda-chuvas.

4

Clarão de Lua
sobre a vaga encrespada:
Espuma de prata.

5

tempo de calma:
só um delgado círculo
entre céu e mar.

6

Em Janeiro, a fúria
do mar vem do ciume
das magnólias.

7

Na luz do farol
uma gaivota cintila.
Ou será um anjo?

8

Passos de gaivota
na areia encharcada.
Carta para quem?

9

...aprender a ler
a caligrafia das algas
na maré vazia...

10

O caranguejo
só conhece a sombra
dos barcos que voam.

11

No fundo do mar,
passam devagar as sombras
das aves, dos barcos...

12

Lavarei os olhos
para lá do horizonte.
O mar. A noite.


Luís Ruivo Domingos



in:

DE FRENTE PARA O MAR, pgs. 124 a 135, Colectânea integrada por dez poetas portugueses e organizada por David Rodrigues.


Sobre o autor, lê-se na pg. 136:


Luís Ruivo Domingos, 57, professor de Matemática e aprendiz de marinheiro. De um e outro ofício a necessidade de concisão, rigor, silêncio. Nas letras, traduções várias publicadas e poemas nas gavetas. Como mestres, Borges, Andrade e Sena, senhores da música e da palavra exacta.




Guiando-me pelo prefácio de David Rodrigues, dele inscrevo aqui mais esta informação: Citaria as palavras de Gonçalo M. Tavares no prefácio do livro "Estações Sentidas: 111 Haiku" descreveu a arte do haiku da seguinte forma:"Iluminar, concentrar, tornar mais forte cada palavra; exigir atenção, impor outro ritmo ao leitor; obrigá-lo a desviar os olhos das direcções comuns. Em suma dar a conhecer o prazer corporal da desaceleração, da lentidão lúcida, eis a arte do Haiku..."



NOTA: No citado livro os poemas não vêm numerados. Cada poema ocupa uma página.

Imagem retirada daqui

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