quinta-feira, 31 de maio de 2012

Um... Enigma

Já esqueci, todas as palavras que queria ouvir
Todo os sentires por sentir
Já não sou protagonista de uma comédia de enganos
Sou apenas demiurgo de uma perversa cena de uma 
chegada sem partir

Sou uvas amargas do mês de Abril
Vinho de travo verde ao beber
Semente atirada ao meio das pedras
Olhos na bruma na inquietação do ver

Uma imensa e incontida força neste peito
Na alma uma cicatriz, qual estigma
Serei apenas um barco de papel à deriva!?
Ou como já alguém disse, um…Enigma…

O Profeta

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Se quiserem ler o poema na íntegra, intitulado ENIGMA, bastará clicar em 


Profeta (acima).


Obrigada, meu amigo, por este excerto.


:)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Nós e os tractores

O que se passa com os tractores agrícolas? Volta e meia meia volta ouve-se falar de acidentes que vitimam pessoas que trabalham nos campos agrícolas. Pergunto-me se não deveria haver formação para a utilização destas máquinas, talvez, fiscalização para que estas desgraças não continuem a acontecer. Parece uma espécie de fatalidade a que as pessoas se submetem como acontece com as arribas




Dá a ideia que toda a gente pode conduzir um tractor agrícola quando afinal não é bem assim. É necessário haver habilitação para tal. Além disso, há os cuidados de segurança a ter com a máquina, travando-a em condições, impedindo que depois de o condutor sair do lugar ela comece a andar provocando acidentes.

Li numa notícia que:

Em dez anos morreram em Portugal 380 pessoas vítimas de acidentes com tratores. Em 2010 Portugal era mesmo o segundo país da Europa com mais acidentes deste tipo.

E este ano já li várias notícias de acidentes com tractores, nomeadamente, em Torres NovasVouzelaViseuPenafielVila Real, Seia...

     
             Tenhamos em atenção estes dados e apostemos na prevenção...


Imagem:Internet

domingo, 27 de maio de 2012

Balanço da Semana da Lusofonia no Xaile

Eis-nos chegados ao fim desta Semana da Lusofonia no Xaile, uma semana de oito dias, por serem oito os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP. Talvez daqui a algum tempo sejam nove esses países, na medida em que a Guiné Equatorial pediu a sua inclusão nesta Comunidade, declarando o Português uma das línguas oficiais do país.

Façamos agora o balanço das escolhas feitas, na certeza de que poderiam ter sido outras, dada a variedade, número e qualidade dos autores que escrevem em língua portuguesa. E... Parei precisamente aqui há sete dias.

Não tive a oportunidade de continuar este texto nem de fazer o referido balanço, ou de falar sobre a grande viagem do idioma que é a grande estrela neste périplo.

Assim, termino esta série, sem mais delongas, com um poema de Clarice Lispector, agradecendo a todos os que passaram por aqui lendo apenas ou também contribuindo com os seus comentários:

O sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz. 

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.


Clarice Lispector




Imagem:Internet

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Momentos de Aqui


Estupefacto, quase rejuvenescido, o Padre olhava agora o Mar por detrás da enorme janela do farol. Sem palavras, porque não as havia naquele momento, limitou-se a levantar as mãos até embater no vidro, como se fosse tocar, agarrar, consumir o Mar. Olhou então para trás e viu Mortinho sorrindo, como se compreendesse perfeitamente aquela sensação. Deixou-se estar assim uns minutos e depois acordou:
̶  Mortinho, a sua mãe pediu-me que viesse falar consigo.
̶  Sim, eu sei, Padre.
̶  Sabe? Como?
̶  Provavelmente está preocupada porque já não vou à Aldeia…
̶  Pois, é mais ou menos isso – disse o Padre, que ouvindo as últimas palavras de Mortinho, não conseguiu encontrar nada de estranho naquela situação.
̶  É simples, Padre. Estou cá há dez meses e tinha pouco o que fazer, por isso ainda ia à Aldeia. Mas recebi no mês passado uma boa remessa de livros que tinha requisitado. Não há filmes bons na Aldeia e tenho aqui tudo o que preciso…
̶  Tudo, meu filho?
̶  Acha que não, Padre? – perguntou Adelaide Mortinho apontando para a sala, terminando na janela inundada de Mar. – Acha que isto não é tudo?
O Padre deu então outro olhar à sala. Na sua aparente desarrumação reinava uma certa ordem. De um lado, o monte de livros. Ao centro, a secretária com botões intermináveis e luzes incompreensíveis. Do outro lado, fitas de música e mais livros. E em redor do cilindro gigante que era aquele farol, uma janela, uma varanda e o respectivo Mar. Como que compreendendo o olhar do Padre, Adelaide Mortinho, o faroleiro, dirigiu-se lentamente para uma das portas laterais que davam para a varanda. «Venha, Padre.» Uma brisa fresca entrou pela sala, mas não se interessando por nada, voltou a sair. Com ela foram para a varanda o faroleiro e o Padre. Do alto do farol parecia dominar-se o Mar. Ou simplesmente, poder-se calcular e sentir o seu poder, a sua imensidão. Diante da beleza, da brisa, e levado pelas sensações que só o Mar sabe provocar, o Padre exclamou comovido:
̶  Isto pode ser tudo!
Adelaide Mortinho ouvia o Padre mas continuava a olhar o Mar. Era um olhar diferente do do Padre: olhar fraterno mas respeitador. Tinha o seu quê de companheirismo e de servidão ao mesmo tempo.
̶  Compreende, Padre, que eu não precise de ir à Aldeia?

Momentos de Aqui 
Ondjaki
Excerto do conto 'O Padre, o Mar e o faroleiro'
Retirado de 










Imagens:Internet


A mãe e a irmã


A mãe não trouxe a irmã pela mão
viajou toda a noite sobre os seus próprios passos
toda a noite, esta noite, muitas noites
A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado
a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas
                                               [vermelhas
A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites
                                               [todas as noites
com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste
e só trazia a lua em fase pequena por companhia
e as vozes altas dos mabecos.
A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção
no pano mal amarrado
nas mãos abertas de dor
estava escrito:
meu filho, meu filho único
não toma banho no rio
meu filho único foi sem bois
para as pastagens do céu
que são vastas
mas onde não cresce o capim.
A mãe sentou-se
fez um fogo novo com os paus antigos
preparou uma nova boneca de casamento.
Nem era trabalho dela
mas a mãe não descurou o fogo
enrolou também um fumo comprido para o cachimbo.
As tias do lado do leão choraram duas vezes
e os homens do lado do boi
afiaram as lanças.
A mãe preparou as palavras devagarinho
mas o que saiu da sua boca
não tinha sentido.
A mãe olhou as entranhas com tristeza
espremeu os seios murchos
ficou calada
no meio do dia.

(Dizes-me coisas amargas como os frutos)

Ana Paula Tavares
Angola




Imagem: Internet

domingo, 20 de maio de 2012

A dissimulação

Chegou o sábado, chegaram outros sábados, e eu afeiçoei-me à vida nova. Ia alternando a casa e o seminário. Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres. No fim de cinco semanas estive quase a contar a este as minhas penas e esperanças; Capitu refreou-me.
-Escobar é muito meu amigo, Capitu!
-Mas não é meu amigo.
-Pode vir a ser; ele já me disse que há de vir cá para conhecer a mamãe.
-Não importa; você não tem direito de contar um segredo que não é só seu, mas também meu, e eu não lhe dou licença de dizer nada a pessoa nenhuma.
Era justo, calei-me e obedeci. Outra coisa em que obedeci às suas reflexões foi, logo no primeiro sábado, quando eu fui à casa dela, e, após alguns minutos de conversa, me aconselhou a ir embora.
-Hoje não fique mais tempo; vá para casa, que eu lá vou logo.É natural que D. Glória queira estar com você muito tempo, ou todo, se puder.
Em tudo isso mostrava a minha amiga tanta lucidez que eu bem podia deixar de citar um terceiro exemplo, mas os exemplos não se fizeram senão para ser citados, e este é tão bom que a omissão seria um crime. Foi à minha terceira ou quarta vinda à casa. Minha mãe, depois que lhe respondi às mil perguntas que me fez sobre o tratamento que me davam, os estudos, as relações, a disciplina, e se me doía alguma coisa, e se dormia bem, tudo o que a ternura das mães inventa para cansar a paciência de um filho, concluiu voltando-se para José Dias:
-Sr José Dias, ainda duvida que saia daqui um bom padre?
-Excelentíssima...
-E você, Capitu, interrompeu minha mãe voltando-se para a filha do Pádua que estava na sala, com ela - você não acha que o nosso Bentinho dará um bom padre?
-Acho que sim, senhora, respondeu Capitu cheia de convicção.
Não gostei da convicção. Assim lho disse, na manhã seguinte, no quintal dela, recordando as palavras da véspera, e lançando-lhe em rosto, pela primeira vez, a alegria que ela mostrara desde a minha entrada no seminário, quando eu vivia curtido de saudades. Capitu fez-se muito séria, e perguntou como é que queria que se portasse, uma vez que suspeitavam de nós; também tivera noites desconsoladas, e os dias, em casa dela, foram tristes como os meus; podia indagá-lo do pai e da mãe. A mãe chegou a dizer-lhe, por palavras encobertas, que não pensasse mais em mim.
Com D.Glória e D.Justina mostro-me naturalmente  alegre, para que não pareça que a denúncia de José Dias é verdadeira. Se parecesse, elas tratariam de separar-nos mais, e talvez acabassem não me recebendo...Para mim, basta o nosso juramento de que nos havemos de casar um com o outro.
Era isto mesmo; devíamos dissimular para matar qualquer suspeita, e ao mesmo tempo gozar toda a liberdade anterior, e construir tranquilos o nosso futuro. Mas o exemplo completa-se com o que ouvi no dia seguinte, ao almoço; minha mãe, dizendo a tio Cosme que ainda queria ver com que mão havia eu de abençoar o povo à missa, contou que, dias antes, estando a falar de moças que se casam cedo, Capitu lhe dissera: 'Pois a mim quem me há de casar há de ser o padre Bentinho; eu espero que ele se ordene!' Tio Cosme riu da graça, José Dias não dessoriu, só prima Justina é que franziu a testa, e olhou para mim interrogativamente. Eu, que havia olhado para todos, não pude resistir ao gesto da prima, e tratei de comer. Mas comi mal; estava tão contente com aquela grande dissimulação de Capitu que não vi mais nada, e, logo que almocei, corri a referir-lhe a conversa e a louvar-lhe a astúcia. Capitu sorriu agradecida.
-Você tem razão, Capitu, concluí eu; vamos enganar toda esta gente.
-Não é? disse ela com ingenuidade.

Dom Casmurro
Machado de Assis
capítulo 65: pgs 89 e 90



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Voa andorinha

Nobre andorinha de altos vôos, voa
Eleva ao alto as asas, pelo vento
Depois vem me contar se é coisa boa
chegar ao céu. Somente em pensamento

também hei de voar. Até Lisboa.
Depois até Coimbra. Eis o momento!
Descobrir se a saudade que magoa
é dor ou emoção ou sentimento

Às vezes me percebo embevecido,
saudoso de um lugar desconhecido
Não sei se é isto um bem ou se é um mal.

Se na saudade dói é a distância
por que furor, motivo ou circunstância,
não hei de buscar cura em Portugal?! 


Diógenes Pereira de Araújo

Brasil

Poema retirado do
blog da Mara






imagem:Internet

sábado, 19 de maio de 2012

Memórias de um espírito

Morri precisamente às cinco da tarde de um dia 30 de Setembro. Calhou que justamente nessa manhã eu tinha completado mais um ano de vida e a Alda estava numa grande azáfama nos retoques finais de um jantar que queríamos oferecer aos amigos mais próximos e também a mais uns quantos esfomeados da cidade de Mindelo. Mas de repente caí no chão. Redondo, sem um ai, como um desamparado saco de batatas mal cheio.
Lembro-me perfeitamente: nada daquelas confusões de tonturas que fazem uma pessoa agarrar-se aos móveis mais próximos e levar na cambalhota tudo o que estiver à mão. Não senhor! Foi uma queda limpa, elegante, como se estivesse preparando uma sessão de flexões de braços na alcatifa da sala. Felizmente! De contrário todo o nosso serviço de cristal, uma porradaria de copos de tamanhos variados que estava já sobre a mesa, teria tombado comigo, e agora é que se poderia dizer e com razão que por cima da queda, coice! porque seria um  prejuízo bastante considerável e eu mesmo ficaria cheio de pena, pois ainda que não seja particularmente bonito, está carregado de recordações pessoais e familiares, na medida em que há anos o tinha comprado na Casa Serradas, com pagamento a prestações, para oferecer à Alda como prenda de homenagem aos primeiros cem dias da nossa vivência.
(...)a Alda olhando-me com ar severo de quem se prepara para dizer, estas não são horas para brincadeiras de mau gosto! Fiquei, pois, à espera, só para ver como ela iria reagir àquela emergência inesperada, mas ainda se ria: Hoje não, disse enquanto me dava um pontapé na ilharga, hoje não está um bom dia para brincadeiras, estou cheia de trabalho, vem antes ajudar a Rosa a limpar os talheres. E baixou-se para me apertar o nariz, uma coisa que fazia sempre que me dava na cabeça fingir-me de morto.
Foi só então que deve ter reparado nos olhos do meu corpo, porque foi nesse momento que gritou, um grito que certamente me teria assustado se ainda estivesse vivo. (...)

As memórias de um espírito
Germano Almeida
excertos - pgs 11,12,23



Imagem:Internet

Flagelados do Vento-Leste

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente 

           para nós

Somos os flagelados do Vento-Leste!


O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras 

           para não perecermos

Somos os flagelados do Vento-Leste!


Morremos e ressuscitamos todos os anos
      para desespero dos que nos impedem 

                   a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
       num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
     porque descobrimos a origem das coisas
                  (quando pudermos!...)

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos


E as vozes solidárias que temos sempre 

                  escutado
São apenas
                   as vozes do mar
que nos salgou o sangue
                   as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
      e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!

(Claridade - 1962)

Ovídio Martins
Cabo Verde

Poema retirado de
No reino de Caliban





sexta-feira, 18 de maio de 2012

A Lenda do homem chamado Namarasotha - Moçambique


Havia um homem que se chamava Namarasotha. Era pobre e andava sempre vestido com farrapos. Um dia foi à caça. Ao chegar ao mato, encontrou uma impala morta. Quando se preparava para assar a carne do animal apareceu um passarinho que lhe disse:
- Namarasotha, não se deve comer essa carne. Continua até mais adiante que o que é bom estará lá.
O homem deixou a carne e continuou a caminhar. Um pouco mais adiante encontrou uma gazela morta. Tentava, novamente, assar a carne quando surgiu um outro passarinho que lhe disse:
- Namarasotha, não se deve comer essa carne. Vai sempre andando que encontrarás coisa melhor do que isso.
Ele obedeceu e continuou a andar até que viu uma casa junto ao caminho. Parou e uma mulher que estava junto da casa chamou-o, mas ele teve medo de se aproximar pois estava muito esfarrapado.
- Chega aqui!, insistiu a mulher.
Namarasotha aproximou-se então.
- Entra, disse ela.
Ele não queria entrar porque era pobre. Mas a mulher insistiu e Namarasotha entrou, finalmente.
- Vai te lavar e veste estas roupas, disse a mulher.
E ele lavou-se e vestiu as calças novas. Em seguida, a mulher declarou:
- A partir deste momento esta casa é tua. Tu és o meu marido e passas a ser tu a mandar.
E Namarasotha ficou, deixando de ser pobre.
Um certo dia havia uma festa a que tinham de ir. Antes de partirem para a festa, a mulher disse a Namarasotha:
- Na festa a que vamos quando dançares não deverás virar-te para trás.
Namarasotha concordou e lá foram os dois. Na festa bebeu muita cerveja de farinha de mandioca e embriagou-se. Começou a dançar ao ritmo do batuque. A certa altura a música tornou-se tão animada que ele acabou por se virar.
E no momento em que se virou, ficou como estava antes de chegar à casa da mulher: pobre e esfarrapado.
NOTA:
Todo o homem adulto deve casar-se com uma mulher de outra linhagem. Só assim é respeitado como homem e tido como «bem vestido». O adulto sem mulher é «esfarrapado e pobre». A verdadeira riqueza para um homem é a esposa, os filhos e o lar. Os animais que Namarasotha encontrou mortos simbolizam mulheres casadas e se comesse dessa carne estaria a cometer adultério. Os passarinhos representam os mais velhos, que o aconselham a casar com uma mulher livre. Nas sociedades matrilineares do Norte de Moçambique (donde provém este conto), são os homens que se integram nos espaços familiares das esposas. Nestas sociedades, o chefe de cada um destes espaços é o tio materno da esposa. O homem casado tem de sujeitar-se às normas e regras que este traça. Se se revolta e impõe as suas, perde o seu estatuto de marido e é expulso, ficando cada cônjuge com o que levou para o lar. Cumprindo sempre o que os passarinhos lhe iam dizendo durante a sua viagem em busca de «riqueza», Namarasotha acabou por encontrá-la: casou com uma mulher livre e obteve um lar. Mas por não ter seguido o conselho da mulher, perdeu o estatuto dignificante de homem adulto e casado.
Texto retirado de
AQUI


Imagem:Internet

Companheiros

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris

em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros


Mia Couto
Moçambique
Poema retirado de
AQUI

Imagem:internet

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Lenda do tambor africano - Guiné-Bissau

Corre entre os Bijagós, da Guiné, a lenda de que foi o Macaquinho de nariz branco quem fez a primeira viagem à Lua.
A história começou assim:
Nas proximidades de uma aldeia, os macaquinhos de nariz branco, certo dia, de que se haviam de lembrar? De fazer uma viagem à Lua e trazê-la para baixo, para a Terra.
Ora numa bela manhã, depois de terem em vão tentado encontrar um caminho por onde subir, um deles, por sinal o mais pequeno, teve uma ideia: encavalitarem-se uns nos outros. Um agora, outro depois, a fila foi-se erguendo ao céu e um deles acabou por tocar na Lua.
Em baixo, porém, os macacos começaram a cansar-se e a impacientar- se. O companheiro que tocou na Lua nunca mais conseguia entrar. As forças faltaram-lhes, ouviu-se um grito, e a coluna desmoronou-se.
Um a um, todos foram arrastados na queda e caíram no chão. Apenas um só, só um macaquito, por sinal o mais pequeno, ficou agarrado à Lua, que o segurou pela mão e o ajudou a subir.

A Lua olhou-o com espanto e tão engraçadinho o achou que lhe deu de presente um tamborinho. O Macaquinho começou a aprender a tocar no seu tamborinho e por longos dias deixou-se ficar por ali. Mas tanto andou, tanto passeou, tanto no tamborinho tocou, que os dias se passaram uns atrás dos outros e o macaquinho de nariz branco começou a sentir profundas saudades da Terra e das gentes. Então, foi pedir à Lua que o deixasse voltar.
— Para que queres voltar?
— Tenho saudades da minha terra, das palmeiras, das mangueiras, das acácias, dos coqueiros, das bananeiras.
A Lua mandou-o sentar no tamborinho, amarrou-o com uma corda e disse-lhe:
— Macaquinho de nariz branco, vou-te fazer descer, mas toma tento no que te digo. Não toques o tamborinho antes de chegares lá abaixo. E quando puseres os pés na Terra, tocarás então com força para eu ouvir e cortar a corda. E assim ficarás liberto.
O Macaquinho, muito feliz da vida, foi descendo sentado no tambor. Mas a meio da viagem, oh!, não resistiu à tentação. E vai de leve, levezinho, de modo que a Lua não pudesse ouvir, pôs-se a tocar o tambor tamborinho. Porém, o vento soltando brandos rumores fazia estremecer levemente a corda. Ouviu a Lua os sons compassados do tantã e pensou: “O Macaquinho chegou à Terra”. E logo mandou cortar a corda.
E eis o Macaquinho atirado ao espaço, caindo desamparado na ilha natal. Ia pelo caminho diante uma rapariga cantando e meneando- -se ao ritmo de uma canção. De repente viu, com espanto, o infeliz estendido no chão. Mas tinha os olhos muito abertos, despertos, duas brasas produzindo luz.
O tamborinho estava junto dele. E ainda pôde dizer à rapariga que aquilo era um tambor e o entregava aos homens do seu país.
A moça, ainda não refeita da surpresa, correu o mais velozmente que pôde a contar aos homens da sua raça o que acabava de acontecer.
Veio gente e mais gente. Espalhavam-se archotes. Ouviam-se canções. E naquele recanto da terra africana fazia-se o primeiro batuque ao som do maravilhoso tambor.
Então os homens construíram muitos tambores e, dentro em pouco, não havia terra africana onde não houvesse esse querido instrumento.
Com ele transmitiam notícias a longas distâncias e com ele festejavam os grandes dias da sua vida e a sua raça.
O tambor tamborinho ficou tão querido e tão estremecido do povo africano que, em dias de tristeza ou em dias de alegria, é ele quem melhor exprime a grandeza da sua alma.


Texto retirado de
AQUI


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Deu-la-Deu Martins


Uma imagem de mulher, segurando um pão em cada mão do alto de uma torre, figura no brasão de Monção com a legenda: Deus a deu - Deus o há dado.


Esta é uma homenagem à coragem e astúcia de uma grande heroína, Deu-la-Deu Martins, mulher do capitão-mor de Monção, Vasco Gomes de Abreu. Esta mulher singular viveu no século XIV, no tempo das guerras entre D. Fernando de Portugal e D. Henrique de Castela.

Foi nesta conjuntura que o galego D. Pedro Rodriguez Sarmento pôs cerco a Monção com um poderoso exército, aproveitando a ausência temporária do seu capitão-mor. A vila aguentou o cerco sob o comando de Deu-la-Deu Martins, apesar da escassez de alimentos.

Mas a situação chegou a um ponto de desespero e foi então que Deu-la-Deu, com um sangue-frio notável, mandou fazer alguns pães da pouca farinha que restava. Deu-la-Deu subiu com os pães à muralha e atirou-os aos sitiantes, gritando-lhes que como abundavam as provisões na cidade e dada a duração do cerco, os galegos poderiam precisar de alimento.

O inimigo também estava cheio de fome e pensando que o cerco ainda poderia demorar mais tempo, decidiu retirar para Espanha. Este feito ficou para sempre na memória dos portugueses e deu origem ao costume de os vereadores do município se dirigirem ao túmulo de Deu-la-Deu, quando tomavam posse dos seus cargos, prestando-lhe homenagem.




Texto retirado de
AQUI

Gaivota


Para si , Maria.


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill
Portugal

Poema retirado
de AQUI

Imagem e video:
internet