sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Se um dia...


Se um dia
Dos teus lábios suaves
O sorriso lentamente se apagasse,
E a tua voz que me afaga
Morresse silenciosa
Qual voo de um pássaro
No horizonte
Se de teus olhos amêndoa
Nascesse uma só lágrima
De tristeza
Rolando em teu rosto
De menino de savana
A revolta contida em meus braços
Apunhalaria
O mais profundo das entranhas
Do racismo mascarado
E da sua morte
Nasceria uma flor
Em madrugada de sereno
Que tuas mãos colheriam
No gesto simples
De me acarinhares.

De volta à Literatura Guineense:
Este autor pertence ao grupo de jovens que apareceu entre os anos 70 e finais de 1980, incluindo-se nos mais representativos com António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Helder Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá. 
Segundo Filomena Embaló, que temos vindo a citar, a questão da identidade é abordada através de diversas situações: a humilhação do colonizado, a alienação ou assimilação e a necessidade de afirmação da identidade nacional.




Agnelo Regalla nasceu em Campeane (Tombali), na Guiné-Bissau, a 9 de julho de 1952. Formou-se em jornalismo no Centro de Formação de Jornalistas em França. Fundou e dirigiu a Radiodifusão Nacional na Guiné-Bissau de 1974 a 1977 e em 1996, fundou a Rádio Bombolom FM. Desempenhou vários cargos públicos entre 1987 e 2018. Foi um dos fundadores da Associação de Escritores da Guiné-Bissau em 10 de outubro de 2013.
Não editou nenhuma obra individualmente, mas os seus textos foram publicados em diversas antologias. Ver mais aqui


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Veja posts, desta série, sobre:

Amílcar Cabral
Vasco Cabral
António Baticã Ferreira
Poema : daqui
Antologia Poética da Guiné-Bissau
Editorial Inquérito, 1990
Imagem: aqui

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Janela para Oriente

Tenho uma janela amarela virada para Oriente. Docemente e sem assombro. Todos os dias me sento defronte dela para a olhar. E o vento que a bate faz-me um incêndio para escrever, desce devagar a rampa por onde vou saltar. Minha e sem fim esta natureza fresca dos seus vidros, a luz que por ela é uma magia tão puríssima. Tenho a janela num quarto que amo, unido com o sangue verde do vale que dela eu vejo, dos livros fechados em seus destinos, dos jornais aos montes e sem notícias. O ar deste quarto está de sorrisos e de surpresas, de desgostos que irão viver, cheio de lugares que ainda não sou. Oiço músicas dentro dele, caladas e brancas de repente, oiço cores incessantes e um poeta que pressinto esteja a morrer. Leio as palavras que o são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas. E a morte é um murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer. Um sibilar envenenado e arrepiante, um voar rasante e precipitante. A morte desenha-lhe as mãos que daqui posso ver a tremerem. E, por isso, fica o quarto mais cinzento, mais frio, severo como a pedra de um deus.
É directo e dói o poeta, dói como um peregrino que amanhece sem dormir.

Eduardo White -Janela para Oriente - (excertos) - Caminho






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Disse atrás que iria falar, por estes dias, da Literatura da Guiné Bissau, não é verdade?

Contudo, eis-me aqui com este excerto do livro de Eduardo C. White, Janela para Oriente...

Impressiona-me a saudade que perpassa na sua escrita. E a inspiração no espaço confinado de um quarto, um ar de sorrisos e surpresas e de lugares que nunca serão. E músicas e tantas outras coisas que invadem o poeta como peregrino na transmutação de um mundo que fica cinzento e frio. 

É directo e dói...


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Escritor moçambicano, Eduardo Costley White nasceu em Quelimane (Moçambique), 1963-2014. 

Integrou um grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana. Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante. aqui
Em 2001, Eduardo White foi considerado a figura literária do ano em Moçambique, e três anos depois recebeu o Prémio José Craveirinha, atribuído pela AEMO ao seu livro O Manual das Mãos. Em 1992, já recebera o Prémio Nacional de Poesia por Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave.
aqui

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1999 - Janela para Oriente, Ed. Caminho

Excerto retirado de: lugares mal situados - os meus agradecimentos
http://lusofonia.x10.mx/white.htm

Ver aqui mais livros deste autor

domingo, 23 de fevereiro de 2020

A Fonte


                      I 
Eis-me perto da Fonte, muito perto.
Vejo brotar a água,
Uma água clara e límpida,
Boa, amável!

Eis a Fonte:
Fica perto de Badiopor. 
Junto dela nasci:
Eis a Fonte da minha infância.

Sim, eu amo essa Fonte,
Admiro-a,
Brinco,
Eu e meus irmãos, à sua beira.

Fica, fica perto de Badiopor, 
Desse lugar quase sagrado, 
Desse lugar ensombrado;
Badiopor, fonte de nossas almas.

A sua água nos atrai, 
E acarinha-nos. 
Vemo-la noite e dia;

E a Fonte que está mais perto.

Olha: a água a brotar da nascente, 
Como de fonte, 
Como um regato!

(Sim, parece-se mais com um regato.)

                         II

Mais pequena ainda que a Fonte, 
É a nascente onde tudo vem beber. 
A nascente, nossos pais, amamo-la. 
Nossa.

A nascente é fonte das árvores e das folhas.
Olhamos a nascente, o ribeiro,
Manancial de nossos pais.

É verdade:

Esta Fonte é mui antiga,

Nascente da Tradição, 
Fonte da Historia; eis 
O manancial do Reino, 
Tão perto de Badiopor!

Bem me lembro:
Há muito que ela se conserva no mesmo lugar, 
Manando água cristalina. 
Eis, eis a Fonte do Reino.

Ela protege-nos, 
Ela é a alma das crianças;
Fonte do Reino, força nossa, 
Ela é a nossa protectora.

As chaves do Reino onde estão?

Nessa Fonte,
Onde meus irmãos e eu vemos às vezes monstros
E trememos então de medo,
Ou choramos.

(Nós, filhos do Reino, 

Nos, príncipes desse seu Reino.)


                          III

É verdade, como príncipes, 
De tudo cantamos,

Nos, príncipes de Baboque 
Bem amados, 
Pelo sangue 
Oriundos daquele Rei,

Daquele que é Rei dos Reis;
Nos que vimos do seu Reino,
De todos o mais poderoso e vasto,
Como o Reino de Baçarel.

(E Baçarel é um grande Reino, 
Onde príncipes vêm a luz;
Baçarel, terra bem nobre, 
Seu lugar de nascimento.)


(Publicado: in Poesia & ficção, 1972)


Publicar ou não o poema na íntegra? Como vêem, optei por publicá-lo na totalidade. Se o não fizesse não conseguiríamos ver tudo o que autor pretende dizer, tanto no seu regresso às raízes como na importância que a sua cultura concede à parte telúrica da vida. Além do mais, este poeta insere-se na fase denominada de "Poesia de Combate", de 1945 a 1970, que referi num post mais atrás. Uma forma de combater: lembrando o quanto perdemos quando se esquecem os valores que enformam as nossas tradições mais caras, e das quais depende a sobrevivência de um povo.





Nota biográfica:

António Baticã Ferreira nasceu em Canchungo, em 1939. Filho de um soba (chefe de tribo em África, também denominado régulo), estudou em vários países, formando-se em medicina e tendo exercido a profissão no Hospital Santa Maria, em Lisboa. Não publicou nenhum livro, mas, segundo a sua família, tem muitos poemas inéditos. Os “Cadernos da Sociedade de Língua Portuguesa - Poesia e ficção I”, de 1972, pp. 15-21, publicaram sete poemas seus, seis deles reproduzidos em “No reino de Caliban” (1989) e também já tinha aparecido em “Poilão - Caderno de Poesias” (1973). Segundo Secco (1999: 214), «por ter vivido fora da Guiné, passa em seus versos a angústia do exílio. Canta a saudade da infância na Guiné e o mar, ...., apesar de pouco recorrente» (Couto e Embaló, 2010:108). aqui


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Daqui vos saúdo, regressando à actividade do blog na companhia de mais um poeta guineense.

Mas voltarei com outros apontamentos.

Bom domingo.

Abraços.


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Poema: in No Reino do Caliban, Manuel Ferreira - pg 324/325
Nota: Quando me refiro à Literatura guineense, leia-se p.f., Literatura da Guiné Bissau.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Soneto do Amor Total



Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.


Vinicius de Moraes, 

in 'O Operário em Construção'







Chegamos ao fim da Quinzena do Amor, deste ano. 
Em jeito de despedida desta série, trouxe o soneto de Vinicius de Moraes intitulado, Soneto do Amor Total, como que a reafirmar todos os poemas e textos que publicámos.

Que o amor seja vivido como uma festa entre risos, harmonia e cumplicidade.

Agradeço a todos os que por aqui passaram.

Bom fim de semana.

Abraços.

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Entretanto, meus amigos, estarei ausente por alguns dias.
Desejo-vos dias felizes.

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Poema: Citador
Imagem: aqui

Quinzena do amor


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Vieira da Silva e Arpad Szenes - uma história de amor





Ele nascido na Hungria, descobre muito cedo a sua aptidão para o desenho. Estabelece-se em Paris depois de ter percorrido todas as capitais artísticas europeias. Ela nascida em Portugal, desde criança interessada pela magia das artes. Viajaria para Paris para estudar escultura e pintura.

Maria Helena saía todas as tardes, em longos passeios pela cidade, em busca dos pintores antigos, dos modernos, pelas galerias  e pelos museus, de Cézanne e de novas formas de configurar o mundo. Descobre que só naquele conjunto de luz e sombras encontraria a inspiração que procurava.




Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva encontram-se na bela Paris em 1928, quando ainda procuravam desvendar as linhas da pintura e da escultura da Academia Ranson. Ele em guaches e têmperas, exploração de ambientes e sensações de luz. Ela, urbana, explorando a profundidade do espaço e a angústia da guerra.

Casam-se em 1929. Arpad abdicaria das suas próprias ambições para se dedicar a Helena, à mulher vulnerável e melancólica, a precisar de apoio e de certezas para a confiança no seu génio, como ele chegaria a dizer. Ela retribuiria pintando retratos que encheriam as paredes de casa. Leva-a a viajar, para espaços inspiradores aos seus olhos de artista, revela-lhe os mistérios da Hungria e Pensilvânia. Ela, recordando Sintra na assimetria das suas duas colinas.

Em Paris trabalhavam, incansáveis e apaixonados, deixando que o espírito lhes guiasse as mãos e os pincéis. Em 1933 acontece a primeira exposição de pintura de Vieira da Silva. A vida continua a mesma, com os dois a abraçar-se e a pintar-se no silêncio da sua casa feita atelier, e a frequentar as reuniões no Café Raspail, do pequeno mundo intelectual "Amis du Monde".




O eclodir da guerra, 1939, veio alterar as suas vidas. Arpad era judeu húngaro e apátrida. Aceita de Maria Helena a ideia de um refúgio em Lisboa. Maria Helena tenta recuperar a nacionalidade portuguesa, perdida aquando do seu casamento. Chantageada pelo regime, só lha dariam se se divorciasse de Arpad tido como um perigoso comunista.

Les deux amoureux, artistas pintores sem nacionalidade, partem para o Brasil, onde estiveram exilados durante sete anos. Solidão, sentimento de orfandade e condições precárias. Arpad cedo apercebe-se de que não conseguiriam sobreviver somente com a venda dos quadros. E ele começa a aceitar pintura de retratos e a dar aulas. Ela dedica-se à pintura decorativa de objectos.

Em 1947, dois anos depois do fim da guerra regressam a Paris onde vivem até ao fim da vida: assim, o trabalho, os passeios, a luz, a calma, a casa, o atelier, as mãos e a tela, o ritmo dos respirares nem mais lento nem acelerado.

As obras de ambos começaram a ser exibidas regularmente nas prestigiosas galerias de Jeanne Bucher e Pierre Loeb. Até 1990, a consagração internacional se afirmou. Já não se preocupavam com as coisas do dia-a-dia - viviam apenas um para o outro e para a sua pintura, privando com um pequeno grupo de pintores, escritores e poetas.




Arpad tornar-se-ia um dos melhores representantes da Escola de Paris dos anos 40. A importância de Vieira da Silva no panorama da arte internacional seria reconhecida unanimemente.

Mas Arpad e Vieira da Silva permaneceriam, na mudez segredada por detrás dos seus quadros, uma história de amor irredutível a galardões e comentários críticos. Viveram lado a lado durante cinquenta e cinco anos.






Meus amigos:

Hoje, Dia dos Namorados, trago a história de amor de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. Sempre quis falar de Vieira da Silva aqui no Xaile. O texto que produzi, a partir do livro abaixo indicado, é apenas um pequeníssimo resumo sobre estes dois artistas. Muito há ainda a dizer sobre a sua vida, o seu desempenho na arte da pintura e inúmeras peripécias por que passaram. Mas com o Amor, sentimento sublime, a acompanhá-los.

Excelente dia de São Valentim vos desejo.



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Texto a partir de "10 histórias de amor em Portugal", de Alexandre Borges
Pags. 76 a 88
Ver: Fundação Arpad-Szenes-Vieira da Silva
Imagem 1 - daqui
Imagem 2 - pintura de Arpad Szenes
Imagem 3 - pintura de Vieira da Silva

Quinzena do amor

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

É por ti que escrevo






É por ti que escrevo que não és musa nem deusa

mas a mulher do meu horizonte

na imperfeição e na incoincidência do dia-a-dia

Por ti desejo o sossego oval

em que possas identificar-te na limpidez de um centro

em que a felicidade se revele como um jardim branco

onde reconheças a dália da tua identidade azul

É porque amo a cálida formosura do teu torso

a latitude pura da tua fronte

o teu olhar de água iluminada

o teu sorriso solar

é porque sem ti não conheceria o girassol do horizonte

nem a túmida integridade do trigo

que eu procuro as palavras fragrantes de um oásis

para a oferenda do meu sangue inquieto

onde pressinto a vermelha trajectória de um sol

que quer resplandecer em largas planícies

sulcado por um tranquilo rio sumptuoso

António Ramos Rosa,

 in 'O Teu Rosto'



Nem musa nem deusa, mas a mulher na imperfeição 
e incoincidência do dia-a-dia


António Vítor Ramos Rosa, (1924-2013), foi um poeta, tradutor e desenhador português.





Desenvolvendo uma importante atividade nos domínios da teorização e da criação poética, o nome de António Ramos Rosa surge ligado a publicações literárias dos anos 50, como Árvore, Cassiopeia ou Cadernos do Meio-Dia, que primaram não só por uma postura de isenção relativamente aos diversos feixes estéticos que atravessam a década de 50 (legado surrealista; evolução da poesia neorrealista, entre outros), como por um critério de respeito pela qualidade estética dos trabalhos literários publicados.

Ler mais aqui



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Poema de: aqui
Imagem de: aqui

Quinzena do amor

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Água pura de teu rosto


                  Corpo seara a que regresso
                                    Corpo-abrigo.
O regresso ao lugar onde fomos 
ou somos felizes.




Água pura de teu rosto
Assim perfeito. Em minhas mãos
Bebido. Em cada beijo
Espada fulva do desejo
Que se derrama como rio.

Planície arada. Qual trigo
Na vibração da brisa.
Corpo seara a que regresso
Corpo-abrigo.

Antigo o canto.
Ardendo. Gota a gota
Em cada espanto.

Manuel Veiga
in: Caligrafia Íntima
pg.8



Manuel Veiga, publicou artigos de opinião na imprensa diária, em especial, no "Diário de Lisboa" e em "O Diário", bem como em revistas periódicas sobre temas de natureza política, económica e social, designadamente, a revista "Economia EC" e a revista "Poder Local". Colabora com a revista "SEARA NOVA" desde meados dos anos oitenta, integrando o respetivo Conselho Redatorial, a partir de 2007. aqui





Obras publicadas:
"Perfil dos Dias" - editora Modocromia, 2019

"Do Amor e da Guerra - Fragmentos", editora Modocromia, 2018. 
"Caligrafia Íntima", Poética Edições, 2017
"Do Esplendor das Coisas Possíveis", Poética Edições, 2016
"Notícias de Babilónia e Outras Metáforas",  editora Modocromia, 2015.

"Poemas Cativos", Poética Editora, 2014.


O BlogRelógio de Pêndulo



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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Sei como nasceu a alegria





Até amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Eugénio de Andrade,

in "Até amanhã" 


Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (1923 - 2005) foi um poeta português. Tem uma biblioteca com o seu nome no Fundão.



Recebeu inúmeras distinções, entre as quais o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários (1986), Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus (1988), Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1989) e Prémio Camões (2001). A 8 de Julho de 1982 foi feito Grande-Oficial da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico e a 4 de Fevereiro de 1989 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito. aqui


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Poema de aqui
Imagem de aqui

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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Só um mundo de amor pode durar a vida inteira


Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. (...)

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. 

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'


O que quero é fazer o elogio do amor puro...

...amor do tamanho do mundo


Miguel Vicente Esteves Cardoso - n. 1955 - é um crítico, escritor e jornalista português.




O que ele diz de si próprio:

Acho que as autobiografias das pessoas deveriam começar pelo presente. Eu sou uma pessoa feliz, apaixonada pela Maria João, com quem vivo há quase 13 anos. Quis ser escritor desde que me lembro de ler — muito depois de ter aprendido a querer — e sou feliz por escrever todos os dias para as pessoas que fazem e lêem o PÚBLICO. Não é fácil escrever todos os dias — mas a obrigação de escrever é boa. Para quem nunca escreveu um diário, é estranha a quantidade de coisas que nos acontecem. E a tristeza e outras qualidades delas que, de resto, jamais mencionaríamos...
Ver mais aqui


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Por favor, leia o Texto, na íntegra: aqui
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