sábado, 26 de fevereiro de 2011

DEZ MIL PASSOS

Desci as escadas rumo a um destino ainda desconhecido. Ouvi, um pouco ao longe, a música do amolador que me trouxe memórias de vidas não vividas, de pregões matinais e de varinas nas ruas de Lisboa. Daí a relembrar algumas passagens do Livro de Cesário Verde foi um passo. Procurei seguir em direcção ao som da sua flauta e vi-o, homem duns 70 anos, conduzindo a bicicleta à mão  onde se via a pedra de amolar e alguns guarda-chuvas donde saíriam varetas para consertar outros guarda-chuvas. Teria ele essa sorte? Tive pena de não ter comigo a minha tesoura que já não corta nada. 

Fui afinando a minha percepção: atravessei a estação de comboios e vi uma mulher que me pareceu uma conterrânea, vi uma rapariga que abanou a cabeça, sacudiu os cabelos, desiludida por ter perdido o comboio, vi um casal com uma criança duns 3 anos com capacete, o pai com o triciclo ao ombro, vi senhoras com carrinhos de compras que deixavam, ao passar,o cheiro de ervas aromáticas; vinham do mercado ao ar livre a uns passos dali, passos esses que resolvi fazer. 

Fui andando e afinando os ouvidos a ruídos normalmente imperceptíveis e consegui distinguir chilreios de passarinhos nas varandas e choros matinais de criancinhas e tosses de idosos à janela à espera de um bom dia. Nesta altura já sabia qual seria o meu destino imediato. Distraída, falhei-o por um quarteirão. Nada a perder quanto a voltar para trás. Vi que o meu pedómetro marcava 2746 passos dos 10000 que me propunha fazer. Para isso, tinha de aceitar fazer todos os recados da malta lá de casa. Melhor entrar no ginásio. Melhor também não o fazer só hoje e tomar isso como um objectivo, senão seriam, com toda a certeza, passos perdidos.

Passos tão perdidos como os do corredor ou sala dos Passos Perdidos.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

LOJAS DE BAIRRO


Ia apressada para as compras habituais de sábado quando reparo em alguns caixotes, com fruta, encostados ao gradeamento que protegia o envidraçado de uma mercearia e, por cima, três folhas A4, com evidentes sinais das intempéries, coladas nas referidas vidraças e com o seguinte escrito à mão: a nossa pêra 0.50, a nossa laranja baia 0.75, a nossa maçã 0.80. Lembro-me quase instantaneamente de que aquelas folhas ou outras costumam lá estar e eu é que nunca tinha reparado na sua mensagem. O que teria então despoletado a minha atenção? Tinha acabado de ver num jornal que alguns municípios estão interessados em promover o comércio local ou tradicional, aproveitando os dias disto e daquilo. Lembro-me que esta questão do comércio local já tinha sido abordada tempos atrás, tendo levado à alteração do horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais, entretanto reposto, o que quer dizer que não terá havido grande adesão a essa ideia por parte de quem compra. Parece-me, contudo, que não basta apenas querer animar as lojas de bairro, mercearias e mini-mercados. Terá de haver alguma estratégia de sedução que envolva as pessoas e lhes mude hábitos já criados. Mas como é que me iriam tirar da cabeça, por exemplo, a poderosa cantiguinha do nãnãnã venha cá, o aumento do iva aqui não entra, zero de... e zero de... e quejandos? E aquela liberdade de pegar nas coisas, manuseá-las, sopesá-las e metê-las no carrinho, percorrendo os corredores com certezas já adquiridas, num automatismo de fazer inveja a qualquer robot

 À primeira vista, missão quase impossível.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

MAR CRIOULO

Este é o mar de Arménio Vieira, um mar com um sal ainda mais salgado que o mar de Fernando Pessoa, talvez, reminiscências de jugos ancestrais ou não tão longínquos. Para o povo crioulo das Ilhas Afortunadas de Charles R. Boxer e Cesária Évora, o mar será tudo isso e também morada di sodade:


M A R 

Mar! Mar! 
Mar! Mar!
 

Quem sentiu mar?
 

Não o mar azul
 
de caravelas ao largo
 
e marinheiros valentes
 

Não o mar de todos os ruídos
 
de ondas
 
que estalam na praia
 

Não o mar salgado
 
dos pássaros marinhos
 
de conchas
 
areias
 
e algas do mar
 

Mar!
 

Raiva-angústia
 
de revolta contida
 

Mar!
 

Silêncio-espuma
 
de lábios sangrados
 
e dentes partidos
 

Mar!
 
do não-repartido
 
e do sonho afrontado
 

Mar!
 


Quem sentiu mar?
Arménio Vieira - Escritor cabo-verdiano
Prémio Camões 2009


Imagem Google
Ilhas de Cabo Verde

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SOBERBA E ALTIVA



No seu afã de defender a portuguesa língua de influências estranhas e incentivando a escrita em português, António Ferreira escreve uma carta apaixonada a Pêro Andrade de Caminha. E dessa carta, não há dúvida, este excerto é deveras empolgante. Mal sabia ele que ao longo dos tempos esta língua iria ter experiências jamais sonhadas. Acompanhara os navegadores, estabelecera-se além-mar e quando voltou vinha cheia de requebros, dengosa, macia, tropicalíssima. E agora, tal como a cantiga da rua, ela não é de ninguém é de toda a gente. Parafraseando Chico Buarque, ela ainda vai cumprir seu ideal.


Floreça, fale, cante, ouça-se e viva

A Portuguesa língua, e já onde for

Senhora vá de si soberba, e altiva.

Se téqui esteve baixa e sem louvor,

Culpa é dos que a mal exercitaram:

Esquecimento nosso, e desamor.

Mas tu farás, que os que a mal julgaram,

E inda as estranhas línguas mais desejam,

Confessem cedo ant'ela quanto erraram.

E os que depois de nós vierem, vejam

Quanto se trabalhou por seu proveito,

Porque eles para os outros assi seja.


                                                                                                                                 António Ferreira -Sec.XVI


Excerto da carta de António Fereira retirado de:

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

VERÃO ANTIGO


Eugénio de Andrade é um poeta com poemas geralmente curtos que dizem tudo, portadores de uma força imensa. A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes, diz-se na sua biografia*. Não há dúvida que é o que se sente neste seu poema:


HÁ DIAS


Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos

as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-se comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.


EUGÉNIO DE ANDRADE

Lugares do lume

*www.astormentas.com

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

JANGADA

Tive uma colega que me falava sempre de quanto o pai apreciava José Saramago.Tanto que ele tinha todos os seus livros. As pessoas da família e amigos também contribuíam para isso pois presenteavam-no com livros do escritor em dia de aniversário e outras datas. No entanto, nessa altura, nunca tive a curiosidade de o ler. 

Quando, em 1998, Saramago ganhou o prémio Nobel de Literatura entrei em pânico, e agora como é que eu faço tenho de ler alguma coisa dele, que barraca se tiver que dizer alguma coisa sobre ele...Então, levada por essa necessidade li o primeiro que encontrei: Levantado do chão. Logo nas primeiras páginas senti o impacte daquela escrita: compacta e onde a pontuação não abundava. Mas aos poucos fui ficando envolvida de tal modo que acabei por ler o livro em dois tempos. E assim li alguns outros de uma assentada sempre com o mesmo interesse. Um desses livros é a Jangada de Pedra que me impressionou pela sua originalidade, pelo inusitado da situação, a fina ironia, os acontecimentos estranhos que se multiplicavam, a península ibérica a cortar-se da Europa, navegando à deriva...  

Esta alegoria produzida numa altura em que Saramago pretendia questionar a unificação da Europa faz-nos pensar nas bases pouco firmes em que essa união assenta, denunciadas agora pela crise económica que nos fustiga. Aliada a isso, a crise de valores que põe a nu toda essa fragilidade, apelando à urgente revisão dos acordos que suportam a vida de 27 países, com a clara predominância dos mais fortes economicamente.    

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

MEU QUERIDO AMOR

*Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela aldebran minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerânio minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinezinha minha Paulina Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura  meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor meu vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas Escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Passargada meu templo grego minha colina meu verso de Hölderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente

(...)

Para mim a mais linda declaração de amor, de cortar a respiração. E continua, sem pontuação nenhuma, no mesmo ritmo e acaba dizendo: minha mulher. Recomendo vivamente a leitura deste livro, poderá procurá-lo, por exemplo, numa biblioteca local.É uma experiência inesquecível.


*Excerto p.131
  António Lobo Antunes
  D'este viver aqui neste papel descripto
  Cartas da guerra


domingo, 13 de fevereiro de 2011

DANÇAS DE ACASALAMENTO

Era meio-dia e tal, talvez, de hoje. Eu estava entretida a temperar a carne para assar na panela ou no tacho à moda da minha mãe, ou quase, tendo em conta que aldrabo sempre nos temperos. Tinha o televisor ligado e sabia que estava a decorrer a transmissão de um programa sobre pássaros, mostrando as características e técnicas do seu acasalamento. Ia pondo no almofariz três dentes de alho, um pouco de sal, um caldo knorr (inovação minha) quando, olhando de soslaio, vi um pássaro pendurado num ramo, de cabeça para baixo, executando a arte de sedução mais surpreendente que eu já vira. Tinha posicionado as penas azuis em leque de uma forma etérea, uma parte no meio tinha um tom avermelhado de contornos bem definidos e alguns tons de castanho-claro ou bege assim mais para o lado. Nessa posição ia executando um bailado rítmico e emitindo um som pouco audível para o ouvido humano mas que a tecnologia apanhava. Nesta altura eu já estava completamente rendida, pondo em risco o cozinhado para o almoço que a família aguardava já com ansiedade. Eu não via a destinatária destas atenções e parece que o pássaro também chegou à conclusão de que se não mudasse de sítio e não se chegasse para mais perto todo o seu trabalho estaria perdido. Em dois saltos colocou-se uns ramos abaixo mesmo por baixo da fêmea que não tinha nada de especial, digo eu, penas acastanhadas ou por aí. Mas o nosso amigo não achava a mesma coisa.Pendurou-se de cabeça para baixo e recomeçou o bailado com todo o afinco de uma forma belíssima. A fêmea pôs-se a olhar atentamente, virando o pescoço para um lado e olhava, olhava, punha o pescoço para o outro lado e olhava, olhava, alongava o pescoço para a frente olhava, olhava, tudo com uma atenção desmedida e de uma forma calculista, diria eu. Entretanto a voz off surgiu a dizer que o passáro estava a expor a sua intimidade e aquele era um momento mesmo muito íntimo. A pássara deu mais uma ou duas olhadelas, por fim, virou as costas desinteressada e foi-se embora. O pássaro descoroçoado saiu da posição e foi a voar aos saltinhos e piando sem forças. A voz off fez-se ouvir de novo:A fêmea é quem decide, como sempre. 


Sábios irmãos pássaros...
  

ENGANO DA ALMA, LEDO E CEGO

Dª Maria, senhora de 64 anos, contou-me que as memórias que tem de algumas passagens de Os Lusíadas remontam à sua infância, ainda antes de ir para a escola. Lembra-se que o seu tio Victor (tio por afinidade) professor da instrução primária vinha todos os anos acompanhar os alunos para o exame da 4ª classe. Naquele tempo e lugar não havia diversão nenhuma a não ser ouvir e contar histórias e a brincadeira em correrias ao pé de casa. Pois o tio Victor era um bom contador de histórias. Naquelas noites quentes de Verão, ela e os irmãos bebiam as palavras dele quando falava com paixão de Luís de Camões e d'Os Lusíadas: a viagem de Vasco da Gama, os amores de D.Pedro e Dª Inês de Castro, a ilhas dos amores.E essa paixão acompanhou-a e fê-la licenciar-se em História. Desses tempos de meninice ainda recorda algumas estrofes como a que se segue: 


*Estavas linda Inês, posta em sosssego,
 De teus anos colhendo doce fruito
 Naquele engano da alma, ledo e cego,
 Que a Fortuna não deixa durar muito,
 Nos saudosos campos do Mondego,
 De teus fermosos olhos nunca enxuito,
 Aos montes insinando e às ervinhas
 O nome que no peito escrito tinhas.

Na expressão engano da alma, ledo e cego Camões dá-nos mais uma definição do amor e que no que se refere a Pedro e Inês um amor trágico que ultrapassou todos os limites com a morte dela ordenada por D.Afonso IV. D.Pedro na sua vingança também foi assolador. Este caso faz-me lembrar outros amores com fim trágico, com o seu quê já lendário,  como os de Tristão e Isolda, Romeu e Julieta.

Nesta quinzena em que tanto se fala de amor ou na melhor forma de presentear o ente querido no dia dos namorados, talvez devêssemos pensar um pouco nos casos de violência doméstica que se têm multiplicado e na maneira de ultrapassar isso através da tolerância e compreensão.

*Estrofe 120-Canto III
  Os Lusíadas-Luís de Camões

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

TEU ESTREITO APERTAR

Este é um poema da Mariana Reis dos muitos que ela escreve com uma sensibilidade imensa. A sua poesia vem publicada em três antologias e as referências estão no seu blog, assardasdamariana.blogspot:


Como amo esse teu estreito apertar,
quando perco entre os teus braços o meu peito...
Como é triste o despertar neste meu leito
de princesa, que não sabe como amar...!

Eu, que tenho em mim a fome e o desejo
reunidos mansamente, enlaçados,
já não acredito em deus, nem em pecados,
já só quero andar perdida nos teus beijos!



Mariana Reis

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

NOSSO CORAÇÃO ÁRABE

Vale a pena ler o artigo de Eduardo Cabrita, Nós árabes, no Correio da Manhã de hoje. Não esquecer a História é preciso.

Escolhi estas passagens:

Desde que, em 711, Ibn-al-Tarik cruzou o estreito a que viria a dar o nome que a nossa história é marcada pela presença e influência árabes. Deram-nos alguns milhares de palavras, notáveis progressos tecnológicos e séculos de abertura cultural e tolerância religiosa. Granada e Silves foram centros de irradiação de uma dinâmica fluorescente que marca tanto os povos ibéricos como a presença romana, essa outra grande civilização mediterrânica.(...)

Esquecemos que em poucos locais está tão presente o património de origem portuguesa como no Magrebe, que a capital mais próxima de Lisboa é Rabat, que foi na Argélia que se exilou Teixeira Gomes e de lá vinha a voz quente de Manuel Alegre na nossa noite escura…(...)

Como em tempos fomos todos berlinenses, deixemos agora bater o nosso coração árabe. Oxalá…

TRINTA DINHEIROS

No Verão passado esqueci as chaves de casa dentro de casa e fiquei na rua. Telefonei para os bombeiros e disseram-me que, para me abrirem a porta, eu teria de pagar 30 euros. Passado algum tempo apareceram acompanhados de dois militares da GNR. Perguntei-lhes se depois me mandariam a conta para casa de modo a ir fazer o pagamento na sede ou noutro lado e responderam-me: Não, o pagamento tem de ser feito aqui e agora.

Lembro-me agora disso por causa da notícia, de hoje, sobre a mulher encontrada morta mais o seu cão e passarinhos, dentro do seu apartamento, desde 2002. Trinta euros, trinta mil euros ou os trinta dinheiros da história de há dois mil anos faz pensar, com as devidas proporções, no assustador que é a relativização do princípio da solidariedade e do valor da vida humana.

O caso desta senhora coloca com mais acuidade o problema da solidão e do abandono dos idosos. E não vale olharmos para o lado à procura de um responsável porque responsáveis somos todos nós.

A vizinha que se preocupara, que se interessara, que batera a todos as portas é o exemplo que deveríamos seguir.É o tal acto de amor que nos vai faltando. 


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CONTENTAMENTO DESCONTENTE

Como comentar um poema destes? Não há mesmo palavras porque está tudo dito. É assim o grande Camões, tanto na épica como na lírica. Apreciemo-lo e ponhamos em dia as nossas capacidades declamatórias porque vale a pena:
Amor é fogo que arde sem se ver;
 é ferida que dói e não se sente;
 é um contentamento descontente;
 é dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
 é solitário andar por entre a gente;
 é nunca contentar-se de contente;
 é cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
 é servir a quem vence, o vencedor;
 é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
 nos corações humanos amizade,
 se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

QUINZENA DO AMOR

Elegi esta quinzena a quinzena do amor. Amor universal, amor filial, amor fraterno, enfim, amor amor. E quem achar que é lamechice tant pis, azar, quero lá saber. A seguir, um poema de José Luís Peixoto, um jovem talentoso com provas dadas e obra feita em prosa. Já li alguns livros dele e gostei. E também gosto deste seu poema: 

AMOR

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.


José Luís Peixoto

domingo, 6 de fevereiro de 2011

ELEIÇÕES EM CABO VERDE

*

Hoje é dia de ir às urnas em Cabo Verde. Decorrem as Eleições Legislativas e em todas as ilhas as mesas de voto estão a funcionar em pleno.É sinal de que a democracia ali não é palavra vã. Pelo jornal online A Semana vê-se que as confrontações, em termos ideológicos e através da palavra, são intensas. E isso é um valor inestimável quando se vive em liberdade. E é isso que temos de defender não nos abstendo de exercer o direito de escolher as pessoas que decidirão das nossas vidas. Lá como cá ou em qualquer outra parte do mundo.

*Nota: imgem retirada do jornal A Semana

    

DIA DO SORRISO

*

A iniciativa da Rádio, anteontem, de apelar ao sorriso às pessoas que circulavam de carro foi interesssante e mostra-nos que deixámos há muito de ser espontâneos. Já não é normal passar por alguém e dar os bons dias; acenar do outro lado da rua; trocar umas palavritas na padaria, no café, na paragem do autocarro, na estação de metro ou de comboio.Vai tudo embrulhado nos seus próprios pensamentos, mal-humorado, com vontade de estar noutro sítio em vez de estar ali. No comboio ou no barco se há lugar sentado acomodamo-nos logo para uma boa soneca para recuperar das telenovelas que dão tarde e a más horas, das crianças que dão mau dormir ou então porque o emprego fica tão longe e tem-se de apanhar tantos transportes que mais valia nem ter ido para casa. Ou moramos em cidades que já não permitem estas familiaridades ou então residimos em dormitórios que rodeiam as cidades e é chegar de noite e sair de manhã cedo; não há tempo para sequer dizer um olá aos vizinhos quanto mais conviver. Aos fins-de-semana a faina continua: as compras, as limpezas, a roupa, os miúdos...

Contudo, no meio disto tudo há sempre um tempinho para arranjarmos um grande número de amigos nas redes sociais virtuais, de tal modo que nos desabituamos de interagir com pessoais reais, com quem nos cruzamos e nem sempre desconhecidas. A aldeia global em que nos tornámos nada tem da aldeia vicinal, do bom dia vizinha como está, então o marido e os meninos, vou ali ao mercado precisa de alguma coisa ou bom dia compadre como vai a vida, venha daí jogar às cartas, tomar um copo.

Venham mais dias do sorriso a ver se voltamos a habituar-nos a isso.


*Nota: imagem rádio renascença

CARTAS DE AMOR




Eis Álvaro de Campos o homem das Odes mas que também aprendeu a ser sensacionista com o mestre Caeiro. Li algures que Campos procura incessantemente sentir tudo de todas as maneiras. Fernando Pessoa, através deste poema, mostra bem que os bilhetes que ele enviava à Ofélia com todos aqueles mimos e miminhos e diminutivos pertenciam ao seu foro íntimo e só a Ofélia, a destinatária, deveria lê-los. Penso que não deveriam ter sido publicados.   

Todas as cartas de amor são
       Ridículas.
       Não seriam cartas de amor se não fossem
       Ridículas.
       Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
       Como as outras,
       Ridículas.
       As cartas de amor, se há amor, 
       Têm de ser
       Ridículas.
       Mas, afinal,
       Só as criaturas que nunca escreveram 
       Cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.
       Quem me dera no tempo em que escrevia 
       Sem dar por isso
       Cartas de amor
       Ridículas.
       A verdade é que hoje 
       As minhas memórias 
       Dessas cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.
       (Todas as palavras esdrúxulas,
       Como os sentimentos esdrúxulos,
       São naturalmente
       Ridículas.)
Álvaro de Campos

sábado, 5 de fevereiro de 2011

TERRA MORTA


Eu não conhecia Castro Soromenho. Nunca tinha ouvido falar dele. Por motivo de estudo foi-me indicado o romance Terra Morta um dos livros da trilogia Camaxilo - Terra morta(1949), A chaga(1957) e Viragem(1970). Comecei a lê-lo e tudo se encaixou. A trama desenrola-se em Angola e Camaxilo é uma aldeia, uma célula daquilo que poderia representar o sistema colonial português: administrador de posto, secretário, aspirante, cipaio, comerciantes brancos, mulatos nascidos das suas ligações com mulheres da terra arrancados aos naturais, soba, cubatas, homens negros arrebanhados para o trabalho das minas e outros e também os assimilados. Tudo num ambiente de autoritarismo, degradante, num espaço muito contido, dramático.

Em 4 de Fevereiro de 1961 dá-se em Angola o início da guerra que ficaria conhecida como guerra colonial. Ninguém prestara atenção aos sinais. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau. Um sorvedouro de jovens de ambos os lados. Os que não morreram ficaram com as vidas destroçadas, com traumas e pesadelos. Não nos sentimos preparados, ainda hoje, para falar disso abertamente e curar as nossas feridas. Pouco se escreve, pouco se debate. Um trabalho ímpar e meritório é o de Joaquim Furtado, uma investigação aturada, sem medos, aproveitando o testemunho dos sobreviventes. Mesmo assim continuamos no nosso marasmo.

A terceira parte do trabalho de Joaquim Furtado vem aí, com previsão para este ano. Saibamos dar-lhe o devido valor.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

FESTA DE AFECTOS


Este é o Ano Europeu do Voluntariado. Fiquei a sabê-lo porque num zapping apareceu-me o programa televisivo Sociedade Civil que hoje, dia 3, estava a tratar o tema. O participante, presente, do I. P. J., definiu o voluntariado como uma Festa de Afectos como as festas comunitárias que se faziam quando as pessoas se juntavam para se ajudarem mutuamente na ceifa ou nas vindimas. Todos nós podemos ser voluntários dentro daquilo que se deseja fazer ou para se está habilitado. O importante é disseminar essa vontade de ajudar e contaminar todos com essa ideia. 
   
De 3 a 9 de Fevereiro vão decorrer vários eventos para assinalar o início da Volta do Voluntariado. Neste site (http://www.rostos.pt/) recolhi esta informação: A Volta do Voluntariado insere-se num "Tour des Capitales" que, ao longo do Ano Europeu percorrerá as 27 capitais europeias (Viena antecede Lisboa, a que se segue o Luxemburgo). Pretende-se, desta forma, dar aos voluntários a oportunidade de apresentar o seu trabalho, conhecer-se mutuamente, contactar com decisores políticos e com o público em geral, bem como transmitir a sua energia e o seu entusiasmo e analisar questões fundamentais para o futuro do trabalho voluntário.

A Plataforma ONGD congrega 50 Organizações que recebem voluntários.

    

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

VALENTINE'S DAY



As montras das lojas vêm mostrando há já algum tempo vários artigos convidando os transeuntes à compra de presentes para o bem-amado ou bem-amada, no sentido de festejar o dia de São Valentim, dia 14 de Fevereiro.

Sempre tive a curiosidade de saber quem é este santo? Claro que presentemente só não sabe quem não quer.Portanto lá coloquei no google as palavras mágicas que me iriam possibilitar chegar a esse conhecimento:

Consta que se trata de um bispo, na Idade Média, que não só ministrava o sacramento do matrimónio contra as ordens do imperador Cláudio II como também se casara secretamente. Descoberto, fora preso e condenado à morte. Durante o tempo em que estivera preso, jovens ofereciam flores e enviavam bilhetes como prova da existência do amor. Ele próprio, perdido de amores pela filha do seu carcereiro, antes de partir, enviara-lhe uma mensagem de amor assinando: De seu Valentim.

Há outras versões mas fiquemo-nos por aqui. Acrescentarei que a tradição de festejar o dia dos namorados só chegou a estas bandas há relativamente pouco tempo.

A coisa boa é que, para o efeito, são considerados namorados aqueles que o são na realidade como também os já casados ou juntos há muitos anos, talvez brindando ao amor o que é sempre bom. Ou então para incentivar o consumismo.

Mas como a hora é de crise façamos como os nossos maiores que se dedicavam a fazer juras de amor através de cartas e postais, (agora há outros meios que podem ser usados) a oferecer flores silvestres, lencinhos bordados e outros mimos da nossa lavra...