quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

'E se, de repente', um helicóptero lhe pousasse no quintal, trazendo-lhe o Livro dos seus sonhos?

Eu não tenho quintal, por isso, infelizmente, não terei esse prazer. Por baixo de mim há quem tenha uns quintalinhos, mas não dão para tanto. Talvez o Quintal do Vizinho de Dª Maria desse para isso, desde que arrancaram de lá as árvores.

Isto vem a propósito de um artigo que li na Revista Ler, Arte de Antecipação*, sobre a Amazon, distribuidora gigantesca, que, não tarda nada, começa a ler os nossos pensamentos mais resguardados.

Segundo o autor, José Mário Silva, foi anunciado, há meses, o projecto, num futuro próximo, da utilização de drones para fazer entregas em qualquer ponto dos EUA num intervalo inferior 30 minutos. Depois de escolhermos o que pretendemos, um veículo do tamanho de um helicóptero telecomandado pousa no quintal das traseiras com a encomenda.

Mas, há mais.

Na ânsia de ser sempre mais rápida que a concorrência, a Amazon está a preparar-se para enviar as encomendas aos seus clientes ainda antes de eles as fazerem. Exato: é como se lhes adivinhassem os pensamentos e as intenções valendo-se das quantidades incalculáveis de informação armazenada sobre hábitos de consumo (das compras feitas no passado às wish list, passando pelo tempo que o cursor permanece a pairar em cima de um determinado item) um sistema informático calculará que produtos terão uma probabilidade elevada de serem encomendadas e acionará o respetivo "envio antecipado". Assim, quando o cliente clicar por fim no botão de compra, o produto já estará em trânsito ou em espera num armazém mais próximo da morada de destino.

O artigo termina com a ideia de que talvez um dia, não muito longínquo, a Amazon anunciará o algoritmo capaz de definir sem que tenhamos voto na matéria o que na verdade cada um de nós precisa de ler, ver ou ouvir.






Bem vistas as coisas, nada que o pombo-correio não tenha já feito, mas agora, com os requintes próprios dos tempos que correm e com o acrescento de que algo ou alguém far-nos-á o favor de pensar e agir por nós.

Então não é um descanso?











*Revista Ler - Fevereiro/2014
Fonte imagem

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os meus amores

Trago comigo o endereço electrónico do livro de Trindade Coelho, Os Meus Amores, em pdf, que vos ofereço, do mesmo passo que agradeço ao Projecto Vercial que o disponibilizou na internet. É um livro de contos e tem três capítulos: Amores Velhos, Amores Novos, Amorinhos. De Amores Velhos extraí a passagem do conto 'Última Dádiva' que, a seguir, insiro aqui. Este conto é dedicado, pelo autor, a Júlio Monteiro Aillaud, aliás, todos os contos têm dedicatória.  

ÚLTIMA DÁDIVA

Distante do rio apenas um tiro de bala ficava o horto do José Cosme, belo horto ainda que pequeno, todo mimoso de frutas e hortaliças, fechado entre velhas paredes musgosas, atufadas em silvedo, comunicando com a estrada por um pequeno portelo mal seguro. E eis aí quanto ao pobre homem restava dos seus antigos haveres – o horto, a um canto a nora, e perto da nora, sob a umbela tufada e virente da antiga magnólia gigantesca, a mísera casinhola de alpendre, apenas com uma porta e duas janelitas laterais, mas toda pitoresca das heras que a revestiam, que lhe pendiam dos beirais enlaçadas com as trepadeiras. De modo que na Primavera, quando as parasitas abriam serenamente os seus melindrosos cálices sobre esse fundo de verdura reluzente, e a magnólia toda se toucava de flores fazendo dossel à vivenda, aquele pequeno canto de horto, com a sua nora e com a sua água espelhante e límpida, tomava a feição ingénua de uma delicadíssima tela de paisagista, aguarela deliciosa, alegre e idílica, cheia de encantos na poesia rústica da sua simplicidade. No Verão, às horas de calor, quando o sol caía a pino sobre a larga paisagem adormecida e turva, e as árvores da estrada não davam sombra que aliviasse, aquela tranquilidade com que o José Cosme ressonava sob o alpendre, braços nus e peito nu, o chapeirão de palha grossa resguardando-lhe a cara, fazia inveja aos que por ali passavam, cansados e cheios de poeira, flagelados por aquela estiagem inclemente.
– Ó Tio José! – gritavam-lhe do caminho. –
Tio José! Ó regalado!
(…)






Gosto deste género de escrita, a puxar pelo meu lado mais bucólico.

Boas leituras. 



Imagem: daqui
Esta imagem pode não representar a descrição da paisagem constante do texto mas... gostei dela... :)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Homem de Kiev

Nestes dias desgraçados em que as notícias nos confrangem o coração perante a violência em Kiev-Ucrânia, vem-me à ideia o título do filme, O Homem de Kiev, adaptação da obra de Bernard Malamud, O Faz-Tudo. São obras que contam uma história virada para o anti-semitismo prevalecente na época, portanto sem qualquer ligação com o que agora se passa. O facto de me surgir este título parece uma daquelas associações que o cérebro faz, sem razão aparente, recorrendo talvez a uma das circunvoluções que activam o subconsciente. 

Lembro-me, a propósito, do tempo em que, quase, não se ouvia falar dos países integrantes da URSS, a cortina de ferro, vista assim aqui do ocidente, e do tempo da guerra fria, cujos pólos procuravam não se enfrentar abertamente receando o espoletar de uma guerra nuclear. Contudo, faziam a guerra através de países do chamado terceiro mundo. Eram espaços privilegiados para terçar armas e arrebanhar para o seu seio incautos e necessitados, para onde transferiam as suas noções ideológicas e de negócios. 

Hoje, lidamos com uma espécie de déjà vu: dum lado a União Europeia e do outro a Rússia, ambas encorajadas pelos seus bons motivos económicos, estratégicos, políticos. Se a primeira se retrai esperando para ver, a outra já se adianta com ajudas que podem fazer toda a diferença. Mas, ouvi há pouco o anúncio da assinatura de um acordo entre a Oposição e o Presidente e que o Parlamento acabou de votar o regresso à Constituição de 2004, na qual os poderes presidenciais são mais reduzidos. No entanto, estejamos atentos aos sinais. 

Por aquelas bandas, nos balcãs, mais para sudeste, teve início a primeira grande guerra. No caso presente, o nacionalismo reprimido por tantos anos e a aproximação, de alguns, aos interesses representados pela Rússia, parte do processo, poderão representar o rastilho necessário para uma situação incontrolável.




imagem: daqui

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Cartas de amor quem as não tem

Quem sabia destas coisas era Tony de Matos, chanteur de charme, voz arrastada, inconfundível. Tanto Cartas de amor como Tu é que és a Tal, introduzem-nos nesse mundo romântico, onde tudo é encantamento e magia, enquanto dura a paixão, a novidade e, acima de tudo, o respeito e a admiração. E desejamos todos que seja assim para sempre. Só que o amor, esse amor cantado pelos poetas, é coisa finita. Ou não?
Todos sabemos que todas as cartas de amor são ridículas. Só o não são para o destinatário ou destinatária, desde que corresponda a tal sentimento. Na verdade, certas expressões de carinho e diminutivos apenas fazem sentido se lidos pela pessoa a quem são dirigidos.

Antigamente havia cartas de amor pré-escritas. Cartas que os apaixonados copiavam e endereçavam aos bem-amados. Ou então, quem não soubesse escrever teria de recorrer a quem tivesse algumas luzes, alguém que soubesse, pelo menos, desenhar as letras do alfabeto.

Já desempenhei essa função. Com os meus 8 anos de idade vi-me investida na responsabilidade imensa de passar para o papel as juras de amor de uma rapariga. Claro que deu para o torto. Ela ditava-me os seus anseios em determinado idioma e eu passava-os directamente para o português. Houve um dia em que uma palavra me atrapalhou. Não estive com meias medidas: pus na carta a que me pareceu melhor. Resultado: o seu bem-amado não gostou, zangou-se e a moça dispensou os meus serviços.


Quando os apaixonados se zangavam, devolviam as cartas. Quem que se considerasse ofendido ou defraudado nos seus sentimentos devolvia-as e exigia também a devolução das suas. Agora como é? Partindo do princípio de que se escrevem menos cartas, ou nenhumas, como é que se faz para devolver as sms, os e-mails, as mensagens no facebook? Talvez cancelando as contas? Bem, nada sei acerca disso.

É sabido que estes sucedâneos das cartas de amor não pertencem ao foro privado. O secretismo das palavras, quase sussurradas ao ouvido, e a solenidade dos pedidos de namoro ou de casamento foram substituídos, na maior parte das vezes, pelo hábito de propalar aos quatro ventos o pretendido. E nem é preciso dominar a escrita. É quase tudo instantâneo, com a utilização de símbolos, uma profusão de consoantes e abreviaturas que fariam inveja aos escrivães paleográficos.

Ainda que os meios sejam outros, mais rápidos, mais universais, menos exigentes no que à escrita diz respeito, o certo é que continua válida a retórica pergunta/afirmação:

Cartas de amor, quem as não tem...




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Canto da Boca trouxe-nos este lindo presente: Maria Bethânia e a sua Mensagem... com a declamação de: Todas as cartas de amor são ridículas. Obrigada, amiga.



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Ver post, no UJM, "O amor no Facebook (...)". 
No espaço virtual, imenso, onde nos movimentamos, tudo é armazenado, nada se perde. Um tema muito sério.


Imagens: daqui, daqui e daqui

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O amante da China do Norte





Anos depois da guerra, da fome, dos mortos, dos campos de concentração, dos casamentos, das separações, dos divórcios, dos livros, da política, do comunismo, ele telefonou. Sou eu. Ela reconheceu-o logo pela voz. Sou eu. Só queria ouvir a sua voz. Ela disse-lhe: Bom dia. Ele tinha medo como dantes, de tudo. A voz tinha estremecido, e foi nessa altura que ela reconheceu o sotaque da China do Norte.

Ele disse uma coisa sobre o irmão mais novo que ela não sabia: que o corpo dele nunca tinha sido encontrado, que ele tinha ficado sem sepultura. Ela não respondeu. Ele perguntou-lhe se ela ainda ali estava, ela disse que sim, que estava à espera que ele falasse. Ele disse que tinha deixado Sadec por causa dos estudos dos filhos, mas que ia para lá voltar mais tarde porque era o único sítio para onde lhe apetecia voltar.

Foi ela quem perguntou por Thanh, o que é que lhe aconteceu. Ele disse-lhe que nunca teve notícias de Thanh. Ela perguntou-lhe: nenhuma nunca? Ele disse, nunca. Ela perguntou-lhe qual era a opinião dele sobre isso. Ele disse-lhe que na sua opinião Thanh devia ter resolvido procurar a família na floresta do Sião e devia ter-se perdido e morrido aí, nessa floresta.

Ele disse que para ele era muito curioso que a história deles tivesse permanecido como era antes, que ainda a amava, que nunca poderia em toda a sua vida deixar de a amar. Que ia amá-la até à morte.

Ele ouviu-a a chorar ao telefone.

E depois continuou a ouvir chorar mais longe, do quarto dela sem dúvida, porque ela não desligou. E depois tentou continuar a ouvir. Ela já ali não estava. Tinha-se tornado invisível, inatingível. E ele chorou. Muito alto. Com todas as suas forças.





Extraí este texto das duas últimas páginas da obra de Marguerite Duras, 'O amante da China do Norte'. Nas palavras da autora, O livro poderia ter-se chamado "O Amor na Rua" ou "O Romance do Amante" ou "O Amante Recomeçado". No fim escolhemos entre estes dois títulos mais vastos, mais verdadeiros. "Escrevi este livro na felicidade louca de escrevê-lo".

Segundo o resumo, o livro conta a história da "criança": A criança, de 15 anos, tem uma mãe tentada a prostituir a filha e dois irmãos: o mais velho é violento e de mau carácter, o mais novo é medroso, um pouco atrasado mental. Não são ricos. Certo dia a criança, numa viagem pelo Mékong, encontra um jovem chinês de 27 anos, pertencente a uma família opulenta, e é amor à primeira vista. As origens separam-nos e a idade também, mas tal não os impede de viver uma intensa paixão que, embora contrária à sociedade que os rodeia e aos costumes familiares chineses, resistirá ao afastamento e à passagem dos anos. Esta história, que arrebata os sentidos e os corpos, tem, pois, a beleza, como diria a própria Marguerite Duras, da "soberana banalidade" do amor... 

Voltarei a este livro e a esta história.

Para já, descubramos as semelhanças e as diferenças, os pontos de contacto, do texto acima transcrito com o meu texto do post anterior.

:)

Abraço

Olinda

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Salpicos da vida

Ele não conseguia dormir. Dava voltas e mais voltas na cama, com jeito, para não acordar a mulher, companheira de muitos anos, mãe dos seus quatro filhos. Mas, não conseguia deixar de pensar naquela que ele considerava a mulher da sua vida e que se encontrava noutro continente. Recordava amargamente o momento aziago em que a perdera, talvez por culpa sua. Reencontrara-a há três anos, casada, com uma filha e uma vida profissional de sucesso. Nunca a esquecera e como lamentava não ter feito tudo para que continuassem juntos, não dando ouvidos a mexericos. Na altura, ela era uma menina de dezoito anos e ele já trintão. Tivera de partir, o dever chamava-o. Agora, ele, homem que cumprira todos os seus objectivos, que se fez a si próprio, chorava. Chorava porque sabia que algo de muito importante se escapara das suas mãos, irremediavelmente. Parecia-lhe que também ela ainda sentia a magia que os atraíra há tanto tempo. Outras vezes era ríspida e dizia-lhe que nada tinha a ver com ele. Tinha-lhe dito abertamente que não queria que lhe telefonasse. Sofria horrores e, nesse momento, eram cinco horas da manhã, revolvia-se impaciente. Estava decidido: logo assim que fossem horas decentes telefonar-lhe-ia. A urgência de ouvir a sua voz era mais forte do que o receio de ela se zangar. Começou então a contar os minutos, os segundos. Levantou-se, pôs os calções; ia dar um mergulho. Era um hábito diário, com o mar logo ali, convidativo, a dois passos. Na praia não havia ninguém. Deu umas quantas braçadas vigorosas, expelindo a energia acumulada numa noite de completa insónia.




Depois do pequeno-almoço saiu e, em largas passadas, percorreu a pequena distância que o separava do local donde podia telefonar. Consultou o relógio. Era uma boa hora, tendo em conta os fusos horários. Pegou no telefone, discou o número a medo e aguardou. Depois de alguns momentos ouviu-a:

Sim?!
Ele: Olá! Queria ouvir a tua voz...
...
Sim, eu sei que ainda é cedo, mas...
...
Não queres ouvir o que eu tenho para te dizer?
...
Repito-me porque o meu desejo é que falemos sobre as coisas...
...
Ok, já se passou uma vida quase, mas...
....
Sim, eu sei que devia ter lutado por ti, devia ter-te ouvido...
...
Qual é a minha proposta? Bem...

Sentiu-se cobarde de novo. Afinal, o que poderia oferecer-lhe? Não se sentia capaz de dar uma reviravolta à sua vida...

De facto, não a merecia. Tinha de reconhecer isso. Talvez tivesse mesmo de se contentar com as suas noites de insónia e com a premissa de que a distância também aproxima e que ninguém é só corpo. Quem sabe numa outra vida, numa próxima reencarnação tudo se compusesse. Esta linha de raciocínio perseguia-o, impedindo-o de resolver a vida aqui e agora.  Com um friozinho na barriga afastou-se dali.


****

13/02

NOTA: Como vêem, terminei a história. Agradeço a vossa participação que foi muito valiosa. Muito obrigada.


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Fevereiro, mês de todos os contos de amor.

Como terminará esta história, ou esta conversa?

Nem eu sei...  :)

Querem alvitrar alguma coisa?


Abraço

Olinda



Imagem: daqui
Parece que é um pôr-do-sol, não? Bem, preferia uma alvorada...

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Holambra - Cidade das Flores

O caminho que me conduziu a Holambra foi muito interessante. A partir de um tema do Sec.XVIII que me interessava fui avançando até 'Províncias Unidas-Neederlands/Invasões holandesas (Brasil)' e, no meio de veredas e atalhos, apareceu-me Holambra. Misteriosos são os caminhos da net. É assim que eu me perco...



Mas, gostei de descobrir Holambra, nome que é um misto de Holanda, América, Brasil. Existe desde 1948, uma data relativamente recente, e ligada à imigração de holandeses (neerlandeses) para o Brasil, após a 2ª guerra mundial.



Holambra (município paulista) é considerada o maior centro de produção de flores e plantas ornamentais. É também considerada, oficialmente, uma estância turística, que promove anualmente a maior exposição de flores da América Latina: a Expoflora, realizada anualmente, desde 1981, no mês de Setembro.

Setembro ainda vem longe. Porém, qualquer mês é bom para se falar de flores, em especial Fevereiro que apela a tudo o que é romântico, altura em que, por cá, se comemora o Dia dos Namorados.




Voltando ao nosso tema:

É evidente a preservação da cultura holandesa em muitos aspectos. Este é o Moinho Povos Unidos de Holambra, com 38,5 metros de altura (9 andares) e com o peso de 90 toneladas. O moinho foi construído em 2008 de acordo com os moinhos na província Holanda do Sul. Trata-se de réplica fiel de um tradicional moinho holandês, e conta com pás de 25 metros de comprimento.




E que dizer destes trajes, dos tamancos e do bailarico cujo compasso se adivinha? Existem vários grupos folclóricos e segundo este portal: Os alunos começam os ensaios em Fevereiro e vão até Agosto, para se apresentarem na Expoflora (em Setembro). 




Cada novo grupo recebe o nome de uma flor e um traje feito sob medida, que é utilizado por dois anos. Os tamancos novos só são entregues na base de troca pelos velhos. O apogeu dos grupos de danças aconteceu por volta de 2008, quando reuniram cerca de 320 alunos, de 10 grupos diferentes, com um reportório de cerca de 190 danças.






Também em relação à gastronomia, a influência holandesa é um facto. Dizem-nos aqui: Quando se trata de comida típica holandesa torna-se necessário falar de batata. E continuo a ler: Pratos muito comuns feitos com batata são o stampot, puré de batata com verdura ou hutspot com cenoura. 




Para além da referência à batata que também se come frita and so on, fala-se também de queijos, hamburguers e outras iguarias do género. Faz-me falta ler alguma coisa sobre comidas feitas pelas avós, essas lindas criaturas que existem em todo o lado, felizmente, qualquer que seja a cultura.




Também encontrei este video, que contém o Roteiro Gastronômico, turístico, de Holambra. Através do referido video ficamos a saber da variedade de pratos e a conhecer os restaurantes que os confeccionam. Mas ainda assim, deve haver pequenos segredos gastronómicos que se guardam e permanecem no seio das famílias.




Este outro video leva-nos a passear pelas ruas, a apreciar as paisagens, às ofertas de lazer, a confirmar as rotas gastronómicas, à festa das flores, à sua História.


.

Convido-vos a visitar este blogue. Nele encontramos belas imagens de Holambra e das suas flores.


Já agora, registo este slogan turístico:

Visite Holambra e descubra uma nova paixão.








****


Amigos:

Um bom fim de semana.

Abraço

Olinda

****

Do Brasil, Canto da Boca envia-nos as suas impressões, na primeiro pessoa, e este precioso apontamento histórico:
Enquanto eu lia e vivia sua postagem, dialogava de forma silente contigo, quando dizes: "É assim que eu me perco...", eu replico, Olinda, cara amiga, é assim que tu te encontras, é assim que tu encontras belezas pelo mundo e partilhas conosco.

Quando eu era criança, e o caminhão carregado de flores, vindo de Holambra, chegava à minha cidade, era uma festa, todas as casas se enfeitavam.

Hoje vivo em uma cidade que sofreu com a "invasão" da Companhia das Índias Ocidentais, e a mando do conde alemão, Maurício de Nassau, foi incendiada, saqueada, vilipendiada, como foram todas as demais que viveram o processo de colonização. No entanto, o Recife, nossa vizinha, viveu um período de 24 anos, sob o domínio dessa coroa, e foi quando tivemos o primeiro plano de urbanização, investimentos de outras sortes, além da tolerância religiosa. Aqui acolá percebemos uma ou outra influência holandesa, mas não como Holambra.
Mas é essa diversidade que faz desse país, de 8. 514. 876 km² de extensão, ser essa surpresa e imensidão.

Mais uma vez saímos daqui enriquecidos com sua postagem, obrigada, deixo-te um beijão e um desejo de ótima semana!

;))

****

Obrigada, amiga.
Bjs
Olinda

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Pela estrada longa da minha esperança




De cabelo ao vento,
  Pela estrada longa da minha esperança,
  Vou marchando sempre,
  Ao compasso quente do meu coração.

  Vou de mãos vazias, vou de lábios secos.
  Pela estrada longa da minha esperança
  Vou colhendo tudo e vou deixando tudo.

  Dias, meses, anos, vou-os sepultando
  Sob a estrada longa da minha esperança.

  Olham para mim
  E gritam de sarcasmo:
  -Por que vais marchando, por que vais sorrindo?
  Que mistério é esse que te acena ao longe?


         Vão caindo folhas...
         Frios ventos uivam
         Pelo descampado...


Aguinaldo Fonseca
   (1922-2014)

(Linha do Horizonte, 1958)

in: No Reino do Caliban, pg 167

****


Chegados a este poema, Aguinaldo Fonseca deixa uma pergunta no ar:'Que mistério é esse que te acena ao longe?'. Talvez seja mesmo a esperança a acenar-nos, a dizer 'estou aqui', não se percam de mim. Mas também há uma pergunta no ar em relação a ele próprio: Por que motivo não publicou mais nada além do livro de poemas, 'Linha do Horizonte'? Desesperança ou teria encontrado as respostas todas? Poderia um poeta desta força deixar de escrever, se ele considerava: 'para mim, poesia é vida'?

Considerado o primeiro, de entre os poetas cabo-verdianos, a envolver África, como um todo, na sua poesia, atravessando os limites da sua insularidade, e, muito embora não esquecendo os grandes temas da seca e da fome privilegiados a partir dos claridosos, 1936, não há dúvida que a sua obra consubstancia muitos dos princípios que fizeram escola no movimento designado por negritude.

Numa análise de Amílcar Cabral, lê-se a respeito:(...) a evolução da Poesia Cabo-Verdiana não pode parar. Ela tem de transcender a “resignação” e a “esperança”. A “insularidade total” e as secas não bastam para justificar uma estagnação perene.
As mensagens da Claridade e da Certeza têm de ser transcendidas. O sonho de evasão, o desejo de “querer partir”, não pode eternizar-se. O sonho tem de ser outro, e aos Poetas – os que continuam de mãos dadas com o povo, de pés fincados na terra e participando no drama comum – compete cantá-lo. O cabo-verdiano, de olhos bem abertos, compreenderá o seu próprio sonho, descobrirá a sua própria voz, na mensagem dos Poetas.
Parece que António Nunes e Aguinaldo Fonseca estão na vanguarda dessa nova Poesia. Não se conformam com a estagnação. A prisão não está no Mar.
Realmente Aguinaldo Fonseca fez chegar até nós a mensagem da sua Nova Poesia
Depois...calou-se?
 ****
Pela estrada longa da esperança este autor foi marchando, mas aos poucos foi murchando e a poesia, sua vida, foi acabando. Calou- se o poeta e o motivo só ele o saberá; mas...a esperança foi diminuindo...a ingratidão foi sentindo e aos poucos foi deixando tudo. Talvez se tenha cansado, o poeta, cansado de não ser ouvido...de não ser entendido e não ser reconhecido pelo tanto que estava a dar ao seu povo, alertando...consolando...dando esperanças . E, do mesmo modo que caem as folhas foram caindo as sua letras perdendo-se no grande descampado. Gostei muito de ter conhecido este poeta, Olinda e tenho pena que se tenha calado. Ainda bem que te lembraste dele e nos deste a conhecer o grande poeta Aguinaldo Fonseca.

Os Poetas vêm e sentem o caminho e o chamamento; parece depreender-se qual "[...] mistério é esse que (...) acena ao longe[...]".
Na Vida há muitos acenos a indicar os novos rumos traçados.
Acerca das tuas Notas complementares (excelentes) apenas a notação de que um Poeta não o é pelos Livros que escreve ou escreveu.
Haviam (há) demasiadas resistências (políticas e económicas) á publicação de Poesia na época, sobretudo quando se tratava de um Cidadão Português de Cabo Verde.

****
Imagem: Tela de Modesto Mamba-angolano
Retirado de aqui

domingo, 2 de fevereiro de 2014

E a Lua Cheia que veio // A voz quente do batuque, // Faz feitiço... // E o negro dorme // Sonhando ser santo um dia.



Magia negra

Abro
  De par em par a janela
  Ao convite da noite tropical.
  E a noite enche o meu quarto de estrelas vivas.

  Nesta hora morna e calma,
  Profunda e densa como um túnel,
  O rumorejar longínquo das palmeiras
  Varrendo o Céu
  É misteriosa voz do negro martirizado

  Prendo os meus gestos e o meu grito abafo.
  Silêncio...
  No poço da paz nocturna
  Interceptada
  Pela orgia sincopada
  Das estrelas e dos grilos,
  Arrasta-se o vão lamento
  Da África dos meus Avós,
  Do coração desta noite,
  Ferido, sangrando ainda
   Suores e chicotes.

  E a Lua Cheia que veio
  A voz quente do batuque,
  Faz feitiço...
  E o negro dorme
  Sonhando ser santo um dia.

  Aguinaldo Fonseca
     (1922-2014)

(Linha do Horizonte, 1951)

in:No Reino de Caliban, pg 165


***

Penúltimo post desta série, em homenagem a Aguinaldo Fonseca.

Agradeço a todos, tanto a presença como os comentários.

Votos de um bom domingo.

Abraço

Olinda


***

Imagem: Pintura- de Malangatana, moçambicano.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Herança





O meu avô escravo
legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.

As ilhas
por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.

Agora
aqui vivo eu
e aqui hei-de morrer.

Meus sonhos
de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.

Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.

Como tu
também tenho a esmola do luar
e por amante
essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.

Aguinaldo Fonseca
   (1922-2014)

(Claridade, nº8, 1958)

in: No Reino de Caliban, pgs 158/159


Imagem:Trabalho de Eduardo Malé
artista são-tomense