terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Eu queria ser Poeta



Para fazer um mar de Poesia

E comparar tua beleza 

com a natureza

Nem mar nem lua cheia

nem sol brilhante 

nem noite serena

se comparam 

à formosura 

do teu corpo
...


Paulino Vieira diz-nos isto, e muito mais, 
nesta linda Morna. 
Desejo-vos um ANO NOVO,
pleno de esperança.



BOM ANO DE 2021

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Meus amigos, como vêem, os que já aqui estiveram, acrescentei um belo Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, autora que todos nós admiramos.

Muito grata pela companhia e belos comentários, aqui, no Xaile de Seda.

Abraços.


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Imagem: daqui

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Hino de Amor




Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
A dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!
in :'Antologia Poética'

João de Deus,  o poeta que cresci a ouvir, de tal modo que me admiro de não o ter trazido ao "Xaile de Seda", há mais tempo.  A verdade é que este e outros poemas de autores do Sec. XIX fazem parte do meu imaginário. E a sua cadência ainda me soa aos ouvidos, recordando-me a voz da minha Mãe.
Talvez por este Natal ser tão diferente - num tempo em que tudo parece em desequilíbrio - eu sinta uma certa propensão para lembrar momentos da minha infância, recriando intimamente 
esse ambiente familiar.





AVÉ MARIA!
Amira Willighagen




A TODOS UM BOM NATAL!


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Poema - Citador
João de Deus de Nogueira Ramos (1830 -1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico e pedagogo, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens. Foi considerado o poeta do amor e encontra-se sepultado no Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa...aqui

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

"XI Interação Fraterna de Natal - Tema: Alegria na Simplicidade do Natal"




Prelúdio de Natal

Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas

Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas

a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas

A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas



David de Jesus Mourão-Ferreira, (1927-1996) foi um escritor e poeta português. Tem uma biblioteca com o seu nome em Lisboa no Parque das Nações.
 

Tal como no ano passado, participo da bela iniciativa da Amiga Rosélia, a  Confraternização natalícia que reúne vários amigos bloggers.

E é de Alegria que se trata perante as coisas simples da vida, como tudo o que deve envolver o Natal. No "Prelúdio de Natal" de David Mourão-Ferreira nos preparamos para receber e perceber a beleza da tradição, dos cheiros e dos afectos.

O símbolo que a nossa amiga enviou, a poinsétia, a chamada Flor de Natal, entre outras designações, lembrou-me que num Natal dediquei-lhe uma publicação transcrevendo a lenda que lhe é dedicada. Se quiserem lê-la procurem-na aqui. :)





BOM NATAL A TODOS.


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Poema: Citador

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

"a paixão grega"

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

in: A faca não Corta o Fogo


Herberto Helder de Oliveira (1930 – 2015) foi um poeta português, considerado por alguns o "maior poeta português da segunda metade do século XX" e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa. aqui



Imagine all the people
Living life in peace

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Poema - daqui

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Inamovível Pedra





Evoco a inamovível pedra
Onde me sento e deponho meus silêncios
Pórtico e palco de esperas longas
E festivas chegadas.

E apaziguo meus demónios
E limpo minhas culpas
E sacudo poeiras
E as cinzas
E o estertor
Dos mitos.

E me celebro, pedra
Agora ara e vara do tempo.

E mergulho. Matriciais águas
E desfile de rostos. Que um a um nomeio.
E digo. Em murmúrio de lábios.

E em meus passos me ergo.
E lavro - linhas de meu rosto!...
E fecundo. Horizonte
De meus dias
Peregrinos.


in: Perfil dos Dias
pg.75


Um dos mais belos e emocionantes Poemas de Manuel Veiga, no Perfil dos Dias, "Livro sem Máscara e sem Mácula", no dizer de Isabel Mendes Ferreira. Encontra-se dividido em três secções: 

Solfejo de Emoções, p. 15/60

Da Inocência das Coisas, p. 63/78

Da Caligrafia do Mundo, p. 81/117

Por ele caminhamos sem pressa mas querendo avançar, na ânsia de passar ao Poema seguinte, adivinhando todo um mundo de sentimentos e emoções com que nos identificamos. 


Pedra Filosofal
António Gedeão/ Manuel Freire
Menina dos olhos de água
Pedro Barroso


Boas leituras nestes dias de confinamentos vários.

Saúde!

Abraço


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 Imagem: daqui