domingo, 31 de dezembro de 2017

O Pinheirinho, o Pinheiro, o Pinhal



A minha filha quando era miúda vinha do colégio com uma cantiguinha que começava assim: "Pinheirinho, pinheirinho / de ramos verdinhos/ P'ra enfeitar, p'ra enfeitar/Bolas bonequinhos..." e insistindo para que se armasse a árvore ainda em pleno Novembro. Com o correr do tempo já é normalíssimo vermos montras e lojas em Outubro com sugestões natalícias. Ainda hoje sinto que começarmos a realizar esses enfeites muito cedo tira um pouco da magia daquilo que se quer transmitir.

Assim, a árvore era montada em princípios de Dezembro, a par com o presépio, e contava-lhe o seu significado para não nos perdermos completamente da história ou da ideia de Francisco de Assis: o presépio representando o menino Jesus, Maria e São José e os pastores, mais os animais e, já agora, os Reis Magos; a árvore de Natal uma representação que foge da nossa realidade levando-nos para as terras frias e trazendo de lá a ideia de um ser mágico que pode cumprir os nossos mais caros desejos.


Aqui para nós: As árvores, as bolas, as guirlandas, as luzes, os presentes, os laços, as fitas, a afobação, a angústia que toma conta de nós (ai que é que eu vou oferecer a A, B ou C), o tempo que se escoa até à data fatal que deveria ser de alegria e felicidade se realmente quiséssemos festejar momentos com a família, já são coisas que não conseguimos controlar porque abarcam a sociedade e envolvem um grande negócio. Promovemos essa ilusão, deixamo-nos levar por ela e, conscientemente, adoramos transmiti-la às crianças até que elas próprias descobrem que foram burladas. Essa descoberta causa-lhes quase sempre uma grande decepção e a primeira certeza de que os adultos não são de fiar.

Um aparte que se impõe: estou para aqui a falar, criticando, no entanto, adoro toda essa envolvência que o Natal produz. Uma contradição...

Mas, continuando. 

Ao fim e ao cabo tudo tem um princípio, embora as situações e a maneira de pensar evoluam. É o que acontece com isso da árvore de Natal. Diz-se que civilizações antiquíssimas, 3º milénio a.C, consideravam as árvores como um símbolo divino, ligando-as a entidades mitológicas. A sua verticalidade, das raízes à copa, marcava uma aliança entre o céu e a terra. Povos pagãos da região dos bálticos cortavam pinheiros que enfeitavam quase como se faz na actualidade.




No início do século VIII, o monge beneditino São Bonifácio tentou acabar com essa crença pagã que havia na Turíngia, para onde fora como missionário. Com um machado cortou um pinheiro sagrado, que os locais adoravam no alto de um monte, e como teve insucesso na erradicação da crença, decidiu associar o formato triangular do pinheiro à Santíssima Trindade e suas folhas resistentes e perenes à eternidade de Jesus. Nascia aí a Árvore de Natal. * Até Martinho Lutero, o homem da Reforma, gostava de enfeitar pinheiros na floresta, segundo consta.

Por isso, nós, pobres mortais desta era não fazemos nada por aí além na nossa adoração aos pinheiros, especialmente na quadra do Natal. Até porque temos ou tínhamos um motivo bastante válido nesse sentido que nos vem do tempo de D. Dinis que mandou plantar o Pinhal de Leiria, como é voz corrente. Contudo, li há pouco tempo que foi D. Afonso III quem tomou essa iniciativa. Será?


Tenho de reler o livro de Cristina Torrão, "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador", para ver se diz alguma coisa sobre isso. Cristina Torrão é uma escritora que faz de temas da História de Portugal, Idade Média, excelentes romances sem esquecer o rigor histórico. 

Infelizmente, o Pinhal de Leiria que veio do Sec. XIII ou XIV foi praticamente devorado pelas chamas nos incêndios de 17 de Outubro de 2017. Faço votos para que mulheres e homens de boa vontade, todos nós, trabalhemos no sentido de recuperar esse património.

Um pinheirinho, um pinheiro, um Pinhal e um texto extemporâneo. Mas como diz o poeta, mais precisamente José Carlos Ary dos Santos, Natal... é quando um homem quiser, no caso, é quando uma mulher quiser.





DESEJO-VOS UM BOM ANO  


====

1ªs 2 imagens - Pixabay
3ª imagem - daqui
4ª imagem - Pixabay
*Árvore de Natal

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Reencontro - terra e semente






A terra, virgem, linda e viçosa
Transbordante de puro húmus
Anelava pela semente fecunda
Veículo de vida e doce pujança

A semente, estuante de energia
Proliferava ao sabor do vento
Caía vadia em receptáculos vários
Desbaratando a ansiada essência

A terra, só, tragada pelos vermes
Esventrada, escavada, consumida
Perdia, exangue, o viço e a cor
Na espera inútil da sua semente

A semente, afoita, leve, contente
Distribuía doces, suculentos frutos
Férteis manjares de seiva e mel
Exangue mas satisfeita, repousou...


Terra e semente reencontram-se
Húmus e essência encanecidos
Jazendo, algures, o irrecuperável
Nem uma frágil haste germinarão

                                                     Dinola Melo


=====

Imagem: Pixabay

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão




A pequena mão desenha a árvore 
onde uma estrela se aninha para dormir. 
Que dia será o de amanhã 
no meio dos escombros onde o eco da súplica 
enlouquece os cães famintos? 
Quadro trágico para uma noite assim. 
A pequena mão pega na borracha 
e tenta apagar toda a dor do mundo 
e acender com um novo traço 
a claridade que resgata a alma. 
A estrela acorda numa copa alta 
e segue o caminho do que sabe 
até encontrar a pequena mão 
que tudo reinventa à medida do que somos. 
Quando o encontro acontece 
já não é noite nem dia, tempo infinito, 
mas apenas um lugar onde o choro das crianças 
de súbito se transforma em cântico. 

A pequena mão desenha tudo 
o que falta desenhar para o sonho fazer sentido. 
É uma mão frágil mas firme, apenas sábia, 
e quando abre o livro azul das manhãs 
é sempre para escrever as palavras 
que o estrondo abafou nas cidades feridas. 
A pequena mão desenha uma árvore, 
uma estrela e uma mãe aflita. 
Depois desenha uma linha de horizonte, 
uma constelação e uma pequena arca. 
Um traço basta para criar a luz. 
Depois tudo é mistério e júbilo. 
Que ao menos esta noite ninguém se esqueça 
da árvore, da estrela, da lenda 
e da magia da pequena mão afagando a vida


In: Antologia Poética

José Jorge Letria

Jornalista, poeta, dramaturgo, ficcionista e autor de uma vasta obra para crianças e jovens, José Jorge Letria nasceu em Cascais, em 1951.

======
Poema: daqui
Imagem: daqui 

domingo, 17 de dezembro de 2017

Caligrafia Íntima

Eis então o outro livro referido aqui, obra poética intitulada Caligrafia Íntima, de Manuel Veiga, homem de rasgos poéticos cimentados tanto na cultura clássica como na cultura moderna e ainda na contemporânea. Com ele viajamos, nomeadamente, pelas obras de Homero, Camões, Fernando Pessoa. E, ao referir-se a "mulheres de Atenas", não podemos deixar de recordar Chico Buarque de Holanda.

Ora, leiam este poema:  


Urgência de teus olhos


                              Para Cândida, Minha Mulher

Urgência de teus olhos assim tão fogo
Que tão líquidos se derramam e mil silêncios
Os consomem. E mil fios. E mil teares e enredos.
E mil anos os dizem. E mil helenas e mil tróias.
E mil penélopes os resguardam.

E mil "mulheres de Atenas" - verbenas!
E mil cantos. E mil rezas. E mil lágrimas colhidas.

Sou o pórtico desse fogo. Sou o sonho
Sou o rumo e ancoragem. Sou abrigo.
Sou o brado. Sou o grito. Sou incêndio
Das pontes. E as águas que correm no rio.

Sou a carne insubmissa. Sou a miragem!
Sou a memória perdida. Sou a fonte.
Sou origem. Sou quase tudo
No olhar em que sou cativo.

Meu amor, meu amor, sou o poema
Em que te digo. 

In: Caligrafia Íntima
Pg. 31



cento e dois sinais

cento e dois sinais neste livro de poesia a comunicar a grande possibilidade do verbo sensível culto
e às vezes irónico mas sempre livre mas sempre persistente no caminho da perfeição e se ela existir desarrumada e cúmplice o Manuel Veiga ensina-nos o caminho através de uma sobriedade enorme.(...)

é a memória antiga a ser futuro neste presente que nos grita ao perto o grito do poeta. "verso e reverso" da sua fala que nos revisita como se uma pluma fosse e nós leitores acompanhamos o gráfico grito sossegado e intimista de quem não ousa desistir de si.


Algumas das palavras de Isabel Mendes Ferreira no início do livro - pg 6


======
Obra referenciada:
Caligrafia Íntima, de Manuel Veiga -
Poesia - Ed. Poética Edições - Maio 2017

1ª imagem: daqui

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A assembleia dos ratos

cão ladrava qualquer que fosse o ruído. Como naquele momento, um dos miúdos tossiu e ouviu-se logo a reclamação do animal. Ouvidos apuradíssimos a fazer jus ao que se diz deles de que ouvem sons não acessíveis aos humanos. 



Contudo, escada abaixo escada acima ouvem-se os guizos que o dono ou a dona lhe penduram ao pescoço e, como sempre, o nosso espanto quotidiano e a toda a hora perante tal: tendo ouvidos tão afinados como aguentaria o ruído constante dos guizos. Era essa a conversa depois do jantar. 

E veio a propósito de nada, a descoberta por parte de um dos presentes de que o guizo é um instrumento musical, para além de massacrar os ouvidos do tal cão e dos gatos que, regra geral, são mimados com guizos ao pescoço.



Estávamos nessa animada assembleia quando se chegou à conclusão de que se devia dizer algo aos donos do cão, que ladra a toda a hora e sobre o tilintar dos guizos que ressoam pelo prédio todo, referindo também o mal-estar que poderiam estar a causar ao animal. Um dos presentes disse que não se deve ter cães nos prédios, outro que eles passam o dia presos sem poderem exteriorizar a sua natureza, outro ainda que se sentia um cheiro esquisito logo assim que se transpunha a porta da entrada. Outras opiniões se ouviam ainda que mais fracas.

Tudo de acordo, mas quem seria o mensageiro ideal para essa tarefa? Quem seria a pessoa com a diplomacia exigida para não causar melindres?  O da voz tonitruante, sempre pronto para uma briga, prontificou-se mas não foi aceite  pela maioria pois ainda deitaria o prédio abaixo, sendo pior a emenda que o soneto. Seguiram-se: o A. com um trabalho em mãos não tinha tempo para estar à espreita dos vizinhos; a B. com o trânsito e os transportes sempre atrasados não dava; o C. poderia fazê-lo num fim-de-semana mas qual quê, e os treinos que só poderia fazer nesses dias?; a D. com os miúdos, não lhe davam descanso, não tinha tempo para nada...



E assim ficámos a olhar uns para os outros num impasse até que o miúdo mais novo, o da tosse, disse: -isto parece uma assembleia de ratos! -De raaatos - admirou-se o outro, dois anos mais velho- estás-te a passar ou quê? - De ratos, pois. A minha professora leu-nos uma fábula que dizia que todos falam falam mas ninguém faz nada...e também ela disse que as fábulas têm uma moral.

A curiosidade foi mais forte e munidos das devidas ferramentas pusemo-nos à procura da tal fábula e encontrámo-la, realmente. Cá está ela, adaptada, creio eu:

Relata que uma vez os ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma reunião para encontrar um jeito de acabar com aquele transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um rato jovem levantou-se e deu a ideia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todo mundo bateu palmas, o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se do seu canto e falou que o plano era muito inteligente, que com toda certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato? aqui

Moral da história: Falar é fácil, fazer é que é difícil.



Do tempo em que os animais* falavam ou do tempo de Esopo (620 a.C / 564 a.C.) chegam-nos estas considerações.

E esta grande questão prevalece: 
quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?

=====
Referências:
Esopo
La Fontaine
Video youtube
Free images: Pixabay
*Entenda-se:os chamados irracionais.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Fui quase todas as mulheres de Modigliani

Em tempos, ilustrei dois poemas sobre a mulher* com uma pintura de Modigliani. Por isso, o  título do livro de poemas de Graça Pires chamou-me logo a atenção. Isso e os belos poemas que a autora nos tem oferecido no seu blogue, retirados do mesmo. Daí a minha vontade de o adquirir e tê-lo aproveitado como uma parte da primeira experiência que apresentei à minha filha.

Resolvi publicar um dos seus poemas e quem já tiver lido o livro ou lido os poemas de que falei acima concordará que a dificuldade está na escolha. Mas até nisso tive sorte, porque no livro está contido um poema, adivinhem lá o tema. Nem será preciso grande esforço porque vou apresentá-lo a seguir:




Mulher com xaile vermelho

Uma brisa fria vem roçar-me a cara
nesta primavera desabrigada,
onde os pássaros rodopiam
uma valsa estremecida,
como se temessem o vento.

Falo pouco nestes dias,
em que me cobre
uma luz lívida e muda.

Cubro os pulsos com os folhos da blusa
para jurar silêncio, quando a mancha
do luar atingir o peitoril da janela.

Na borda da cadeira em que me sento
poiso, ao de leve, as minhas mãos
frias, quase de pedra.

Tenho a cingir-me o peito
um xaile de merino para abafar
as batidas desoladas do coração. 

in: Fui quase todas as mulheres de Modigliani
pg 43


No início, página 6, encontramos estas palavras de Maria Teresa Horta:



  
Voamos a lua,
menstruadas
Os homens gritam:
     - são as bruxas
As mulheres pensam:
     - são os anjos
  As crianças dizem:
     - são as fadas

Maria Teresa Horta
              Os Anjos





=====

Obra referenciada:
Fui quase todas as mulheres de Modigliani
Poesia - Graça Pires, Ed. Poética Edições
Maio 2017

======

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Mãe, o que é que queres pelos teus anos?

-Ah...não sei. Qualquer coisa...
-Não, assim não vale. Uma experiência que queiras.
-Está bem, há dois livros que tenho estado para adquirir. Pode ser isso...
-Livros? Mas isso é alguma experiência?
-E que experiência! Penso que através de um livro podemos viajar, atravessar fronteiras, conhecer mundos...
-Ahaha - riu-se divertida e já convencida- então pode ser isso e, entretanto, pensa também noutra coisa.



Pois é, o que poderá ser assim do pé para a mão? Há dois anos a experiência que ela me arranjou foi uma ida a um spa para ser submetida a massagens e etc. No ano passado, fomos todos a Cabo Verde comemorar o meu aniversário (festa de arromba) e lá, de conluio com o pai e as tias, fui presenteada ainda com uma viagem a Paris. Dessas duas viagens não vos dei conta como devia. Em relação a Cabo Verde fiz dois posts com a promessa de voltar, mas perdi as fotos e ando para aqui às aranhas à procura delas, na esperança de retornar ao assunto. De Paris, idem, idem, aspas...quase na mesma data.



Então, como ela é uma rapariga que não se esquece das coisas lá tenho que resolver. Lembrei-me que em Novembro li em duas revistas sobre um tema que depois viria a ser reforçado no dia do Yoga. Trata-se da Sofrologia. Diz quem sabe que a palavra Sofrologia tem a seguinte composição: vem das palavras: sos = serenidade, harmonia ; phren: mente, consciência e logos: estudo, conhecimento. Assim, etimologicamente "Sofrologia" significa: estudo da consciência em equilíbrio.

Interessante como as palavras podem induzir-nos em erro, porquanto essa à primeira vista parece levar-nos para um campo completamente diverso. Segundo consta, se levada a sério poderá ser a solução para muitos dos problemas do sistema nervoso. Pensa-se que poderia substituir perfeitamente a quantidade de comprimidos que as pessoas ingerem para as insónias e para as perturbações do dia-a-dia. Naquilo que li há também o aconselhamento para as crianças irrequietas proporcionando-lhes assim uma certa tranquilidade.




Portanto, está encontrada a segunda experiência, bem como a experiência primeira que eu escolhi e não dispenso: os dois livros. Logo que cheguem às minhas mãos e os tenha lido, falar-vos-ei deles. Alguns de vós conhecem os autores.

Suspense...

Até lá.

====

.As revistas onde encontrei o tema da Sofrologia: 
Voici et France Dimanche

Ler, se interessar:

As outras duas imagens são: daqui
  

O Portugal futuro



0 portugal  futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro


In:Boca Bilingue

   Ruy Belo
(1933-1978)

Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior.

=====
Poema retirado de: Banco de Poesia Fernando Pessoa
Imagem: daqui

sábado, 9 de dezembro de 2017

Passeando pela Wonderland

Chuva, chuva, chuvinha...Foi assim, ontem, na amada Lisboa. Passeámos ontem pela Wonderland, no Parque Eduardo VII, toda molhadinha, demos a volta até à pista de patinagem, os pais a fazerem a vontade aos filhos, pois se foram lá para isso, tudo de capuz, a pisar as folhas outonais. Dum lado e doutro tendinhas com muitas coisas para degustar, muitas mesas com cadeiras para as pessoas se sentarem e passarem um bocado bebendo uma ginjinha e outras que tais. Mas, nada feito. À noite e sem chuva terá um outro aspecto. Mas, venha, venha a chuva, sim.

a)

Elas, as mesas, cheias de folhas e de água, a roda gigante ao fundo parada, sem préstimo, e fomos saindo de mansinho. Apanhámos um táxi para o largo do Carmo. O taxista palavroso, mas com tino, brindou-nos com a actualidade a que aderimos. Esta chuvinha é boa para a terra, e aproveita bem, para a cidade é só para causar acidentes e trânsito. Então, estão a ver o Trump com aquilo de Jerusalém...e o outro da Coreia não lhe fica atrás. Mas também o da Rússia, hein... Veio a lembrança do Chernobyl, por fim a dúvida se teria sido antes ou depois da queda do Muro de Berlim e a seguir, ainda, a bomba atómica na segunda guerra mundial, sobre Iroshima e Nagasaki. E...chegámos. A ideia era irmos almoçar a um restaurante mesmo ali junto ao elevador de Santa Justa.


Escolhi um risoto vegetariano, não que seja vegetariana. Mas, às vezes, quando vou comer fora, prefiro coisas assim. Estou a entrar numa fase em que a comida feita em casa é que é. Enfim, manias. Para a sobremesa um brownie com gelado. E, claro, nunca consigo comer uma sobremesa até ao fim.


Dali, a vista do Convento do Carmo a convidar-nos para uma visita. E fomos...


Numa outra perspectiva


E um olhar para baixo

Fomos ver as ruínas e o Museu Arqueológico. Chamou-me a atenção um busto cujo letreiro fazia esta afirmação, seguida de um ponto de uma interrogação: D. Afonso Henriques (?). Investigação, datação, incompleta? Pergunto eu.









Fotos que são apenas pormenores. Podia postar mais algumas, mas seria cansativo. Outras mais esclarecedoras poderão ser encontradas na Net.

A seguir, resolvemos que desceríamos para a Baixa utilizando o Elevador. Fomos ver - meu Deus, os preços são proibitivos. Ficámo-nos pelo imenso corredor  cinzento e frio como se vê na foto. Vamos de táxi?- perguntámo-nos. Um sacrilégio, sendo a zona que é.


Descemos pela rua do Sacramento, pezinho aqui, pezinho ali, porque escorregar  pela rua abaixo com a chuvinha e o óleo concentrado, não era nada difícil. Continuámos pela Calçada do Carmo e fomos dar ao Rossio. Ali uma Feira de Natal, à semelhança das que fazem noutros países. Tendinhas, barraquinhas mimosas com tudo de doce tradicional e não só, vi variedades de bombocas, foi o que me chamou logo a atenção. Não tenho fotos. A chuvinha não parava e o telemóvel não aguentaria tanta humidade. 

Como eu gosto de andar à chuva - não sendo torrrencial - ainda deu para espreitar montras, pastelarias e andar por ali sem destino.

Ai, o Metro é logo ali, rumo à Alameda e a seguir Gare do Oriente. Mesmo com chuva e envolta em neblina, Lisboa é a minha Wonderland por excelência.

Bom fim de semana, meus @migos.

=====

a) imagem Net
(impossível fotografar com o tlm na Wonderland por causa da chuva)

Fotos nossas.

Ler, se interessar:
Ruínas e Museu Arqueológico do Carmo

=====

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Coisas do arco-da-velha

                             (arco celeste pela manhã, mal do pobre que não tem pão e ovelha que não tem lã)


Coisas do arco-da-velha são, genericamente, coisas mirabolantes. Como também histórias do arco-da-velha. A origem está, muito provavelmente, no Antigo testamento: arco-da-velha, arco-celeste ou apenas arco-íris foi o sinal do pacto que Deus fez com Noé: 'Estando o arco nas nuvens, Eu ao vê-lo  recordar-Me-ei da aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra' (Génesis 9:16). Também se considera que o Arco-da-Velha é uma simplificação de Arco da Lei Velha, uma referência à lei Divina. Afora estas conotações religiosas, o arco-da-velha (associado à fada ou à feiticeira) é o arco-íris. A crença mais popular que se estende a várias regiões e, até, a vários países, supõe que o arco-íris tira a água de um lugar para a despejar noutro lugar. Há também quem, mais ambicioso, ache que as pontas do arco assentam sobre o local secreto onde um pote de moedas de ouro foi enterrado.
Os poetas, esses dizem que o arco-íris é apenas a fita que a Natureza põe na cabeça depois de lavar os cabelos...

In: COISAS DO ARCO-DA-VELHA, Sem perguntas, Só respostas, de Jorge Esteves, página 59.



Excerto do livro de Jorge Esteves, nosso companheiro da blogosfera, lançado em 27 de Outubro último, na Biblioteca Municipal do Porto e no dia seguinte, 28, na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo. No próximo dia 9 terá lugar o lançamento em Lisboa.

Na contracapa lê-se: COISAS DO ARCO-DA-VELHA é o resultado de uma pesquisa orientada pelo amor à Língua Portuguesa e ânsia de conhecimento do autor que nos conduz a viagens no tempo, num retrocesso até às origens, ou possíveis origens, de cerca de 320 aforismos comummente usados neste nosso idioma. (...)
Esta é uma obra de leitura aprazível, destinada a um leque amplo de leitores; interessa ao cidadão comum, aos jovens estudantes, aos estudiosos de todas as idades e, seguramente, aos que têm a Língua Portuguesa como ferramenta de trabalho.

Da minha parte, devo dizer que ler o "Coisas do arco-da-da velha" vem confirmar a minha admiração pela forma como Jorge Esteves transforma a escrita numa arte.

====

Obra referenciada: COISAS DO ARCO-DA-VELHA - Sem perguntas, Só respostas - Jorge Esteves - Ed. Perfil Criativo - WWW. AUTORES.CLUB 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Mãe-coragem

Se tivesse de escolher ou optar por uma figura emblemática dos últimos tempos escolheria uma Mulher que me tem impressionado sobremaneira, que tem engolido as lágrimas, fazendo das fraquezas força. Na sublimação da sua dor procura justiça e nessa busca engloba todos os que estão a sofrer uma dor como a sua.  


























Nela vejo todas as mães que perderam os seus filhos naquela fatídica noite de 17 Junho ou nos dias infernais começados a 15 de Outubro, ou em situações similares; aqueles que perderam os seus familiares, os seus amigos, os seus vizinhos; todas as pessoas cujas vozes não se ouvem e que no seu sofrimento vêem os seus dias e noites povoados de fantasmas.

Nádia Piazza é a figura materna que elejo. Ela não se isola, abraçando a sua desgraça. Carrega com ela, quais filhos desprotegidos, todos os que viveram aqueles momentos de horror e pede perdão às vítimas dos incêndios de Outubro, por achar que não cuidou delas como devia

Da mesma forma que fiquei sem palavras aquando dos incêndios de Pedrógão Grande, retirando-me por algum tempo do Xaile de Seda, também agora não me vejo capaz de dizer tudo o que sinto ao ouvir a voz embargada dessa mulher que deseja honrar a memória do seu filho de 5 anos, amando e dando a mão ao seu semelhante.

Bem-haja, Nádia Piazza!

=====
Imagem: daqui

domingo, 3 de dezembro de 2017

Banquete de amor



Ao contrário dos outros quadros, que pareciam ter levado com lama e borra de café, este, este banquete de amor, consistia na cor. Uma mesa iluminada pelo sol - sobre a qual tinham sido colocados pratos, chávenas e copos - parecia transbordar de luz. A mesa e o banquete tinham sido colocados no plano mais próximo e, de todos os lados, o fundo parecia relegado para uma espécie de escuridão visível. O olhar regressou à mesa. Nos copos havia, não vinho, mas luz, e as bandejas tinham pratos de tons extremamente coloridos, como se o convidado tivesse trazido para aquele banquete um apetite, não de comida, mas do espectro inteiro de cor, iluminado por candeeiros de arcos celestiais. A comida não tinha forma. A comida não tinha forma. Tinha apenas cor, pastéis ardentes, clarinhos mas intensos. Uma magia de visionário fluía de uma ponta à outra da mesa, todos os pratos tendo sido transformados em abstracções de formas demasiado brilhantes, como se uma pessoa tivesse saído de um cinema e deparado com uma radiosa tarde de Verão no coração da cidade, onde todos os objectos estavam carregados de luz que os olhos não conseguiam processá-los. O quadro era como um flash, uma arte que cegava como uma catarata. Aquela comida disposta diante de nós era exactamente assim. Depois, reparei que a parte da frente da mesa parecia inclinada na direcção do observador, como se toda aquela luz, e estava prestes a tornar-se nosso.
In: Banquete de amor, Charles Baxter, página 79.


Excerto do livro que estou a ler e que se intitula Banquete de amor, como referido acima. Trata-se de um livro de histórias de amor mas, o mais interessante, é que tem um fio condutor: o personagem principal, Bradley, que, nas horas vagas se dedica à pintura. Foi ele que sugeriu ao narrador, escritor na trama e na vida real, a feitura do livro. Pelo tom algo coloquial dos contos não contava encontrar texto tão belo, uma prosa poética tão elevada. Também Bradley está a revelar-se muito interessante. O livro tem 267 páginas e ainda vou na 79. Talvez ainda me depare com mais surpresas agradáveis.

Pelo que leio na contracapa, o Banquete do amor é um verdadeiro festim, uma sumptuosa iguaria de literatura que reflecte sempre aquilo que mais nos delicia e atormenta, referindo entre outras considerações que esta deliciosa narrativa reflecte sobre histórias de amores extraordinários entre pessoas comuns.

Tenham um bom domingo e façam o favor de ser felizes, como dizia o saudoso Raúl Solnado.

======

Obra referenciada: Banquete de amor, de Charles Baxter, Ed. Bico da Pena - 1ª edição, 2007.

1ª imagem:Link adress
2ª imagem: Link adress

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Escrevo meu livro à beira-mágoa





Terceiro

Escrevo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

In: Mensagem

    (1888-1935)

Este poema é o terceiro passo da II Parte (Os Avisos), de Mensagem, livro 
composto por 44 poemas, editada um ano antes da sua morte. 
É uma obra que exalta os feitos dos portugueses, seguindo a linha camoniana,
e cultiva a esperança na recuperação do seu antigo prestígio.

=====
Poema retirado: daqui
Imagem: Pixabay