terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Trago os meus lábios salgados e algas no paladar. Mas também...Num desvão da alma ainda debruça uma varanda sobre um mar de auréolas.


Andam Palavras na Noite

Andam palavras na noite
Cansadas de me chamar.
Trago os meus lábios salgados
E algas no paladar.

Eu sou um grande oceano
Que só fala a voz do mar!
Mas já sinto o mar cansado
De pedir o luar ao céu
Que a Noite não lhe quer dar! 




Mãe Ilha

Foi isto outrora na ilha das fadas
Embrumada em hortênsias. Não sonhei.
Sobre as lagoas de águas encantadas
Dormiam os feios e não havia lei.

As vacas, nas colinas esfumadas
Ruminavam o eterno. Ali folguei
Na festa das crianças coroadas.
Reinava o Amor e não havia lei.

Dentro da música a casa repousava.
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.

Rumores longínquos da infância oclusa,
Que num desvão da alma ainda debruça
Uma varanda sobre um mar de auréolas

Natália Correia

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Hoje acordei com estes versos no pensamento. Também com uma ponta de nostalgia a envolver-me a alma. Mas olho lá para fora e vejo que o dia está convidativo, a chamar-me para um passeio refrescante.


A quem por aqui passar desejo qualquer coisa como a paz que estas palavras transmitem:


Dentro da música a casa repousava. 
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.


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Imagem: pixabay

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O meu presépio vivo

Uma criança que é salva no Mediterrâneo entre quatrocentos e tal refugiados, que também são salvos, por marinheiros nossos. Um edil que premeia o nascimento de crianças para nos salvar do envelhecimento populacional e da desertificação do interior, apresentando-nos na sua festa vinte e seis infantes nascidos durante este ano. Uma criança de poucos meses violentada e morta em consequência por quem lhe devia protecção e cuidados. Um jovem homem que morre num hospital porque aos fins-de-semana não há cirurgiões da especialidade. 

São estes os casos, desta semana, que escolho para documentar a nossa capacidade de fazer o bem e o mal, cabendo a nós próprios, com o nosso livre-arbítrio, escolhermos uma coisa e não outra. Recolho em mim as alegrias e tristezas dos meus semelhantes, e Deus me dê o discernimento necessário para pensar com clareza em todos os dias da minha vida. 

Meus amigos, desejo-vos um Santo Natal. 




Um presente da amiga Gracita.

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domingo, 20 de dezembro de 2015

Caros leitores, por onde andais? Alguns de vós...

Comunico-vos que ontem perdi 13 seguidores e hoje mais um, totalizando, portanto, 14 seguidores. Deduzo que seja uma partida do blogger, dada a rapidez com que a coisa se tem feito e, também, porque há um outro blogue que ontem também se queixou do mesmo. Penso que esta sangria não ficará por aqui. Poderá acontecer que, com estas eliminações, não me cheguem aqui ao Xaile as vossas actualizações. Mas, não há-de ser nada...




E porque estamos na época natalícia ofereço-vos estas palavras de dois grandes poetas, que temos a honra de conhecer:

Chove. É dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.


Fernando Pessoa





Último Poema

É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.


Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os dióspiros ardendo na sombra.


Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.


Eugénio de Andrade

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Pois, é verdade. Não neva nem é Natal, mas como disse outro grande poeta, Ary dos Santos, Natal é quando um homem quiser. Pode ser hoje, qualquer dia, todo o ano.


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Imagens:Internet

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Ode aos Natais esquecidos



Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta 
que dava acesso aos mistérios da noite, 
daquela noite em particular, por ser a mais terna 
de todas as noites que a minha memória 
era capaz de guardar, com letras e sons, 
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis. 
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos, 
a lembrança de outras noites e de outros dias, 
os brinquedos cansados da solidão dos quartos, 
os cadernos invadidos pêlos saberes inúteis. 
E todos me diziam que era ainda muito cedo, 
porque a meia-noite morava já dentro do sono, 
no território dos anjos e dos outros seres alados, 
hora inatingível a clamar pela nossa paciência, 
meninos hirtos de olhos fixos na claridade 
enganadora de uma árvore sem nome. 


Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também. 
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante 
como a tristeza de um fantasma confrontado 
com a beleza da vida para sempre perdida. 
Deixaram de me dar presentes e de dizer 
que era o Menino Jesus que os trazia 
para premiar a minha grandeza de alma, 
o meu desejo de ser bom para os outros. 
Passei a escrever sobre tudo isso, sofregamente, 
só para não ter de escrever sobre a saudade 
que esse tempo fugidio deixou em mim.

 
A árvore mirrou de frio num canto da sala, 
os presentes apodreceram no sótão da casa, 
juntamente com os doces da Consoada 
que ninguém teve vontade de comer, 
nem mesmo os mais gulosos como eu. 
Um homem de muita idade bateu-me à porta 
e depositou-me nas mãos um pequeno embrulho: 
«Eis o teu presente de Natal» — disse-me. 
Abri-o e vi um livro onde se contava 
toda a minha vida desde o primeiro Natal 
de que conseguia lembrar-me, tudo o mais esquecendo. 
Ali estava eu de pé, muito quieto, junto da árvore, 
à espera que alguém me viesse dizer 
que o céu era pródigo em revelações e dádivas. 
Era para lá que eu sonhava ir quando morresse. 



Quando Dezembro se aproximar do fim, 
lançarei pétalas ao vento como se tentasse 
semear o perfume do que fui enquanto acreditei. 
Talvez o homem volte com outro embrulho secreto, 
só para me dizer que esse é o livro que ainda me falta escrever. 
Então, juntarei os amigos, os filhos e os netos 
numa roda de luz à minha volta e direi do Natal 
o que os antigos diziam dos heróis e dos deuses: 
foi à sombra deles que nos fizemos homens. 
Quando eu partir de vez, lembrem ao menos 
a ternura do meu sorriso de menino 
quando a meia-noite soava no relógio da sala 
e eu acreditava ainda que a felicidade era possível. 

José Jorge Letria
-1951-


Jornalista.Político.Escritor.Português.

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Imagens crianças - pixabay
Poema - Citador

 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Pequenina

                                                       És pequenina e ris ... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa ...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve 
Ao Céu que assim te faz tão graciosa! 
Que nesta vida amarga e tormentosa 
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente ... 
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores 
Quando o teu nome diz, suavemente ...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores 
Que fizeram de mim isto que sou! 

Florbela Espanca



Para a pequenina Leonor, neta da Maria, que faz hoje um aninho.

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"Roubei" a imagem do bolo aqui. Os meus agradecimentos.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O cheirinho a canela, o tempo das especiarias e...a teleculinária

Hoje em dia não nos detemos muito a pensar no tempo em que as especiarias eram uma raridade na Europa. Pois bem. A partir dos Séculos XIV e XV começou a ampliar-se a demanda das terras encantadas que produziam essas espécies, incrementando-se as viagens às terras da misteriosa e longínqua Ásia, ou às "ilhas das especiarias" cuja localização muito poucos conheciam. Os percursos para lá chegar remontam, vejam só, aos gregos e aos romanos. São as famosas Rotas das Especiarias


A pimenta-do-reino, o cravo-da-Índia, a canela e a noz-moscada, eram os produtos mais procurados. Por via disso, como sabemos, eram caríssimos. Conferiam um gosto exótico à comida e, por outro lado, disfarçavam algum mau sabor, fruto das falhas na conservação alimentar, próprias da época. Viria o tempo em que, nas nossas casas, passaríamos a dispor de várias ferramentas de refrigeração e chegaríamos à suma facilidade de apenas carregar num botão para tudo acontecer.

O meu objectivo agora não é contar a história do contributo dos nossos bravos navegantes, que deram novos mundos ao mundo, mas tão-só falar um pouco do cheirinho a canela e da canela e da grande satisfação que isso me traz. Múltiplas recordações de aconchego, em especial nesta quadra natalícia, apresentam-se em todo o seu fulgor. 

Folheando uma Teleculinária, especial, de Novembro, encontro várias receitas e referências a ingredientes que definem os "sabores tradicionais". Entre eles, encontra-se a canela e uma receita de arroz doce que reza assim, em termos de ingredientes: 150g de arroz carolino, 125g de açúcar, 3 gemas, 7dl de leite, 1 casca de limão, 1 pau de canela, 2dl de água, Canela em pó q.b. 


A seguir vem a preparação.1.Leve ao lume a água, deixe ferver, junte o arroz e deixe evaporar. Adicione o leite previamente fervido com a canela e a casca de limão e deixe cozer. 2.Quando o leite estiver quase absorvido, junte o açúcar e deixe acabar de cozinhar. 3.Bata as gemas com um pouco de leite e adicione o arroz, mexendo até engrossar. Retire para um prato, deixe arrefecer, decore com canela em pó e sirva.

E agora dizem-me assim: Oh! grande coisa, quem é que não sabe fazer um arroz doce? Pois, digo-lhes uma coisa: Nem sempre me sai bem.Também não sou nenhuma especialista nestas lides. Contudo, a minha conversa ainda tem um outro fim. Por isso, trouxe para aqui a teleculinária.



Lembram-se do Chefe Silva, o homem que dominou as nossas aspirações, nessa área, durante muito tempo? Quando ainda não havia a profusão de programas de culinária como há actualmente, António da Silva já fazia os seus cooking shows, na RTP, privilegiando a cozinha tradicional portuguesa. Fundou a referida revista e escreveu vários livros de receitas. Faleceu no último mês de Outubro, dia 14. 

E para rematar isto, convidei o incrível Fausto, o cantor e compositor que sabe como ninguém trazer-nos sons e cheiros que nos levam em viagem aos recônditos reinos do gengibre, da pimenta, da canela..."e, se mais mundo houvera, lá chegara". Afinal, quem o não conhece? 

E é por aqui que ele nos leva: "Por este rio acima":

 

 (...)
Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho
Flutuando nas águas
Dos rios dos céus
Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas
leve como o ar
A terra a navegar
Meu bem como eu vou
Por este rio acima

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-Imagem: Especiarias num mercado de Goa, Índia.
-Todas as imagens foram retiradas da Net.
-A imagem do arroz doce, diz a fonte, é arroz doce de leite creme. 
-"E, se mais mundo houvera, lá chegara".Canto VII (Parte I,14)-Lusíadas-L.Camões-aqui

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A missão de Robertina

O telefone tocou, atendi e ouvi a Robertina a dizer-me: 

-Olha, tenho uma coisa para te contar. 
-Ai é? Então, conta lá!

-Hoje, ia a passar pela Biblioteca e resolvi entrar. Virei a esquina e encaminhei-me para o jardim que a circunda. Então, o que eu vejo? Uma senhora, de cabelos branquinhos, a puxar um carrinho de compras. Acho que não estava cheio nem pesado. Era antes uma forma de transportar as suas coisas. Tudo normal até aqui. Bem, um pouco antes de passar por ela, vi que ela se pôs-se a olhar para o chão, assim um pouco curvada. Passei, olhei e avancei. Depois doeu-me o coração, olhei para trás. Vejo que ela está ainda mais curvada, como quem anda à procura de lentes de contacto porque eu não via ali nada, à vista desarmada. Aproximei-me e perguntei-lhe, por descargo de consciência:

-Precisa de ajuda?
-Ó filha, caiu-me o arame...
Não percebi logo:
-O arame?
Um "sim" um pouco impaciente fez-se ouvir.
-A miúda ali atrás pôs-me um arame a segurar a sola do sapato...disse-me que aguentava e agora acho que caiu e não o encontro.



E mostrou-me um dos sapatos com a sola solta até ao meio. Olhei para um lado e para o outro, não vi nada e então disse-lhe que ia à procura dele um pouco mais atrás, refazendo o caminho percorrido pela senhora, ao contrário.
Lá fui eu, mas por mais que procurasse não via o arame.
Tive de voltar e disse-lho. Ela levantava e levantava o pé mal calçado a olhar para ele e eu a olhar para aquilo sem saber o que fazer. Por fim, tive uma inspiração. Ando sempre com um elástico no pulso para o caso de ter de prender o cabelo. Propus-lhe essa solução, isto é, de prender a sola ao sapato, com ele. E ela disse aflita:

-Ó filha, não! Agora vai ficar sem o seu elástico!
-Não se preocupe. Não me faz falta nenhuma. A senhora é que precisa prender essa sola senão ainda cai...Deixe-me fazer isso, sim? Olhe, o elástico é preto nem se nota.

Ajoelhei-me, meti o elástico por baixo, vi que ainda tinha uma folga e procurei dar um nó o mais apertado que consegui.

-Está a ver? Acho que consegue chegar a casa.
-Obrigada, filha. Deus lhe pague!

Eu encaminhei-me para o meu destino e ela lá foi avançando, arrastando o carrinho e levantando o pé uns bons centímetros do chão a cada passada. Olhei para trás uma e outra vez. Não estava convencida.

-Então, Robertina, fizeste o que te foi possível. Fizeste a tua boa acção do dia se é que já não tinhas feito outras que tais durante o dia!- disse-lhe eu.

-Eh pá, não. Depois, eu ali na Biblioteca, sentada, a folhear uma revista e a senhora a palmilhar com dificuldade o caminho até casa, sabe-se lá onde. Eu devia ter ido com ela...

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Imagem: Net

COP21 - Cimeira do Clima em Paris - e a história não contada de alguns milhares de sapatos

Quando se fala desta Conferência sobre o Clima, COP21, o que surge de chofre perante os nossos olhos, gravada na nossa retina, é a exposição de mais de 20000 sapatos de pessoas impedidas de desfilar em manifestação sobre o Clima, nas ruas de Paris. Como se sabe, esse impedimento deveu-se às medidas de segurança adoptadas por causa dos últimos atentados.Também para muitas dessas pessoas terá sido um gesto simbólico em homenagem aos mortos do Charlie Hebdo em Janeiro último e dos mortos e feridos da zona da sala de espectáculos Bataclan, em 13 de Novembro. 


Como pudemos ver, eram sapatos usados, com as marcas dos pés dos seus proprietários, botas, botins, ténis, sapatos de homem, sapatos de mulher, sapatos de criança: relatos silenciosos. Se os pudéssemos ouvir o que não nos contariam! Tantos caminhos trilhados, momentos bons e menos bons, dias de felicidade e dias de lágrimas. Por detrás de cada sola mais ou menos gasta um mundo de sentimentos, revolta, frustração mas também muito amor. E é nesse amor uns pelos outros que nos devemos concentrar.



Num outro cenário, têm estado reunidos representantes de 195 países decidindo do futuro do nosso planeta, procurando um acordo em termos de percentagens de emissão de gases para a atmosfera. A poluição é assunto que nos diz directamente respeito. Acontece em todo o mundo, à nossa porta. Nos mares, no ar e em terra perecem várias espécies. Morrem cursos de água, contaminados, por causa da nossa incúria. E as mudanças climáticas estão aí para comprovar que estamos a seguir um caminho perigoso ao não darmos valor à preservação da natureza.

Diz-se aqui que: O objectivo da COP 21 é produzir um novo acordo juridicamente vinculativo através de um compromisso comum entre todos os países no sentido de limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2º C, com base nas "Contribuições Pretendidas, Determinadas em Nível Nacional" (INDCs), apresentadas por cada governo.

Pois que venha esse Acordo entre as partes e que seja cumprido na íntegra.
E saibamos nós também, cada um no seu rincão, trabalhar no sentido de minimizar o nosso rasto ecológico.

12/12/2015

O Acordo entre os 195 países foi, hoje, assinado, situando a emissão de gases em 1,5º C. Uma vitória, depois de tantos anos de hesitações. Se os termos do acordo forem integralmente cumpridos não há dúvidas de que nós e o nosso planeta teremos muito a ganhar. Ver a notícia aqui.  

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Nota: 
Vide esta notícia
Portugal caiu 10 lugares na luta contra alterações alterações climáticas - aqui

   

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Uma louca chamada Esperança



Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
- Ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Mario Quintana, (1906-1994). Poeta.Tradutor.Jornalista. Brasileiro.

"Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. 
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!"
  
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Do blog picosderoseirabrava trouxe a imagem e esta mensagem: 

A chama da amizade
Amizade em cadeia. Porque Dezembro é um mês muito especial.
Esta chama acesa vem do blog da Fê Blue Bird e espero que propague por outros e muitos mais.

(Ver post anterior) 


sábado, 5 de dezembro de 2015

Dia Eça de Queirós

É amanhã.
À semelhança da homenagem prestada a Ramalho Ortigão, 06/02, o dia 6 de Dezembro é dedicado a Eça de Queirós(1845-1900)- escritor nosso conhecido quanto mais não seja por o termos lido na escola, mais precisamente em "Os Maias", "A Ilustre Casa de Ramires", entre outros. 

De lá para cá muitos de nós lemos a colecção toda. O último livro que li foi "A Capital"- encontros e desencontros numa grande cidade que, da província, é considerada um lugar de grandes oportunidades, tudo facilitado e são no círculo de pseudo-intelectuais mas, na realidade, um poço de desilusões e de oportunismos. Foi o que sentiu o ingénuo e crédulo Artur, protagonista de muitas peripécias.


E como o prometido é devido, aqui, trago-vos a notícia desta homenagem, uma parceria entre o Centro Cultural de Belém e o Centro Nacional de Cultura. Eis o programa,* onde consta que o mesmo é provisório, talvez na esperança de, à última hora, surgirem mais ideias de modo a fazer-se um retrato o mais fiel possível deste autor da literatura portuguesa. Realmente, falar de Eça de Queirós com propriedade não será tarefa fácil. Que o digam os queirosianos que porfiam no estudo e compreensão da sua personalidade e da sua escrita.

Mas, o que sabemos assim sem grandes análises é que Eça de Queirós foi um exímio farpeador da sociedade dos seus dias. A documentá-lo, lê-se neste artigo o seguinte:

É um dos maiores romancistas portugueses e talvez a voz mais crítica e impiedosa da segunda metade do século XIX. 
E maisA sua produção literária é marcada por um ritmo que impressiona: desde “O Crime do Padre Amaro” até “A Ilustre Casa de Ramires” não esquecendo a obra maior que é “Os Maias“, este escritor português conta com  mais de 30 romances publicados e traduzidos em cerca de  20 línguas.

Recapitulando: A sessão começa às 15h00 de amanhã e a entrada é livre. Então, marcamos encontro no CCB, no pequeno auditório, certo?

Se, entretanto, preferirdes ficar no recesso dos vossos lares deixo-vos aqui, caros amigos, este link que vos conduzirá a alguns livros do autor (download grátis).

Realmente, este domingo promete.

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Do blog picosderoseirabrava trouxe agora esta mensagem: 

A chama da amizade
Amizade em cadeia. Porque Dezembro é um mês muito especial.
Esta chama acesa vem do blog da Fê Blue Bird e espero que propague por outros e muitos mais.




Obrigada.

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* Voltei há pouco ao site e o programa já não está "provisório", o que lhe retira um pouco do seu mistério. 

sábado, 28 de novembro de 2015

Adequadas palpitações...

De vez em quando pego num poemário que aqui tenho, edição de 2012, e abro-o ao acaso. Fi-lo agora e apareceu-me este poema que partilho convosco, transcrevendo-o mais abaixo:





Os meus olhos estavam dispostos a conhecer-te, e o meu coração
A amar-te. Fui teu imediatamente
Por inteiro, para sempre, teu
Honradamente, com pura intenção,
Com excessivo amor e alegre cuidado:
Assim fui, assim sou, assim serei.
Conheci a tua generosidade, a tua verdade, conheci-te
E aos piedosos companheiros: ouvi-te falar
Com adequadas palpitações. Sobre a corrente, 
Profunda, rápida e clara, os lírios flutuavam; os peixes
Corriam através das sombras. Aí, tu e eu
Líamos a Bondade nos nossos olhos e assim nos unimos.


Este poema é de Robert Louis Stevenson (1850-1894). Ele tinha uma saúde frágil o que o fazia viajar muito em busca de climas quentes. Talvez a instabilidade daí decorrente o levasse a desenvolver uma constante preocupação com a morte e a internar-se no lado mais escuro da natureza humana. Ele é, por sinal, o autor de O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde...

Contudo, veja-se quanta harmonia contida neste poema, em que os olhos e o coração nos falam de honradez, de generosidade, de amor.

Desejo a todos um bom fim de semana.

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Poema do: 
Poemário, Assírio & Alvim, 2012
*O título do post não corresponde ao título do poema que, no livro, é a repetição do primeiro verso, quase na íntegra.
(A tradução e selecção é de José Agostinho Baptista)
Imagem: Pixabay 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Coisas da vida

Hoje pretendia gizar uma pequena reflexão sobre a direita e a esquerda, a sua origem e evolução, se para isso me bafejassem o engenho e a arte. Mas, aconteceu uma coisa que me perturbou bastante, numa das minhas ocupações.



A meio de uma reunião, quando decorria o coffee break, o senhor José, de 80 anos, dirigiu-se-me e disse: Esta data, 24, é penosa para mim. Nem queria sair de casa e depois pensei que, talvez, aqui, ouvindo as pessoas e falando eu também, possa, não esquecer porque é impossível, ter porventura uns momentos menos dolorosos. Sabe? À noite é mais difícil. Dou voltas e mais voltas na cama, acabando por me levantar por já não poder mais, com a cabeça a estalar, com alfinetadas no coração. Há quatro meses faleceu-me um filho, de doença grave, no meio do maior sofrimento. Nós, a minha mulher e eu muitas vezes rogámos a Deus para que passasse aquele sofrimento para nós, e nos levasse. Ele tinha 51 anos. Não é normal um pai enterrar o próprio filho. É contra-natura. Temos outro filho. Ele tem 39 anos. Ele é casado. Tem 2 filhos. Mas, reside na Austrália. Falamos com ele todos os dias, mas sentimos a sua falta. Gostaríamos de poder ver os nossos netos a crescer, ter reuniões de família, nas festas, em especial no Natal. Nem sempre é possível eles estarem presentes.

O senhor José é bastante participativo mas comedido, não dizendo mais do aquilo que deve dizer. Por isso, fiquei admiradíssima quando ele começou a falar comigo, mormente, sobre este assunto. Mal consigo avaliar a dor que lhe vai no peito, de magnitude tal que o levou a desabafar com uma quase estranha, desabafo que recolhi no meu coração. Perder um filho é das maiores provações que a vida nos pode reservar. Senti-me tão incapaz perante essa dor, sem forças nem palavras para o consolar. E admirei a sua coragem, a coragem de continuar, procurando não soçobrar perante essa desdita.

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Nota:O nome é fictício mas o que aqui fica escrito é real, um dos momentos mais emotivos que já vivi. E aconteceu hoje. 

Imagem:Pixabay  

sábado, 21 de novembro de 2015

Seria o Amor português







Muitas vezes te esperei, perdi a conta, 
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.



Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?


Recordando Fernando Assis Pacheco (1937-1995). Jornalista.Crítico.Tradutor.Escritor.Português.
Em A Musa Irregular (1991) reuniu toda sua a produção poética.

O que importa afinal senão o Amor?

Meus amigos, desejo-vos um bom domingo.  

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Poema: Citador
Imagens:Net

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Gilbert Bécaud, Nathalie e o Café Pushkin

Nathalie, canção de Gilbert Bécaud dedicada a uma guia russa na sua visita a Moscovo, e o Café Pushkin - procurado infrutiferamente por turistas franceses, depois do sucesso da referida canção - uma fantasia do mesmo.

Lê-se na fonte: A canção diz qualquer coisa como: "Caminhávamos à volta de Moscovo, visitando a Praça Vermelha e tu dizes-me que aprendeste coisas sobre Lenine e a Revolução , mas eu só desejava que estivéssemos no Café Pushkin , a olhar a neve lá fora, a beber chocolate quente e a falar sobre algo completamente diferente ... "



Mas o Café Pushkin tornar-se-ia realidade em 1999 através de um artista franco-russo Andrei Dellos e de Andrei Mákov. Bécaud acabaria por cantar "Natalie" na sua inauguração.

Porquê trazer este tema, agora? Em primeiro lugar, porque já há dias que pensava fazer este post dedicando-o à minha amiga Majo, por uma boa notícia que partilhou comigo e com outros amigos e pelo apoio constante através do envio de excelentes matérias. Aliás, foi ela que me enviou esta.


Por outro lado, é um belo pretexto para ouvir e recordar este digníssimo representante da cultura francesa, numa canção plena de romantismo:




  La place Rouge était vide 
Devant moi marchait Nathalie 
Il avait un joli nom, mon guide 
Nathalie 

La place Rouge était blanche 
La neige faisait un tapis 
Et je suivais par ce froid dimanche 
Nathalie 

Elle parlait en phrases sobres 
De la révolution d´octobre 
Je pensais déjà 
Qu'après le tombeau de Lénine 
On irait au café Pouchkine 
Boire un chocolat 

La place Rouge était vide 
J´ai pris son bras, elle a souri 
Il avait des cheveux blonds, mon guide 
Nathalie, Nathalie... 
(...)
Que ma vie me semble vide
Mais je sais qu'un jour à Paris
C'est moi qui lui servirai de guide
Nathalie, Nathalie





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Imagens do Café Pushkin
Tema enviado por Majo:
O maravilhoso Café Pushkin 

domingo, 15 de novembro de 2015

Onde se situará a cura para o fanatismo?

O fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte é um fanático.

Pequeno excerto de um grande texto de Voltaire, onde ele prevê e aconselha a cura para essa doença detestável através da assumpção do espírito filosófico, devidamente difundido, para adoçar a índole dos homens. Ele refere que as leis e a religião não não suficientes para a cura dessas almas doentes, aliás, a religião longe de ser para eles um alimento salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados.

Ele recorda  o fanatismo dos burgueses da noite de São Bartolomeu e o massacre ocorrido, bem como o fanatismo de juízes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles, de convulsionários que, falando dos milagres de S. Páris, sem querer se acaloravam cada vez mais; os seus olhos encarniçavam-se, os seus membros tremiam, o furor desfigurava os seus rostos e teriam morto quem quer que os houvesse contrariado.

São os velhacos que conduzem os fanáticos -diz elee que lhes põem o punhal nas mãos. Assemelham-se a esse Velho da Montanha que fazia - segundo se diz - imbecis gozarem as alegrias do paraíso e que lhes prometia uma eternidade desses prazeres que lhes havia feito provar com a condição de assassinarem todos aqueles que ele lhes apontasse.

E ele coloca esta questão fulcral:Que responder a um homem que vos diz que prefere obedecer a Deus a obedecer aos homens e que, consequentemente, está certo de merecer o céu se vos degolar?

E assim estamos nós como na noite dos tempos, como se nascêssemos agora, não com aquela pureza própria da infância, mas velhos por dentro sem nada termos aprendido sem nada para dar. Andamos às arrecuas, vazios, estupefactos, interrogando-nos sobre o porquê das coisas. Nós que já pensávamos ter chegado a um estádio tal de evolução que não era preciso mais nada, teremos agora de rever tudo e voltar ao princípio de tudo.




Talvez assim a minha Paris, a minha bela cidade, se revigore depois desta tragédia. Talvez assim nos reencontraremos num domingo de manhã numa esplanada a conversar, sem medos, gozando este sol outonal vindo dos céus. Meu Deus, o que será preciso fazer para que se instale a paz nos nossos corações? Será o espírito filosófico, no sentido de nos interrogarmos de modo a encontrarmos respostas para os nossos males, o suficiente? 

Uma coisa é certa: há que não baralhar situações. Há os fanáticos que atacam e matam indiscriminadamente e há aqueles que precisam do nosso apoio e da nossa solidariedade. Estou a falar dos refugiados, como é natural. Se conseguirmos distinguir isso, nesta confusão de sentimentos que nos assola, então poderemos dormir descansados, na certeza de que, afinal, esses séculos vividos sempre serviram para alguma coisa. 

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Ler o texto em itálico, na íntegra, aqui 

sábado, 7 de novembro de 2015

E agora, José?

Melhor poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade
JOSÉ

E agora, José?
          A festa acabou,
          a luz apagou,
          o povo sumiu,
          a noite esfriou,
          e agora, José?
          e agora, você?
          você que é sem nome,
          que zomba dos outros,
          você que faz versos,
          que ama, protesta?
          e agora, José?
          Está sem mulher,
          está sem discurso,
          está sem carinho,
          já não pode beber,
          já não pode fumar,
          cuspir já não pode,
          a noite esfriou,
          o dia não veio,
          o bonde não veio,
          o riso não veio
          não veio a utopia
          e tudo acabou
          e tudo fugiu
          e tudo mofou,
          e agora, José?

          E agora, José?
          Sua doce palavra,
          seu instante de febre,
          sua gula e jejum,
          sua biblioteca,
          sua lavra de ouro,
          seu terno de vidro,
          sua incoerência,
          seu ódio - e agora?
          Com a chave na mão
          quer abrir a porta,
          não existe porta;
          quer morrer no mar,
          mas o mar secou;
          quer ir para Minas,
          Minas não há mais.
          José, e agora?

          Se você gritasse,
          se você gemesse,
          se você tocasse
          a valsa vienense,
          se você dormisse,
          se você cansasse,
          se você morresse...
          Mas você não morre,
          você é duro, José!
          Sozinho no escuro
          qual bicho-do-mato,
          sem teogonia,
          sem parede nua
          para se encostar,
          sem cavalo preto
          que fuja a galope,
          você marcha, José!
          José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade: Foi um poeta mineiro, nascido em Itabira em 31 de outubro de 1902. Faleceu aos 84 anos em 1987.  É considerado um dos maiores poetas da literatura brasileira e construiu extensa obra ao longo dos anos de vida. Ficou conhecido pela sua pacata vida de funcionário público, que se colocou em contraste com o poder de sua poesia. Drummond está ao lado dos modernistas, que reivindicaram na poesia os versos livres, sem metro fixo definido e com temática cotidiana. Sua poesia circula entre os temas sociais, existenciais e metafísicos, marcados por uma fina ironia. Quem nunca escutou o verso “E agora José?”.

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