sábado, 27 de abril de 2019

ESTIAGEM

Com o peito em estiagem
chove choro materno .

Na boca ciosa do nado
minhoca o seio murcho.

Nem suor nem ar
lhe salgam a fome.

Amamentar-se só na doçura
das lágrimas da mãe


HELDER FAIFE


HÉLDER RAFAEL FAIFE nasceu em setembro de 1974, em Maputo, atual capital de Moçambique. Publicitário por formação desde 1994, estudou Arquitetura e Planejamento Físico na Universidade Eduardo Mondlane, também em Maputo, Moçambique. É artista plástico e membro da Associação dos Escritores Moçambicanos. aqui


Corneille - Le bon Dieu est une femme





=====

MEUS AMIGOS

SURGIU UM IMPREVISTO QUE ME OBRIGA A ESTAR AUSENTE POR ALGUM TEMPO.

ABRAÇO


OLINDA

terça-feira, 23 de abril de 2019

Vinte e zinco

20 de Abril

Ninguém nasce desta ou daquela raça. Só 
depois nos tornamos pretos, brancos ou
de outra qualquer raça

Extracto do diário de Irene, parafraseando
Simone de Beauvoir
...

23 de Abril

Deus fez a árvore para que o Homem não 
sentisse medo do tempo.

Dito do cego Andaré


24 de Abril

Já não carecemos da igreja: o mundo inteiro
se converteu numa imensa igreja.
De joelhos, arrebanhados até ao sonho, 
aceitamos a qualquer preço isso a que 
chamam de  redenção.

Dos cadernos de Irene


25 de Abril

"Toda a terra ficará branca com a luz das
estrelas e o céu será engolido pelas
andorinhas"

Shaka Zulu a Dingane, seu assassino


26 de Abril

Até que o leão aprenda a escrever, o
caçador será o único herói.

Nozipo Maraire, em Carta a Minha Filha

...
Vinte e Zinco é o título do livro que Mia Couto escreveu a convite da Editorial Caminho aquando do 25º aniversário da Revolução de Abril de 1974. É escrito em forma de diário, de 19 a 30 de Abril, e cada dia é iniciado com a citação de um dito dos personagens, exceptuando-se um ou outro.

Antes do primeiro dia, há uma página onde vem gravada esta fala da adivinhadora Jerussima, justificando-se o título do livro:

"Vinte e cinco é para vocês que vivem nos
bairros de cimento.
Para nós, negros pobres que vivemos na madeira 
e zinco, o nosso dia ainda está por vir"

A referida Editora convidou, na altura, outros escritores constituindo assim uma colecção fechada, Colecção Caminho de Abril. Passo a indicá-los:

Alexandre Pinheiro Torres - Amor, só Amor, Tudo Amor
Alice Vieira - Vinte e Cinco a Sete Vozes
Almeida Faria - A Reviravolta
Carlos Brito - Vale a Pena Ter Esperança
Germano Almeida - Dona Pura e os Camaradas de Abril
Manuel Alegre - Uma Carga de Cavalaria
Maria Isabel Barreno - As Vésperas Esquecidas
Mário de Carvalho - Apuros de Um Pessimista em Fuga
Mia Couto - Vinte e Zinco (citado acima)
Sebastião Salgado - Um Fotógrafo em Abril
Urbano Tavares Rodrigues - O Dia Último e o Primeiro

De referir que a indicação da Editora, destes autores e das suas obras é apenas por amor à arte, não obedecendo assim a nenhuma espécie de publicidade de que o Xaile de Seda se distancia sempre.

Neste Dia do Livro, proponho a leitura do livro de Mia Couto, que é o autor aqui homenageado, seguindo o meu propósito de, por estes dias, assinalar  escritores moçambicanos, mas também poderá ser de um dos autores acima mencionados ou então um autor e um livro à vossa escolha.

O importante é ler e, também, respeitar os direitos autorais.


====

Mia Couto, Vinte e Zinco - citações páginas: 11, 24, 59, 73, 90, 98
Leia, se interessar:
Uma análise: Mia Couto e a reescrita da história: o 25 de Abril em Vinte e Zinco
Flavia Renata Machado Paiani

sábado, 20 de abril de 2019

Sábado de Aleluia!

Era assim que se chamava o sábado que antecedia o Domingo de Páscoa, uma espécie de ante-celebração. Em casa da minha avó os preceitos da Semana Santa eram observados a sério. Já a tarde da Quinta-Feira Santa, a da Última Ceia, era de muita contenção. Na Sexta-Feira Santa, o dia da Paixão propriamente dito, não se comia carne e convidava a que houvesse pouco barulho e algumas rezas. Sabíamos que ali não podíamos andar na brincadeira, portanto, fazíamo-nos desentendidos para não ter de lá ir. Mas, nada feito, havia quase sempre recados da nossa mãe para a dela, o que coincidia com a hora de rezar o terço. Isso obrigava-nos a muita concentração e a estarmos quietos. As coisas abrandavam no sábado o que, para nós, meninada, era uma bênção.



Estas lembranças surgiram-me agora de manhã e, confesso, tive muita saudade desses tempos e da minha querida avó. Fui ver se haveria por aí nesse mundo virtual algo sobre o Sábado de Aleluia. Realmente há e é conhecido também como Sábado Santo, Sábado Negro e Véspera da Páscoa, o último dia da Semana Santa, na qual os cristãos se preparam para a celebração da Páscoa. Nele se celebra o dia em que o corpo de Jesus Cristo permaneceu sepultado no túmulo. 

Assim, aos crentes desejo uma boa preparação para o dia de amanhã e aos não-crentes um excelente dia com a família.


FELIZ PÁSCOA A TODOS!


=====
Sábado de Aleluia - aqui e aqui
imagem - daqui
  

quinta-feira, 11 de abril de 2019

...agora somos sete...


PAULINA CHIZIANE, escritora moçambicana, diz-se contadora de histórias e não romancista: Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte.Essas suas palavras fazem-me lembrar a arte de contar a vida passada, os mitos e as lendas, que os mais velhos (os griots) transmitiam ou transmitem, ainda, aos jovens. A oratura - outra designação que tem vindo a fazer escola.

Balada de amor ao Vento é o primeiro livro de Paulina Chiziane, publicado em 1990 e, tal como o nome indica, trata-se de uma história de amor, antes de mais. O primeiro capítulo começa já numa toada lírica envolvente, em que a saudade, as recordações num tom sofrido nos dão a medida do valor sentimental desta narrativa. Ali, toda a natureza é chamada: as árvores, as ervas, as plantas, as flores, os bichos e, especificamente, o SaveEste atravessa o livro, quase testemunhando as ilusões e desilusões de Sarnau no seu amor por Mwando.

Tenho saudades do meu Save, das águas azul-esverdeadas do seu rio. Tenho saudades do verde canavial balançando ao vento, dos campos de mil cores em harmonia, das mangueiras, dos cajueiros e palmares sem fim. Quem me dera voltar aos matagais da minha infância, galgar as árvores centenárias como os gala-galas e comer frutas silvestres na frescura e na liberdade da planície verde. Estou envelhecida e sinto a aproximação do fim da minha jornada,(...)

Essa caminhada inicia-se quando Sarnau avista Mwando e sente-se presa àquele amor, irremediavelmente. Dá-se o encontro: as mãos encontram-se, veio o abraço tímido. Trocámos odores, trocámos sabores, empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas. Mas cedo, vem a desilusão. Mwando casa-se com outra mulher por imposição familiar, diz ele.

E ela, Sarnau, descoroçoada, aceita casar com o filho do rei, recebendo a família o lobolo de 36 vacas. Depressa constata que existem mais seis mulheres além dela: agora somos sete...

Abri com violência a porta do meu quarto. Meu marido está ao lado de outra mulher mesmo na minha cama, sorriem, suspiram envoltos nas minhas capulanas novas, meu Deus, eu sou cadáver, abre-te terra, engole-me num só trago. Caminhei vencida para a fogueira e aqueci o banho deles...

Paulina Chiziane, denuncia, neste seu primeiro romance, a poligamia e a condição de subalternidade e humilhação da mulher. Fá-lo-á também em "Niketche - uma história de poligamia", publicado em 2002.

Queira ler, aqui, fazendo download, o seu Testemunho - EU, MULHER...POR UMA NOVA VISÃO DO MUNDO.

Um texto inspirador.

====


Acabo de saber do falecimento da Dina. As suas canções fazem parte do nosso imaginário. As suas composições, a sua voz, o seu talento, dão-nos a certeza de que haverá sempre música entre nós. Para além da morte.

Há sempre música entre nós



2019-04-12


=====

No meu texto: 
Excertos e expressões retirados de "Balada de amor ao vento", dos capítulos 1, 6, 8 
*Uma voz feminina em África - aqui
Paulina Chiziane, primeira romancista moçambicana - com video

====

Dina - "há sempre música entre nós" - Youtube
   

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O hábito e o prazer da leitura desde pequenos

A dois deste mês comemorou-se o Dia do Livro Infantil. A Majo lembrou esse dia com livros infantis de Sophia de Mello Breyner Andresen e eu, num comentário, disse-lhe que ao arrumar a minha estante tinha encontrado alguns que costumava ler à minha filha o que me fez saudades desses tempos. Na verdade, os contos infantis não têm idade, comprazemo-nos nessas leituras e a cumplicidade criada com os nossos filhos não se esquece.

Vem isto a propósito de um artigo que li na revista Maxi, da semana passada, que conta a história de uma avó que lia para a neta em pequenina. Com seis anos ela e a avó divertiam-se a escrever un petit livret com base nas histórias que a menina inventava nos seus passeios ao jardim ou ao campo. Com a idade de 10 anos, resolveram escrever um livro de aventuras, de 190 páginas, tendo como protagonista um coelhinho, o qual tomou o título de "Les aventures de Rouki". Agora a menina pensa continuar a escrever e a avó sente-se feliz por lhe ter transmitido esse gosto pela leitura levando-a a construir histórias. 

Transcrevo uma passagem do artigo:

Or, une étude a démontré que les enfants à qui on avait lu des histoires pendant leurs cinq premières anneés avaient un avantage majeur dans l'acquisition de la langue.*
En effet, cela permet d'acquérir très jeune un vocabulaire riche et donne aux enfants moyens d'apprendre plus facilement à lire. De plus, entendre de belles histoires développe l'imagination.


Ontem, nas minhas visitas a alguns blogs que frequento, li um post do Horas Extraordinárias, intitulado, Obrigado a ler, em que nos dá conta de que, em França, uma escola adoptou uma medida extraordinária para combater os baixos índices de leitura:

Excerto:

Depois do toque do fim do recreio da hora de almoço, exactamente às 13h25, estejam em que lugar estiverem dentro da escola, todos têm de pegar num livro e ler durante um quarto de hora (e atenção: até podem já estar sentados na sala de aula!). E não são apenas os alunos que têm esta obrigação, mas todo o pessoal da escola, incluindo auxiliares e professores. A escolha do livro é à vontade do freguês: aconselha-se o aluno a continuar o livro que já começou, mas não há restrições a temas, géneros ou autores, e isso torna o momento especial, porque é leitura obrigatória sem livro obrigatório.

E a autora conclui:

Muitos deles passaram então a comprar mais livros e ir à biblioteca com mais regularidade. Não seria de aplicar isto por cá?


Recuando um pouco no tempo, também li por estes dias na Revista LER, de finais de 2017 princípios de 2018, um texto, cujo excerto abaixo transcrevo, relacionado com a leitura nas escolas secundárias. Continuamos em França.

O prémio Goncourt des Lycéens (...) é um prémio literário organizado em França por uma cadeia de livrarias e pelo Ministério da Educação, criado em 1988 pelo liceu de Rennes e com o selo da Academia de Goncourt. O que significa que, desde essa data, cerca de 18 mil estudantes do secundário, entre os 15 e os 18 anos, apoiados por uma associação de professores (...) leram (e votaram) 220 livros (já agora, isso corresponde a cerca de 40 mil exemplares distribuídos pelas escolas e efetivamente lidos).

Segue-se a indicação dos laureados e o autor termina com duas perguntas:

Portanto, eu perguntava-me: quantos livros leem os jovens nas escolas secundárias portuguesas por ano? Quantos livros leem os professores de Português por ano? FJV

Exemplos a seguir? Talvez, se bem que adaptados às necessidades do ensino e a alguma reforma curricular, não esquecendo os clássicos, os nossos e os da cultura greco-latina que nos serve de modelo e, já agora, autores de outras latitudes que nos enriquecem.

Mas, aqui para nós, tenho reparado que nem sempre os nossos rebentos seguem pela vida exultando-se na presença de um livro. Por vezes, colocamos alguma pressão, querendo impor os nossos gostos o que faz com que achemos que eles não lêem o que deveriam ler. Eu já aprendi a relativizar e a aceitar que cada um lê de conformidade com os seus interesses e que todas as leituras são leituras. Esquisito isto? É a vida! :)


===

*l'étude - Université de Stavanger en Norvège, octobre 2015 
dans Maxi - Nº 1692 du 1er au 7 avril 2019 ( Article pg.34 "Tout le monde aime des histoires - Comment partager votre passion avec les enfants?")

Revista LER ( inverno 2017-2018)- Carta do editor - pg 3