sábado, 29 de dezembro de 2012

Exposição em homenagem a Jorge Amado

Em Agosto passado cumpriu-se o 100º aniversário do nascimento de Jorge Amado. Em homenagem a este grande autor brasileiro, foi inaugurada em 24 de Novembro, no Casino Estoril, uma exposição de pintura alusiva às personagens dos seus romances, muitos deles conhecidos de nós, como Tieta do Agreste, Gabriela Cravo e Canela, Capitães de Areia, Dona Flôr e Seus Dois Maridos... A sua obra encontra-se traduzida em 49 idiomas, parte dela transformada em grandes êxitos também no cinema e na televisão.

Em 15/12 vi uma entrevista ao director da Galeria de Arte do Casino Estoril, a propósito da referida exposição, pelo programa Rumos, RTP África, cujo video não consegui importar. Assim, trago este que foi inserido em Agosto último. Clicando em Mostrar mais, verão resumos da biografia de Jorge Amado e também de Nuno Lima de Carvalho, interveniente no video.





Aqui no Xaile adiro a essa homenagem e não resisto em transcrever un petit peu do romance 'Dona Flor e Seus Dois Maridos':

Vadinho, o primeiro marido de dona Flor, morreu num domingo de carnaval,  pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na maior animação (…)

Rodopiava em meio ao bloco, sapateava em frente à mulata, avançava para ela em floreios e umbigadas, quando, de súbito, soltou uma espécie de ronco surdo, vacilou nas pernas, adernou de um lado, rolou no chão, botando uma baba amarela pela boca onde o esgar da morte não conseguia apagar de todo o satisfeito sorriso do folião definitivo que ele fora. (…)




Lá estava Vadinho no chão de paralelepípedos, a boca sorrindo, todo branco e loiro, todo cheio de paz e de inocência. Dona Flor ficou um instante parada, a contemplá-lo como se demorasse a reconhecer o marido ou talvez, mais provavelmente, a aceitar o fato, agora indiscutível, de sua morte.

Mas foi só um instante. Com um berro arrancado do fundo das entranhas, atirou-se sobre Vadinho, agarrou-se ao corpo imóvel, a beijar-lhe os cabelos, o rosto pintado de carmim, os olhos abertos, o atrevido bigode, a boca morta, para sempre morta. (…)

Os homens do rabecão largaram o corpo em cima da cama (…) Os homens do necrotério (…) arrancaram o lençol imundo a embrulhar o cadáver, entregaram o laudo à viúva.

Vadinho ficou nu como Deus o pôs no mundo, em cima da cama do casal (…)
Ao vê-lo assim (…) não podia dona Flor, por mais esforço que fizesse, deixar de recordá-lo como era na hora do desejo desatado: Vadinho não tolerava  peça de roupa sobre os corpos, nem pudibundo lençol a cobri-los, o pudor não era seu forte (…) 


DELICIOSO! Lê-lo ou relê-lo, eis a questão, minha gente... 



Imagens: internet

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Saudade da prosa


Poesia, saudade da prosa;
escrevia «tu» e escrevia «rosa»
mas nada me pertencia,

nem o mundo lá fora
nem a memória,
o que ignorava ou o que sabia.

E se regressava
pelo mesmo caminho
não encontrava

senão palavras
e lugares vazios;
símbolos, metáforas,

o rio não era o rio
nem corria e a própria morte
era um problema de estilo.

Onde é que eu já lera
o que sentia, até a
minha alheia melancolia?


Manuel António Pina, in Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal - livro precioso, presente que eu ganhei agora no Natal. :)





Então, a inserção deste poema vem a propósito do prazer de partilhá-lo convosco e, também, para referir que foi criado pela Editora Tcharan, o Prémio de Literatura Infanto-Juvenil Manuel António Pina, a que podem concorrer, até final de Fevereiro de 2013, autores e editoras do espaço lusófono.

Como incentivo, aqui vai mais um poema deste saudoso poeta:

A um jovem poeta

Procura a rosa
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti.Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.


Ver mais aqui.

BOA SORTE!

domingo, 23 de dezembro de 2012

Palavras já ditas...



O Natal, a história do Menino e sua Mãe tem sido contada e cantada por poetas e prosadores, de grande inspiração, ao longo dos tempos. Parece tudo dito, mas agora, mais do que nunca, palavras como amor, solidariedade e amizade, devem ser ditas e reditas, há que repeti-las e dar-lhes uma nova amplitude, carregando-as de significações novas e actuantes, aplicando-as na esfera dos nossos dias.  

Da mesma forma que a Terra vai seguindo o seu ciclo de renovação, também em nós deverá brotar, incessantemente, essa música mágica, a das palavras saborosas, doces como o mel, estuantes de vida, prontas a saltar de boca em boca, soando aos nossos ouvidas em melodias luminosas. As oportunidades para isso correm atrás de nós. Só teremos que prestar atenção.


Há uma obra imensa a decorrer, a de cuidarmos uns dos outros. Deus quer, o homem sonha e a obra nasce, disse o Poeta. Como vêem, esta expressão completamente retirada do próprio contexto tem, no entanto, o condão de poder ser adaptada àquilo que nós quisermos, como incentivo para a persecução de objectivos maiores.

Neste sucinto balanço de palavras já ditas, não posso esquecer o poema de Ary dos Santos que nos refere que o Natal é quando um homem quiser. Nele estão reunidos todos os votos, todos os bons desejos, todo o amor, toda a solidariedade e toda a verdade sobre as necessidades a suprir, no que diz respeito ao nosso semelhante. E como numa declaração universal ele repetirá, até ao fim dos tempos:

ÉS MEU IRMÃO, AMIGO, ÉS MEU IRMÃO! 






Caros amigos, desejo-vos um BOM NATAL, junto às vossas famílias. Agradeço a vossa companhia e as excelentes palavras de apreço e amizade que me têm trazido.

Abraços.

:)

*****
Imagens disponibilizadas pelos bloggers:
Maria Alice CerqueiraSmareisAndradarte
Obrigada.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Homem do Leme

Quem é o homem do leme deste barco à deriva? Quem é o timoneiro desta nau catrineta que tem muito que contar? Qui sait? Perguntas que nos assaltam nos nossos piores pesadelos, neste mar proceloso que abre vagas alterosas ameaçando engolir-nos. 

E o homem que deveria assestar o óculo, procurando adivinhar o bom tempo no horizonte, o homem cuja função é navegar, navegar para nos conduzir a bom porto, parece que endoidou. Atira para o ar palavras inflamadas de nonsense, num fogo de santelmo despropositado, semeando discórdias nas gentes que ele deveria tranquilizar e, o pior, atacando precisamente quem já se encontra numa fase da vida considerada não produtiva... Triste sina a nossa e a dos nossos velhos!

Está visto. O tempo dos heróis acabou. Ou será que eles são fruto de acasos, fortuitidades,  ou de alguma construção histórica? Mas, não nos cansemos de procurar o bom pastor, aquele que dá a vida pelas suas ovelhas...Se não no mar, seja em terra, no ar. Munamo-nos de uma lanterna se, para tal, for necessário.

Entretanto, ouçamos este Homem do Leme, dos Xutos & Pontapés:





Sozinho na noite
um barco ruma para onde vai.
Uma luz no escuro brilha a direito
ofusca as demais.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé...
Mas, vogando a vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo do mar
jazem os outros, os que lá ficaram.
Em dias cinzentos
descanso eterno lá encontraram.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...
Mas, vogando a vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo horizonte
sopra o murmúrio para onde vai.
No fundo do tempo
foge o futuro, é tarde demais...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...


Xutos & Pontapés-video e letra:Internet 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Na Biblioteca

O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.




Manuel António Pina
Poesia, Saudade da Prosa
in:Poemário 2012
Imagem: internet

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fundamental é mesmo o amor

É impossível ser feliz sozinho...






Vou te contar
Os olhos já não podem ver

Coisas que só o coração pode entender

Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho...

O resto é mar
É tudo que não sei contar

São coisas lindas que eu tenho pra te dar

Vem de mansinho à brisa e me diz
É impossível ser feliz sozinho...

Da primeira vez era a cidade
Da segunda o cais e a eternidade...

Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar

E das estrelas que esquecemos de contar

O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver...


Vou te contar...

Adenda:

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira (10 de Junho de 1931) é um músico brasileiro, tido como o criador da bossa nova. É considerado um gênio e uma lenda viva da música popular brasileira.Ver mais...

*** 

Antônio Carlos Jobim - Tom Jobim, (1927-1994), foi compositor, cantor, pianista, violonista, maestro e arranjador brasileiro. Garota de Ipanema, um de seus maiores sucessos, foi escrita em 1962 em parceria com Vinícios de Morais. Estudou com vários professores renomados como Lúcia Branco, Hans Joachim Koellrentter, entre outros. Tocou em bares e boates de Copacabana. Foi logo contratado como arranjador pela gravadora Continental. Seu primeiro sucesso foi a canção Tereza da Praia, feita em parceria com Billy Blanco e gravada por Lúcio Alves e Dick Farney. Fez parceria com grandes nomes da música, entre eles, Vinícius de Morais e João Gilberto. Com eles criou a Bosa Nova, movimento musical que surgiu no Rio de Janeiro por volta de 1958. Ver mais...
***

Bossa nova

O ritmo da bossa nova é uma mistura do ritmo sincopado da percussão do samba numa forma simplificada e ao mesmo tempo sofisticada, que pode ser tocada num violão (sem acompanhamento adicional), cuja técnica foi inventada por João Gilberto. Quanto à técnica vocal (parte integral do conceito de bossa nova), é uma técnica de cantar em tom de voz uniforme, com voz emitida sem vibrato, e com um fraseado disposto de forma única e não-convencional (ora antecipando, ora depois da base rítmica), e de forma a eliminar quase todo o ruído da respiração e outras imperfeições. Aqui

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Avó (IV)

Sempre a conheci assim, na sua labuta donde transparecia uma humanidade infinita. Penso que nós nunca parámos para nos interrogarmos donde lhe vinha toda aquela força e como ela conseguira superar todas as partidas que a vida lhe pregara. Nem tão pouco era assunto em que ela tocasse. E também nunca houve na família uma conversa formal sobre aquela época que já parecia tão remota.

O facto é que, da mesma forma como ela organizava o seu pequeno mundo com sabedoria e dignidade, também organizara e administrara um mundo imenso, os bens dos filhos. Chegados à maioridade deu-se a partilha. Por contingências da vida, Dona Inês ficara sem nada de seu.





Quando Manês partiu era já nonagenária. Viveu muito tempo, dir-se-á. Mas não o suficiente, diríamos nós, os seus netos, espalhados pelos quatro cantos do mundo, cidadãos do mundo. Foi um tempo inesquecível, em que pudemos beneficiar do seu exemplo, pela sua integridade, pela sua maneira de estar na vida.





Quanto a mim, devo dizer, recordo com saudades a firmeza bondosa dos seus olhos onde se espelhava o céu e, sempre que sinto a vida pesar e quero desistir, é no seu exemplo que procuro as forças necessárias para continuar.



Texto de uma grande amiga: 
Dufinha Santos
Manês - Mãe Inês (avó)
Imagens: Pinturas de Van Gogh


                                                                                                            VER: AVÓ (I)AVÓ (II), AVÓ (III)

domingo, 2 de dezembro de 2012

Avó (III)

Para ela a hospitalidade era um ponto de honra. A qualquer hora do dia ou da noite que chegasse uma visita, Manês não era apanhada desprevenida. Dum pequeno armário embutido na parede, extraía arroz, açúcar, café, enfim, tudo para uma refeição condigna, ali guardado para estas eventualidades. A cama era logo feita com lençóis alvíssimos que saíam da grande mala guardada no quarto destinado a visitas.


Lembro-me que o quarto foi mandado construir por ela, com as suas economias, pois quando comprou a casinha esta só tinha uma divisão. Depois Manês mandou fazer um quarto à direita e outro à esquerda, um quintal, uma cozinhola e uma casa de banho.

A seguir, mandou murar uns quantos metros quadrados de terreno, considerado baldio, e aí no meio das pedras, Manês fazia brotar lindos pés de feijão, couves e outras verduras, regadas à caneca, com a água que ela mandava buscar ao chafariz.

                                                                                          penúltimo...

Texto de uma grande amiga:
Dufinha Santos
Manês - Mãe Inês (avó)
Imagem:Pintura Van Gogh


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Avó (II)

Ela sabia que nunca lhe faltaria o pão nosso de cada dia. Deus dará, dizia. No entanto, Manês fazia por isso, seguindo a asserção bíblica: Põe a mão e eu te ajudarei. Assim, no quintal tinha a porca que lhe dava alguns leitões por ano, sendo um para a vizinha que lhe cedia o varrasco, outros para vender e um para engorda e abate. No dia da matança todos na vizinhança tinham a sua parte, e o resto da carne era salgada e o toucinho transformado em banha.

Tinha a cabrinha que não faltava com o leite (espumoso e quentinho) e as galinhas com os seus ovos e frangos para canja ou guisado. Todos os dias fazia sair os seus funguins, deliciosos, e que os vizinhos compravam num abrir e fechar de olhos.

Quando a tia Joana lhe enviava o caixote com géneros alimentícios e variadíssimos outros artigos, Manês nunca esquecia os vizinhos, e todos compartilhavam da bonança (em especial a D. Sara, que era quem lhe punha a correspondência em dia, quando os olhos começaram a não ajudar). E daquilo que reservava para si, o que era susceptível de ser transformado, era-o. Por exemplo da farinha de trigo fazia maravilhosas filhós que as pessoas procuravam, indo-lhe bater à porta.

Também os pobres que lhe batiam à porta aos sábados, como era hábito da terra, tinham sempre o seu quinhão do muito ou do pouco que houvesse.
                                                                                             

                                                                                                                                  
                                                                                         continua...
Texto de uma grande amiga:
Dufinha Santos

Manês - Mãe Inês (avó); Funguins - bolinhos de farinha de milho, banana, açúcar, ovos

Imagem: internet



VER: AVÓ (I)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Avó (I)

Deus nos dê boa noite. Boa noite nos dê Deus. Era este o ritual de todos os dias quando o Sol se punha e Manês acendia o candeeiro a petróleo. Tínhamos que estar atentos para não falharmos a resposta.

Manês, mesmo com relógio, regia-se pela luz solar. Levantava-se ainda a estrela d'alva se fazia ver. Então, era aquele cafézinho acabado de torrar, moer e parar, com cachupinha guisada, ovo estrelado, carne assada. O almoço era na altura em que a sombra da casa chegava mais ou menos à porta e o jantar, esse, era servido ainda o Sol ia alto.

Deitava-se cedo e, a partir daí, Manês era dona absoluta da sua chave. Já adultos, quando íamos passar algum tempo com ela, lembro-me que a hora de ir para a cama continuava a ser sagrada. Se pretendêssemos dar uma voltinha ao luar e saborear o fresquinho da noite, Manês não saía da porta enquanto não chegássemos.



Depois de todos acomodados, ela tinha então o seu momento de meditação: ela, o seu rosário e o seu canhóte. Este era a sua pequena fraqueza (não lhe conheci outra) e quase que um segredo, pois só fumava quando já todos estavam a dormir e uma única vez. Mas, quanto ao rosário desfiava-o durante o dia sempre que os seus afazeres o permitiam.

Contudo, Manês ia à Igreja muito raramente. Não sei se por a capela distar um bocado de casa ou porque o relacionamento com o seu Deus fosse harmonioso, tornando-se dispensável a intervenção de terceiros.

                                                                                        continua...

Texto de uma grande amiga:

Dufinha Santos

Manês - Mãe InêsParar o café - Fazer o café; Cachupa - Prato típico de Cabo Vede; Canhóte - cachimbo
Imagem:internet


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Retrato de Mulher Triste

Aproprio-me do título do poema de Cecília Meireles para este post e, por uma associação de ideias, lembro-me agora de Lídia, a mulher triste, uma história profundamente humana, escrita por UJM. E lembro-me também de mulheres que se tornaram números estatísticos neste ano de 2012, sem recuarmos muito mais no tempo, vítimas de maus tratos e de homicídio. É certo que não são as únicas vítimas de violência doméstica, porque as há em pessoas idosas, crianças...mas elas, as mulheres, penso, representam a maior parte. Em sua homenagem, trago-vos dois poemas de dois grandes poetas, Cecília Meireles, brasileira e Daniel Faria, português. 

Apreciemo-los:

Retrato de Mulher Triste 

Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel. 

Está vendo os salões que se acabaram, 
embala-se em valsas que não dançou, 
levemente sorri para um homem.

O homem que não existiu. 
Se alguém lhe disser que sonha, 
levantará com desdém o arco das sobrancelhas, 
Pois jamais se viveu com tanta plenitude. 

Mas para falar de sua vida 
tem de abaixar as quase infantis pestanas, 
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas. 

Cecília Meireles



Há uma Mulher a Morrer Sentada

Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens

Daniel Faria




Em tempo:

VER AQUI - LEI MARIA DA PENHA (Lei nº 11.340, de 7 de agosto 
de 2006)- Brasil - Contributo de Canto da Boca, para este post.
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 O Profeta, trouxe-nos estes sentidos versos:

Já não posso dar-te a mão, cheguei tarde
Entre ruinas procuro o sentido, a razão
Já não canto aos deuses, não rezo
Já esqueci o sabor do desprezo, não desprezo

Tracei um círculo de solidão
Ausente do meu nome está o chamamento
Jazem mudas as folhas de silêncio
Errantes brumas ao sabor do vento

Percorri um longo e tortuoso caminho
Moro numa casa da memória no topo da saudade
Prodígios de mil cores espalhei pelo caminho
Pintei almas, mentiras, girassóis e singelas verdades

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Cecília Meireles (1901-1964),Daniel Faria (1971-1999)
Poemas retirados de Citador - Imagem:Internet-Jeanne Hébuterne por A. Modigliani
ReflexãoDia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres - 25 de Novembro

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Flamingos


Ontem*, logo de manhã, ouvi o apresentador de notícias da RTP1 dizer qualquer coisa como: ...uma grande concentração de flamingos na Tanzânia, e até disse o número que era na ordem dos milhares, salvo erro. A minha natural curiosidade ficou logo acesa mas tinha de sair, não podia fazer nada no momento. Aquilo ficou-me na ideia desde então, via mentalmente o espectáculo de cor e elegância destas aves pernaltas que pintam a natureza de rosa ou quase vermelho. Hoje**, encontrei a referida notícia que diz isto:




Na Tanzânia regista-se nesta altura do ano a maior migração de flamingos do planeta. Um espetáculo que já serviu de base a vários filmes. Mais de um milhão de flamingos reunidos num único local. 

(Clicando na notícia, em amarelo, poderá ver o vídeo que a complementa com imagens maravilhosas).





Mas, continuando. Também fiquei a saber, depois de pesquisar um pouco, que é no Lago Natron, um lugar quente e hostil, no norte de Tanzânia, que se dá a reprodução destes flamingos, flamingo-menor, pelas suas características salínicas.  






Quanto mais elevada for a salinidade, maior é a quantidade de cianobactérias que se desenvolvem no lago e, por conseguinte, maior é o número de ninhos de flamingos-pequenos.




Contudo, parece que estes flamingos estão em perigo, pois existe um projecto   de construção de uma fábrica de soda caústica no local, o que poderá pôr em causa a sobrevivência da espécie.





Reportando-me ao que li, consta que:

A Tanzânia é um dos países mais pobres do mundo e que não há desenvolvimento sem industrialização. Porém a exploração da soda traria um grande impacto sobre o lago, levando a um declínio populacional do flamingo. Além da perda sem precedentes (os ecólogos sabem que há uma relação muito íntima entre o ambiente e o organismo), tal ação poderia trazer prejuízos ao turismo, pois o espetáculo que ocorre na época reprodutiva atrai muitos observadores.

Espero e desejo que a solução do problema da Tanzânia se perspective noutra direcção e que este local tão importante para a nidificação destas aves seja preservado...

VER:
aquiaquiaqui
Imagens retiradas da Internet
*anteontem **ontem (Entretanto não acabei logo o post. Isto por aqui está assim... au ralenti. Falta de teeempo...)