sexta-feira, 11 de julho de 2025

"As Melusinas à Margem do Rio"




Tenho estado a ler alguns livros de Philippa Gregory sobre a "Guerra das Rosas", de 1455 a 1487, entre a Casa Lencastre e a Casa de York, uma guerra feroz entre primos. Tratando-se de uma aristocracia terra-tenente, o objectivo maior era deixar herdeiros, prometendo em casamento meninos e meninas no sentido de juntar casas e fortunas. Assim, o importante era ascender ao trono e permanecer ali e se necessário mandar decapitar familiares e amigos que tentassem impedir esse estado de coisas, no seu próprio interesse, como é evidente.

O penúltimo romance que li foi "A Rainha Branca", referente à flor branca dos York. A esposa de Eduardo IV de nome Isabel Woodville, era tida como bruxa dizendo-se que o seu poder lhe vinha de Melusina, personagem da lenda e folclore europeus, um espírito feminino das águas doces em rios e fontes sagradas. Ela é geralmente representada como uma mulher que é uma serpente ou peixe (ao estilo das sereias), da cintura para baixo. 

Consta que, a beira do rio Tamisa, Isabel Woodville e a mãe, Jacquetta de Luxemburgo, lançariam pragas para que Melusina produzisse tempestades no sentido de que a parte contrária não pudesse avançar com as suas tropas. 

Posto isto, chamou-me a atenção a notícia de que um documentário da autoria de Melanie Pereira ganhara o prémio de grande vencedor do 21º festival de cinema DocLisboa, em 2023, com este título: "As Melusinas à Margem do rio". 

Este documentário nada tem a ver com a Guerra das Rosas, mas sim com Melusina e o rio e sobre o fenómeno da imigração. Fala da história de cinco mulheres, reflectindo sobre identidades fragmentadas e sentimentos de não pertença: Ana-Filipa, Melina, shanila, Amela, e a própria realizadora, Melanie, nascidas em Luxemburgo de pais imigrados. A finalidade do filme é, precisamente, tentar uma reconciliação com o país que as viu nascer. Contudo, no trailer diz-se que o que é fragmentado não tem reconstituição possível.

Eis uma passagem do referido documentário:

Há também algo de profundamente terapêutico na forma como Melanie Pereira, se aproxima das suas amigas: Ana Filipa, Melina, Shanila e Amelia. As conversas que partilham não têm pressa. São feitas de pausas, de memórias familiares, de perguntas difíceis como “De onde és, afinal?”. O que para muitos é uma pergunta banal, mas para elas é um poço sem fundo. “As Melusinas à Margem do Rio” não procura respostas fáceis. Antes, tenta habitar o desconforto, o desenraizamento, a sensação de nunca se ser “de lá”, mesmo quando se nasceu lá. A segurança económica e o conforto social do Luxemburgo não apagam o sentimento de exclusão cultural. E é nesse desfasamento que nasce a dor, mas também a arte e a simplicidade da realizadora.

Transpus a similaridade deste caso para outros que conheço, de filhos de imigrantes que nascem em países que não os dos pais e que lutam toda a vida com essa diferença.

Um exemplo flagrante, mal estudado, é o caso dos filhos dos europeus que vieram de África, os chamados retornados, que nunca se integraram verdadeiramente e os filhos dos africanos que carregam nas costas a marca desse estrangeirismo
 
O papel do documentário referido acima é deveras importante porque foca esse sentimento de não pertença. Filhos sem terra, quase expatriados, que não pertencem a lado nenhum, que tentam construir uma vida baseada no trabalho, na integração social e política e que nem sempre se sentem realizados.  



Abraços, amigos.
Olinda



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Imagem: pixabay

Embora o documentário se refira a Luxemburgo, em homenagem aos livros de Philippa Gregory, optei pela imagem acima. Isabel Woodville esteve muito tempo refugiada com os seus filhos, na Abadia de Westminster.

Ver aqui "As Melusinas à Margem do Rio - Análise / Uma história de sereias reais".



sábado, 5 de julho de 2025

Terra sonâmbula

 Aos poucos, eu sentia a nossa família quebrar-se como um pote lanado no chão. Ali onde eu sempre tinha encontrado meu refúgio já não restava nada. Nós estávamos mais pobres que nunca. Junhito tinha os joelhos escapando das pernas, cansado só de respirar. Já nem podíamos machambar. Minha mãe saía com a enxada, manhã cedinho, mas não se encaminhava para parte nenhuma. Não passava das micaias que vedavam o quintal. Ficava a olhar o antigamente. Seu corpo emagrecia, sua sombra crescia. Em pouco tempo, aquela sombra se ia tornar do tamanho de toda a terra.

Mesmo para nós, que tínhamos bens, a vida poentava, miserenta. Todos nos afundávamos, menos meu pai. Ele saudava a nossa condição, dizendo:a pobreza é a nossa maior defesa. A miséria faz conta era o novo patrão para quem trabalhávamos. Em paga recebíamos protecção contra más intenções dos bandidos. O velho exclamava, em satisfação:

_É bom assim! Quem não tem nada não chama inveja de ninguém. Melhor sentinela é não ter portas.

Excerto: Terra Sonânbula, de Mia Couto - pg.15



Mia Couto, pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, nasceu na cidade da Beira, em Moçambique, África, no dia 5 de julho de 1955. É filho de Fernando Couto, emigrante português, jornalista e poeta que pertencia aos círculos intelectuais de sua cidade. Ver mais aqui


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Veja: Mia Couto aqui, no Xaile de Seda

Terra Sonâmbula é o primeiro romance publicado por Mia Couto (1992)
Nota do editor: Machambar - fazer machamba, cultivar um terreno agrícola

quarta-feira, 2 de julho de 2025

MÊS DOS ENAMORADOS (5)

 



Comemoração do Dia dos Enamorados, no Brasil, 
12 de Junho
Convite da Amiga Rosélia
Blog: AmorAzul


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CONTO DE FADAS

Pensei que o meu coração deixara de bater.
Não foi propriamente de desilusão mas alguma coisa 
se fundiu e deixou de funcionar.

Assim fiquei anos à espera, talvez, de um novo 
alento.

Então apareceste tu, e eu, receosa, não queria voltar
a acreditar. Pintaste-me o mundo das cores do arco-íris,
mostraste-me que o céu era logo ali: "mais um pouco
de azul", dizias.

muito trabalho tiveste nessa demanda, eu que não,
tu que sim.

Aos poucos voltei a aprender a amar.

Reconheci que era um novo tempo, tempo de bonança,
Tempo de Enamoramento. 

Confiar em ti, na tua lealdade,
foi a descoberta de uma nova vida
um verdadeiro 

Conto de Fadas


Olinda



MARISA MONTE
AINDA BEM


Tema desta Semana:
Tempo de Enamoramento


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Muito obrigada, querida amiga Rosélia, por este 
Mês dedicado ao Amor.

Beijinhos
Olinda




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Imagem: pixabay