terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Eu queria ser Poeta



Para fazer um mar de Poesia

E comparar tua beleza 

com a natureza

Nem mar nem lua cheia

nem sol brilhante 

nem noite serena

se comparam 

à formosura 

do teu corpo
...


Paulino Vieira diz-nos isto, e muito mais, 
nesta linda Morna. 
Desejo-vos um ANO NOVO,
pleno de esperança.



BOM ANO DE 2021

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Meus amigos, como vêem, os que já aqui estiveram, acrescentei um belo Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, autora que todos nós admiramos.

Muito grata pela companhia e belos comentários, aqui, no Xaile de Seda.

Abraços.


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Imagem: daqui

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Hino de Amor




Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
A dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!
in :'Antologia Poética'

João de Deus,  o poeta que cresci a ouvir, de tal modo que me admiro de não o ter trazido ao "Xaile de Seda", há mais tempo.  A verdade é que este e outros poemas de autores do Sec. XIX fazem parte do meu imaginário. E a sua cadência ainda me soa aos ouvidos, recordando-me a voz da minha Mãe.
Talvez por este Natal ser tão diferente - num tempo em que tudo parece em desequilíbrio - eu sinta uma certa propensão para lembrar momentos da minha infância, recriando intimamente 
esse ambiente familiar.





AVÉ MARIA!
Amira Willighagen




A TODOS UM BOM NATAL!


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Poema - Citador
João de Deus de Nogueira Ramos (1830 -1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico e pedagogo, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens. Foi considerado o poeta do amor e encontra-se sepultado no Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa...aqui

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

"XI Interação Fraterna de Natal - Tema: Alegria na Simplicidade do Natal"




Prelúdio de Natal

Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas

Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas

a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas

A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas



David de Jesus Mourão-Ferreira, (1927-1996) foi um escritor e poeta português. Tem uma biblioteca com o seu nome em Lisboa no Parque das Nações.
 

Tal como no ano passado, participo da bela iniciativa da Amiga Rosélia, a  Confraternização natalícia que reúne vários amigos bloggers.

E é de Alegria que se trata perante as coisas simples da vida, como tudo o que deve envolver o Natal. No "Prelúdio de Natal" de David Mourão-Ferreira nos preparamos para receber e perceber a beleza da tradição, dos cheiros e dos afectos.

O símbolo que a nossa amiga enviou, a poinsétia, a chamada Flor de Natal, entre outras designações, lembrou-me que num Natal dediquei-lhe uma publicação transcrevendo a lenda que lhe é dedicada. Se quiserem lê-la procurem-na aqui. :)





BOM NATAL A TODOS.


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Poema: Citador

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

"a paixão grega"

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

in: A faca não Corta o Fogo


Herberto Helder de Oliveira (1930 – 2015) foi um poeta português, considerado por alguns o "maior poeta português da segunda metade do século XX" e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa. aqui



Imagine all the people
Living life in peace

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Poema - daqui

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Inamovível Pedra





Evoco a inamovível pedra
Onde me sento e deponho meus silêncios
Pórtico e palco de esperas longas
E festivas chegadas.

E apaziguo meus demónios
E limpo minhas culpas
E sacudo poeiras
E as cinzas
E o estertor
Dos mitos.

E me celebro, pedra
Agora ara e vara do tempo.

E mergulho. Matriciais águas
E desfile de rostos. Que um a um nomeio.
E digo. Em murmúrio de lábios.

E em meus passos me ergo.
E lavro - linhas de meu rosto!...
E fecundo. Horizonte
De meus dias
Peregrinos.


in: Perfil dos Dias
pg.75


Um dos mais belos e emocionantes Poemas de Manuel Veiga, no Perfil dos Dias, "Livro sem Máscara e sem Mácula", no dizer de Isabel Mendes Ferreira. Encontra-se dividido em três secções: 

Solfejo de Emoções, p. 15/60

Da Inocência das Coisas, p. 63/78

Da Caligrafia do Mundo, p. 81/117

Por ele caminhamos sem pressa mas querendo avançar, na ânsia de passar ao Poema seguinte, adivinhando todo um mundo de sentimentos e emoções com que nos identificamos. 


Pedra Filosofal
António Gedeão/ Manuel Freire
Menina dos olhos de água
Pedro Barroso


Boas leituras nestes dias de confinamentos vários.

Saúde!

Abraço


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 Imagem: daqui

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Frágeis que somos

Uma sombra esgueira-se na noite. Dobrada, pescoço enfiado no corpo, olha para todos os lados com ar comprometido. Nota-se-lhe um andar claudicante que a bengala não sustém. Pousa-a no solo ao de leve como que receando o ruído que pudesse fazer, ecoando na cidade fantasma. Das janelas, frinchas franqueiam a olhares pouco amistosos o avançar da figura vestida de escuro. Perscrutam a noite, perscrutam-na a ela, perscrutam os relógios, tudo o que possa dizer as horas. E tudo indica que alguém se encontra na rua, furando o recolher obrigatório. E mais. Sem o respectivo acessório de uso obrigatório que a salvaria de um mau encontro com o vírus. O que fazer? Liga-se para a Polícia? Se dantes andar de máscara era caso suspeito, agora andar sem ela denota falta de civismo e de amor a si próprio e aos outros. Mas, o que se passa? Mais uma sombra sai da esquina também ostentando rosto desnudado. E não mostra constrangimento algum, com um à vontade como se fosse tudo seu. Que descaramento! Muito afoita, a segunda sombra aproxima-se da primeira: Ah, Ah, afinal tu também não trazes máscara. Acho bem, isso é tudo treta. Qual Covid, qual carapuça! Alguns vão ficar ricos com isso. Estou mesmo a ver. Esse negócio das máscaras, dos kits de protecção, do álcool, do gel desinfectante...enfim, e tanto plástico, meu Deus! A primeira sombra responde baixinho: Ando escondida, escapulindo-me pela rua a horas mortas para não ser denunciada... É que não tenho dinheiro para comprar uma máscara sequer. E dizem que é obrigatório! E quem não pode comprá-las?




Boa semana, meus amigos.

Saúde!


domingo, 22 de novembro de 2020

Festa da Vida

 

*

Que venha o sol o vinho as flores
Marés canções todas as cores
Guerras esquecidas por amores
Que venham já trazendo abraços
Vistam sorrisos de palhaços
Esqueçam tristezas e cansaços
Que tragam todos os festejos
E ninguém se esqueça de beijos
Que tragam prendas de alegria
E a festa dure até ser dia
Que não se privem nas despesas
Afastem todas as tristezas
Pão vinho e rosas sobre as mesas
Que tragam cobertores ou mantas
O vinho escorra pelas gargantas
E a festa dure até às tantas
Que venham todos de vontade
Sem se lembrarem de saudade
Venham os novos e os velhos
Mas que nenhum me dê conselhos

Que venham...


Contraponto à pandemia e ao confinamento.

Mas...

Cuidemos de nós e dos outros.

Boa semana.

Abraços


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*

"A Festa da Vida" - Letra de José Niza, música de José Calvário, interpretação de Carlos Mendes - Festival de Eurovisão da Canção de 1972. aqui


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, 
in "Raiz de Orvalho 
e Outros Poemas"

Mia Coutopseudónimo de António Emílio Leite Couto, n.  1955 -  escritor e biólogo moçambicano.


Conhecemo-lo não é verdade? Autor falado e admirado aqui no Xaile, por várias vezes, pela sua prosa, pela sua poesia, pelas suas ideias. Também pelo jeito de dar à Língua Portuguesa uma outra faceta, criando vocábulos e modo de dizer que retratam o ambiente moçambicano.

Hoje trago-o neste Poema, Identidade, que me dá a ideia (numa interpretação livre) de que para ser eu própria terei de entrar na pele do outro. Terei de sentir as suas lutas e fracassos. E congratular-me com as suas vitórias.

E assim lembro o povo moçambicano que atravessa momentos de grande dor. Na sua província de Cabo Delgado grassa o terror e a violência.  E desespera por ajuda internacional.


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Poema - Citador
Imagem - Wiki

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Ana Paula Tavares


Ana Paula Tavares - foto (...)


Aquela mulher que rasga a noite

com o seu canto de espera

não canta

Abre a boca

e solta os pássaros

que lhe povoam a garganta

- em "O lago da lua". Lisboa: Editorial Caminho, 1999, p.17.


“De uma coisa estou certa, venha quem vier, mudem as estações, parem as chuvas, esterilizem o solo, somos cada vez mais como as buganvílias: a florir em sangue no meio da tempestade.”
- fragmento de “O sangue da Buganvília”. Praia: Centro Cultural Português, 1998. daqui


Rosa de porcelana - Angola


Ana Paula Ribeiro Tavares, é uma historiadora e poetisa angolana.
Iniciou o seu curso de História na Faculdade de Letras do Lubango. Em 1992 veio para Portugal, terminando o curso em Lisboa. Em 1996 concluiu o Mestrado em Literaturas Africanas. Atualmente vive em Portugal, fez o Doutoramento em Antropologia na Universidade Nova de Lisboa (com o tema "História e memória. Estudo sobre as sociedades de Lunda e Cokve de Angola", e leciona na Universidade Católica de Lisboa. Sempre trabalhou na área da cultura, museologia, arqueologia e etnologia, património, animação cultural e ensino. Tanto a prosa como a poesia de Ana Paula Tavares estão presentes em várias antologias publicadas em Portugal, no Brasil, em França, na Alemanha, em Espanha e na Suécia. aqui

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Boa semana, meus amigos.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Noite longa


Na noite longa

minha alma
chora sua fome de séculos

Meus olhos crescem
e choram famintos de eternidade
até serem duas estrelas
brilhantes
no céu imenso.

E o infinito se detém em mim

Na noite longa
uma remotíssima nostalgia
afunda minha alma
E eu choro marítimas lágrimas
Enquanto meu desejo heróico
de engolir os céus
se alarga
e é já céu

Tenho então
a sensação esparsamente longa
de vogar no absoluto.

Mário Fonseca
    (1939-2009)


Mário Alberto de Almeida Fonseca nasceu a 12 de Novembro de 1939, na Praia. Foi professor de Francês no Senegal e administrador e tradutor na Mauritânia e Turquia.

Tem poemas dispersos em revistas, jornais e antologias - Boletim de Cabo Verde, Seló (que fundou juntamente com o poeta cabo-verdiano Arménio Vieira), África, Internacional, Solidarité, Afrique, África, Raízes, Poésie du monde Noir (Presence Africaine d´Expression Portuguese). Das suas obras constam "O Mar e as Rosas", que foi confiscado em Lisboa, em 1964, aquando do encerramento forçado da então Associação Portuguesa de Escritores, pela Polícia Política.

Sob o título "Mon Pays est une Musique" publicou os livros de poesia: Près de la mer, Mon Pays est une Musique e Poissons. Participou das actividades da Associação de Escritores Afro-Asiáticos (Pequim, 1966), no Simpósio Literário Internacional contra o Apartheid (Brazaville, 1987) e nos Estados Gerais do Livro Francófono (Paris 1989).

O poeta foi colaborador e re-writer do Jornal "A Semana" por longos anos e, recentemente vinha colaborando com alguma regularidade o jornal Expresso das Ilhas. aqui





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Poema - daqui

sábado, 31 de outubro de 2020

Sonhe com as estrelas

Sonhe com as estrelas,
apenas sonhe,
elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento,
ele precisa correr por toda parte,
ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.
As lágrimas?
Não as seque,
elas precisam correr na minha,
na sua, em todas as faces.
O sorriso!
Esse, você deve segurar,
não o deixe ir embora, agarre-o!
Persiga um sonho,
mas, não o deixe viver sozinho.
Alimente a sua alma com amor,
cure as suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias,
deixe-se levar pelas vontades,
mas, não enlouqueça por elas.
Abasteça seu coração de fé,
não a perca nunca.
Alargue seu coração de esperanças,
mas, não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala.
O mais é nada.

Fernando Pessoa



Ouvi, há dias, este Poema de 
Fernando Pessoa dito por  António Fagundes
recitando a parte que assinalo em bold.
 
E, já se sabe, fui à procura dele, Poema. 
E aqui estou eu a partilhá-lo convosco.



E comigo, Maria Bethânia com "Louvação à Oxum".


NOTA:
Hoje, Dia Nacional da Poesia no Brasil, diz-nos a MAJO aqui


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Meus amigos:

Sobre a autenticidade deste poema atribuído a Fernando Pessoa, queiram ver os comentários das amigas Majo e Elvira.

Bom domingo :)

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Poema daqui

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

INSTANTE




Algures entre o céu e a terra, gorou-se para sempre o Instante, nó górdio jamais desfeito, evadido para a esfera do nada, levado, sufocado em si mesmo, ornado de gâmetas infecundos.

Lentamente a vida se escoa enlaçada na trama imparável, ira de um deus que rejeitou todo o ensejo de, por um instante, eleger a minha alma gémea.




Bom fim de semana, meus amigos.

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Imagem: daqui

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental, 
     in "Sonetos"






Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 – Ponta Delgada, 11 de setembro de 1891) foi um escritor e poeta português do século XIX que teve um papel importante no movimento da Geração de 70.
 Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política. Deu início aos seus estudos na cidade natal, mudando-se para Coimbra aos 16 anos, ali estudando Direito e manifestando as primeiras ideias socialistas. Fundou em Coimbra a Sociedade do Raio, que pretendia renovar o país pela literatura.
Em 1861, publicou os seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes Modernas, influenciadas pelo socialismo experimental de Proudhon, enaltecendo a revolução. Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã, em que Antero e outros poetas foram atacados por António Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual. Como resposta, Antero publicou os opúsculos Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Exmo. Sr. António Feliciano de Castilho, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais. aqui







Veja :

Bom fim de semana, meus amigos.

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Poema -citador

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A Virgem Guerreira

Entretanto o criador dos homens e dos deuses, altamente sentado no cimo do Olimpo, não observa o espectáculo com olhos indiferentes. O Pai instiga ao cruel combate o tirreno Tárcon, e mediante poderosos aguilhões anima a sua cólera. Por isso é que Tárcon investe sobre o seu cavalo e no meio da carnificina e das colunas que cedem; com ditos de toda a espécie ele encoraja as alas, interpelando cada um pelo seu nome e reconduzindo ao combate os soldados vacilantes: "Que medo, ó tirrenos insensíveis à vergonha e sempre indolentes, que cobardia invadiu os vossos corações? Uma mulher desbarata-vos e faz os vossos esquadrões voltar as costas? Para que serve este ferro?, estes dardos inúteis que trazemos nas mãos? Não éreis tão indolentes com Vénus e as suas lutas nocturnas, nem quando, ao sinal dos coros de Baco dado pela flauta recurva, correis para os manjares e as taças que enchem a mesa. Eis o vosso amor, eis os vossos gostos, felizes, contanto que o aruspício favorável anuncie o sacrifício, e que uma gorda vítima vos chame ao fundo dos bosques sagrados."

VIRGÍLIO, in "A Eneida", pg.205 3ª edição, Europa-América


Pois é de Camilla que se trata, a aguerrida mulher de quem fala
 o tirreno Tárcon,
 jovem e bela, itálica, rainha dos Volscos, no combate aos enéades
Mas também cruel e um tanto irresponsável ao lidar com os inimigos.
Teve um triste fim, já fadado desde o seu nascimento.
  



Excerto da "Eneida", a última obra de Virgílio, que nunca a deu por terminada. Perfeccionista, ainda procurava no fim da vida, em 19 a.C., a palavra justa para cada verso, ao ponto de ter pedido aos amigos para queimarem o manuscrito.

Virgílio é para os latinos o que Homero é para os gregos e a Eneida é um clássico, na verdadeira acepção da palavra: tornou-se paradigma poético, e foi nela que tantos grandes poetas se olharam - entre eles, Luís Vaz de Camões e mais notavelmente na Divina Comédia de Dante, em que Virgílio aparece como guia de Dante pelo inferno e purgatório.

Em Junho último, apareceu uma nova tradução da "Eneida", desta feita por Carlos Ascenso André, em verso, no sentido de manter a proximidade ao original e permitir compará-la com o texto virgiliano.

Esta tradução é a primeira feita em verso livre por um especialista em Literatura Latina e, também, poeta; nesse sentido, segue-se à de Agostinho da Silva e à que foi feita por professores da Faculdade de Letras de Lisboa, mas em prosa. aqui

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Daqui vos saúdo, meus amigos.
Desejo-vos dias luminosos.
E boas leituras. 

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Veja aqui "Camila, a virgem guerreira", João Manuel Nunes Torrão, Universidade de Coimbra
Imagem daqui ; Ver: Nova tradução da Eneida - a grande epopeia de Virgílio - aqui
Carlos Ascenso André - entrevista


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Sinto o Amor florir




Visto-me floridamente...
Serei outra flor? Hein?
Ponho melhor perfume,
Ou absorvo o odor delas?

Visto-me com veste colorida...
Serei mais animada! Ah!
Ponho rosas no cabelo,
Ou sintonizo com a cor delas?

Visto-me brilhantemente...
Serei revestida de luz! Oh!
Ponho brilho no olhar,
Ou assimilo a claridade delas?

Roselia Bezerra



Poema airoso e belo. 
Sente-se no ar o perfume das flores e a luminosidade da Primavera.
 
Serei outra flor? 
Serei revestida de luz?
Ponho brilho no olhar,
Ou assimilo a claridade

Tudo isso, sim, amiga Rosélia e muito mais. De louvar a inspiração ao produzir este poema harmonioso, e o conjunto da publicação onde se encontra inserido, pleno de luz, com apelo ao amor em todos os quadrantes da vida, nos tempos difíceis que vivemos. 




MORNAS DO B.LÉZA - COMPOSITOR

-Bela Rapsódia-



-Pôr-do-Sol da Rosélia-


Boa semana a todos.


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Rosélia Bezerra 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Insónias



Doravante 
gritarei no alto dos montes a minha ode ardente, a minha hossana à mãe-natureza. Nos braços do vento, nas ondas do mar, na brisa acariciante, na frescura da água cantarei, vibrarei.
Procurarei beleza no macadame, no barulho da cidade, nos carros que passam, nos escapes que fumegam. Nas torres de cimento, nas máquinas que rugem, na tecnologia obcecante, no burburinho, buscarei e encontrarei amor...

Doravante
deixarei a minha pena correr, livre e enlouquecida, afiada, de ponta em riste, louvando isto e aquilo. No bolo de 
arroz acariciando o palato de uma figura de Rubens, na obesidade de um Adónis, verei graça e encanto. Na Messalina perdida que oferece seus favores, na Vénus desnuda de seios palpitantes, verei sinal de missão. Do status quo retirarei apenas e só o inefável. Da vida vivida o suco. Da realidade a aparência. 
Qual 
Fénix renascerei.

Dinola Melo


Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso. 
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Exagero meu no que te diz respeito, Dinola.
Mas de exagero, exagero excessivo, sabe Álvaro de Campos. 
Quanto ao resto, uma pálida amostra.







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Ode Triunfal (referência) - Álvaro de Campos

domingo, 20 de setembro de 2020

A casa em que nasci, Marianinha



«A casa em que nasci, Marianinha,
está voltada a Su-sueste
e tem à frente um cipreste
de atalaia à seara e vinha.

Casa já antiga, descaiada,
se o Sol lhe bate na fachada,
inunda-se a varanda de alegria;
tia Rita fia na roca
e dos buraquinhos da alvenaria
salta pardal com pardaloca.

À velha chaminé é um regalo
ver o fumo subir, fazer halo.
No montado, ouvem-se anhos balir
e derretem-se lantejoulas a luzir,
trouxe-as a Primavera no regaço
e espalhou-as pelo tojo, urze, sargaço,
sem desprezar trigal, jardim,
rampas, refúgio de erva ruim.

Manhã cedo, rompe a cantata,
nas árvores de fruto e pela mata.
─ Sol, Sol! ─ trauteiam os pardais,
tordos, melros e verdiais.
─ Sol, Sol! ─ pede o tuinho na balsa
e o auricu que apagou o candil na salsa.

E o Sol ergue-se por detrás dos montes,
e lá vem, sem olhar a vias nem pontes,
triunfal, contente como um ás,
com sua capa de arcebispo primaz.

Quem não ouve decerto sente
que vem salvando: ─ Olá, boa gente,
pássaros a voar e no ninho,
fonte, e tu a ladrar, cãozinho,
para que abram e nos deixem entrar.

Olá, meu amigo carvalho,
à minha espera no festo da colina,
e, no almarge, o carneiro do chocalho,
o cabrito, a cabrinha e até o chibo,
ronda-vos o lobo, mas sopro a neblina,
e vai mais longe buscar o cibo.
Salve, amigos, haja fartura e alegria! (…)» 
(ler poema completo aqui )

Aquilino Ribeiro 
  (1885-1963)


Aquilino Ribeiro, (Tabosa do Carregal, 13/9/1885 – Lisboa, 27/5/1963) Romancista, folhetinista, contista, novelista, professor, director da Seara Nova (1921), fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores (1956).


Sobre as "Terras do Demo", diz o Autor:

"...Chamei-lhe assim porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência." aqui

Boa semana, meus amigos.



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Poema - in O livro de Marianinha (1967) - Livro dedicado à neta, Mariana aqui
Imagem - Fundação Aquilino Ribeiro - clique e leia mais sobre a vida de Aquilino Ribeiro 


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NOTA:
Por iniciativa da respectiva Junta de Freguesia, a 4.ª edição de Alvalade Capital da Leitura é dedicada a Lídia Jorge, que este ano celebra 40 anos de vida literária.
A autora de "O Dia dos Prodígios" (1980) será homenageada entre hoje (21) e o próximo dia 26...
Leia mais, clicando em "Da Literatura".


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sábado, 12 de setembro de 2020

Libertação através da Cultura

Um povo deve apropriar-se da sua cultura e fazer dela o seu estandarte. Revolver a terra à procura dos valores da sua ascendência e beber as ideias emanadas desde o princípio dos tempos. Despir-se de roupagens culturais trazidas pelo opressor numa assimilação imposta e eliminar em si próprio todos os resquícios externos fazendo nascer um homem novo. Amílcar Cabral acreditava neste paradigma, não propriamente com estas palavras, mas de forma sistemática e com uma fundamentação político-filosófica de mestre.
Qual a realidade geográfica e mental que ele tinha em vista? Pergunta retórica... Era a Guiné e, paradoxalmente, unido a Cabo Verde. Espaços geográficos diferentes e mentalidades diferentes e já com desinteligências no terreno de quase-séculos. Mas não é aqui que reside o propósito desta reflexão. É dentro da própria Guiné onde existia uma grande diversidade de povos, com as suas diferenças e as suas querelas ancestrais (R.Pélissier). Onde seria necessário encontrar um denominador comum que servisse de elo, numa noção de corpo e de nação trilhando os mesmos caminhos. Tê-lo-á descoberto Cabral? Talvez. Contudo, sabemos que ele não pôde consolidar e pôr em prática as suas ideias. Um tempo que lhe foi roubado.
Hoje sentimo-nos perplexos perante a instabilidade na Guiné-Bissau. Ali, todas as situações são consideradas de ruptura, não prevalecendo o diálogo e a procura do caminho ideal para que o país possa prosseguir em paz. Fazem-se perguntas. Apontam-se motivos. Soluções, não se vislumbram. 
Voltando a Cabral, mas com a adaptação necessária a estes tempos, há que dar pequenos passos, indo buscar ao passado elementos culturais válidos, como o amor arreigado à terra, no sentido de serem ultrapassadas as diferenças para a construção do país com o contributo de todos. 

Este é o excerto de um post que produzi, aqui, em 2012. De lá para cá pouca diferença a apontar no que diz respeito à Guiné-Bissau, apesar dos esforços desenvolvidos por alguns dos seus filhos.


Hoje passam 96 anos sobre o nascimento de Amílcar Cabral. O seu legado como homem que preferia o diálogo à luta armada e o primado da Cultura combatendo a ignorância, é um exemplo de savoir-faire e de estadista de alto nível.

Eu sou tudo e sou nada…
Mas busco-me incessantemente,
– Não me encontro!

Oh farrapos de nuvens,
passarões não alados,
levai-me convosco!
Já não quero esta vida,
quero ir nos espaços
para onde não sei.

Dúvidas que naturalmente assombram quem ousa sair de si mesmo e procura compreender o Mundo.



Abraços, meus amigos. 

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Poema - aqui– Amílcar Cabral, em “Emergência da poesia em Amílcar Cabral” (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.

Ver, se interessar: Amílcar Cabral e o gosto pela Literatura