Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.
Nuno Júdice,
in “Poesia Reunida”
Cartas de amor, quem as não tem? Actualmente, talvez já não se vejam cartas de papel escritas com caneta mas que as há, há. São mensagens aos milhares, em outros suportes. E as palavras? Penso que são as mesmas de sempre, com o colorido próprio dos tempos que correm.
Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória (1949) é um ensaísta, poeta, ficcionista e professor universitário português. A sua estreia literária deu-se com A Noção de Poema (1972). Em 1985 receberia o Prémio Pen Clube, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus, em 1990. Em 1994 a Associação Portuguesa de Escritores, distinguiu-o pela publicação de Meditação sobre Ruínas, finalista do Prémio Europeu de Literatura Aristeion. Assinou ainda obras para teatro e traduziu autores como Corneille e Emily Dickinson. A sua obra inclui antologias, edições de crítica literária, estudos sobre Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa. Mantém uma colaboração regular na imprensa. Lançou, em 1993, a antologia sobre literatura portuguesa do século XX, Voyage dans un siècle de Littérature Portugaise. Ler mais aqui
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Quinzena do Amor
Post 19 - Morena, Post 18 - Diz o meu nome, Post 17 - Canção do africano, Post 16 - Os cinco sentidos, Post 15 - Amor a amor nos convida, Post 14 - E Serei Veleiro, Post 13 - Poema de Amor de António e Cleópatra, Post 12 - Que era é esta?, Post 11 - A noite abre meus olhos, Post 10 - sim.foi por um beijo em simples vendaval que morri, Post 9 - Ó Mãe, Post 8 - Alma minha gentil que te partiste, Post 7 - Do inquieto oceano da multidão,Post 6 - Amar teus olhos, Posta 5 - Conheço esse sentimento, Post 4 - Éramos tu e eu, Post 3 - Saudades não as quero, Post 2 -Não é por acaso, Post 1 - É daqui a pouco
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Poema: Citador
1ª Imagem: daqui
2ª imagem: daqui
Olinda, continua em grande a tua "quinzena do amor".
ResponderEliminarBelos versos combinados com fotografias bem escolhidas.
Tudo perfeito, amiga!
Beijo e boa semana.
Está quase a chegar ao fim. A série, pelo menos. :)
ResponderEliminarObrigada, Teresa. Bom Carnaval.
Bj
Olinda
Linda esta carta de um autor de quem nunca tinha lido nada.
ResponderEliminarObrigada pela partilha.
Um abraço e bom Carnaval