sexta-feira, 11 de julho de 2025
"As Melusinas à Margem do Rio"
sábado, 5 de julho de 2025
Terra sonâmbula
Aos poucos, eu sentia a nossa família quebrar-se como um pote lanado no chão. Ali onde eu sempre tinha encontrado meu refúgio já não restava nada. Nós estávamos mais pobres que nunca. Junhito tinha os joelhos escapando das pernas, cansado só de respirar. Já nem podíamos machambar. Minha mãe saía com a enxada, manhã cedinho, mas não se encaminhava para parte nenhuma. Não passava das micaias que vedavam o quintal. Ficava a olhar o antigamente. Seu corpo emagrecia, sua sombra crescia. Em pouco tempo, aquela sombra se ia tornar do tamanho de toda a terra.
Mesmo para nós, que tínhamos bens, a vida poentava, miserenta. Todos nos afundávamos, menos meu pai. Ele saudava a nossa condição, dizendo:a pobreza é a nossa maior defesa. A miséria faz conta era o novo patrão para quem trabalhávamos. Em paga recebíamos protecção contra más intenções dos bandidos. O velho exclamava, em satisfação:
_É bom assim! Quem não tem nada não chama inveja de ninguém. Melhor sentinela é não ter portas.
Excerto: Terra Sonânbula, de Mia Couto - pg.15
Mia Couto, pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, nasceu na cidade da Beira, em Moçambique, África, no dia 5 de julho de 1955. É filho de Fernando Couto, emigrante português, jornalista e poeta que pertencia aos círculos intelectuais de sua cidade. Ver mais aqui
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Veja: Mia Couto aqui, no Xaile de Seda
Terra Sonâmbula é o primeiro romance publicado por Mia Couto (1992)quarta-feira, 2 de julho de 2025
MÊS DOS ENAMORADOS (5)
MARISA MONTE