domingo, 29 de março de 2020

Plano Marshall nos nossos dias? A União Europeia que se apresente...

Do descalabro da II Guerra Mundial, 1939-1945, saiu uma Europa trôpega, empobrecida, desiludida. A loucura que a atingira durante esses anos quase que a ia destruindo. A sua reconstrução foi obra de homens de valor que ultrapassaram todos os obstáculos para a efectivar. Aos poucos as pessoas foram levantando a cabeça, tanta mágoa calada no fundo dos corações. 

Um desses actos foi o Plano Marshall proveniente dos Estados Unidos da América que, com um Plano Económico, promoveu a recuperação dos países atingidos e que sofreram perdas com essa guerra, num aporte de 18 bilhões de dólares aos europeus, utilizados para a reconstrução de edificações e indústrias, importação de alimentos e mercadorias industrializadas, bem como no financiamento da agricultura.




O Plano Marshall vigorou de 1947 a 1951, sendo os principais beneficiários a Inglaterra, a Itália, a França e os próprios Estados Unidos que conseguiram criar as instituições de fortalecimento da internacionalização dos capitais na segunda metade do século XX. Também do lado dos EUA houve o desideratum político de conter a URSS e o avanço do poder dos partidos comunistas. Desse período nasceu a guerra fria, de má memória.

Hoje estamos envolvidos numa outra guerra. Temos um inimigo que ataca sem aviso e com armas para as quais ainda não temos qualquer réplica. Ouve-se falar, neste contexto, da aplicação de um plano similar ao Plano Marshall quando esta luta terminar. Mas se a História serve de alguma coisa, é bom que se comece a pensar já na forma de controlar esta outra calamidade que estamos a viver.

Com as pessoas fechadas em casa, as fábricas a laborar a meio gás ou fechadas, o desemprego já a lavrar insidiosamente, trabalhadores em regime de férias forçadas, lay-off em vigor, sem falar das próprias Instituições que vêem as suas receitas em queda livre e com o Estado a ter de prestar assistência em todos os níveis da sociedade, a união dos países da União Europeia, e não só, terá de se fazer presente. E não vale cada um ficar a olhar para o seu próprio umbigo, porque isto terá de ser um por todos e todos por um. Não há escapatória.

Relembremos os episódios que a humanidade teve de vencer. De como quase soçobrara e de como se reerguera. Que os exemplos do passado nos sirvam para analisar o presente e projectar o futuro que todos os dias nos desafia. 

Chamemos os historiadores, especialistas dessa análise tão necessária. Que façam parte da linha da frente, numa interdisciplinaridade desejável e sumamente indispensável. 

Trabalhemos todos para a defesa e manutenção do mundo que conhecemos.




Boa semana, meus amigos.

Abraços.

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sábado, 28 de março de 2020

Eneias e Dido

Mal tinha falado quando de súbito a nuvem que os envolvia se rasga e se dissipa na extensão do éter. Eneias surgiu resplandecente de uma clara luz, com os traços e a majestade de um deus: pois a própria mãe, com o seu sopro divino, dera ao filho uma cabeleira magnifica e o esplendor corado da juventude, e enchera os seus olhos de uma luminosa beleza. Tal o encanto que emprestam ao marfim as mãos do artista, ou o que a prata ou a pedra de Paro recebem do ouro amarelo.

Então ele dirige a palavra à rainha, diante da multidão espantada da sua presença imprevista, diz-lhe: «Ei-lo, aquele que buscas, o troiano Eneias, arrancado às ondas da Líbia. Ó tu, que és a única a apiedar-te das desgraças indizíveis  de Tróia, tu que abres a tua cidade e a tua morada aos restos do furor do Dánaos, extenuados por todos os reveses sofridos sobre a terra e sobre o mar, e destituídos de tudo o que há no mundo, não, não está na nossa mão, Dido, reconhecer dignamente os teus benefícios, nem tão-pouco na mão do que resta da nação dardânia, dispersa sobre a vasta terra. Que os deuses, se existem favoráveis à piedade, se a justiça e o amor do bem têm algures a sua paga, te proporcionem as riquezas de que és digna. Que séculos afortunados te viram nascer? Que pais ilustres deram à luz uma princesa como tu? Enquanto os rios correrem para o mar, enquanto as sombras das florestas cobrirem os flancos das montanhas, enquanto o céu alimentar as constelações, a tua glória, o teu nome e os teus louvores permanecerão sem cessar entre nós, seja aonde for que o destino me chame.» Tendo dito, ele estende a mão direita a Ilioneu, seu amigo, a esquerda a Seresto, em seguida aos outros, ao valente Gias, ao valente Cloanto.

A ENEIDA, Virgílio, - pgs 25/26





Do Século I a.C convoco Virgílio com a sua obra A Eneida, para preencher as minhas horas de ócio. Que o ócio não é coisa pouca. Em sua defesa diz-se que se trata de momentos de criação e reflexão. Uma forma de estar. Postura filosófica. E é com este espírito filosófico que deveremos percorrer os livros das nossas estantes à procura deste ou daquele que, em dado momento, poderá levar-nos a viajar para tempos outros.
E connosco as personagens, apresentadas num ritmo poético e grandiloquente no qual entrevemos intrigas, batalhas, heróis, deuses. Mitologia pródiga que disponibiliza um deus para cada circunstância.

Bem precisados estamos agora... 



Bom fim-de-semana, amigos.

Abraços

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Imagem: Eneias abandonando Dido - net

quarta-feira, 25 de março de 2020

Sentimentos e emoções em tempos de ... confinamento


Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?

Agustina Bessa-Luís






Um destes dias ouvi alguém, na rádio, discorrer sobre reciclagem de sentimentos.  Não ouvi toda a exposição pelo que não a sei reproduzir na íntegra. No essencial percebi a mensagem. A necessidade de revermos a nossa postura perante a vida e o nosso relacionamento com o outro. A pressa com que vivemos o dia-a-dia, a sobrevalorização de pequenas coisas que nos assoberbam, deixando para depois o mais importante e, acima de tudo, a reflexão necessária.

Estamos a viver em espaços confinados, todos juntos vinte e quatro sobre vinte e quatro horas e há que encarar isso no seu aspecto mais positivo. Sabemos que o confinamento pode levar-nos a situações de nervosismo, falta de paciência, um certo egoísmo em relação àqueles que nos rodeiam. Isso não quer dizer que, também, sentimentos de compreensão e harmonia não estejam nos nossos corações. Mas o nosso lado lunar aborda-nos, especialmente, em momentos de provação.

Por uma associação de ideias, tem-me visitado nos últimos dias o título de um livro de Gabriel García Marquez, O amor nos tempos de cólera. Nunca o li, não sei se o tema trata de cólera-doença, se de cólera-sentimento ou emoção. Seja qual for a sua vertente penso que se ajusta ao momento que atravessamos. Qualquer que seja a circunstância, cataclismo ou pandemia, o amor e a tolerância terão de sobreviver para que nós próprios possamos passar à fase seguinte. É um desafio que se nos coloca a nível físico e psicológico, que não dá tempo para nos prepararmos e sopesar os prós e os contras. O importante é que temos grande capacidade de adaptação e, ainda mais, de renovação e de inovação. Em ocasiões difíceis e de carência somos capazes de arranjar soluções, de dar um salto qualitativo, para a frente.

Temos notícias de laboratórios por todo o mundo a trabalhar afincadamente à procura de uma vacina que contenha este vírus; Contactos e mais contactos de conhecidos e desconhecidos no sentido de se providenciarem máscaras, luvas, ventiladores. Empresas que voltam a sua atenção para o fabrico desse material de suporte indispensável. Voluntários preocupados com os idosos, batendo-lhes à porta para saberem das suas necessidades. Pessoas oferecendo a profissionais de saúde kits de sobrevivência, num sinal de solidariedade e de muita ternura. Esses profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares, são os mais isolados e sacrificados de todos, sem poderem voltar para as famílias, enquanto durar a pandemia, sujeitos mais do que ninguém, ao contágio.

E que dizer das formiguinhas laboriosas que velam para que possamos ter água, luz, comida? Basta um telefonema e vêm a casa trazer-nos o necessário, dos supermercados, dos restaurantes. E as farmácias que continuam... E as transportadoras que nos trazem tudo e mais alguma coisa e, dentre elas, os imprescindíveis camionistas que atravessam fronteiras, e os padeiros...e o nosso lixo que é recolhido, nem sabemos a que horas. Tudo gente que corre grande risco, mas que continua porque a vida não pode parar.





Dos nossos sofás lamentamos o espaço exíguo, as limitações, a caminhada que não fazíamos mas agora apetecível, a ida ao café, ao restaurante, enfim ... aproveitemos este tempo para que seja um tempo de reflexão. 

O apelo é: "Fique em casa". E os sem-abrigo?

Boa quarta-feira, meus amigos.

Abraços.


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Projecto Radar

Imagem: aqui 

Citação de Agustina Bessa-Luis - Citador

segunda-feira, 23 de março de 2020

A Mesma Centelha


Somos o verso e o reverso do mesmo acto da Criação. 
Somos a outra face da mesma partícula original, dizes-me. 




Predestinados estamos desde o princípio dos tempos, quando tudo era informe e indefinido. Quando o universo ainda se moldava, as águas tudo envolviam e o magma se separava. Dois pontos luminosos na crista de ondas espumosas, hesitantes, antes do eclodir de seres unicelulares.

Iniciámos assim o percurso, separados embora. Nós, as duas partes que se completariam. De culturas milenares absorvemos a semente, a flor e o fruto. Dos passos do Homem registámos os triunfos e as quedas. Passámos por fomes e guerras, fomos heróis e anti-heróis, reis e mendigos. Defendemos causas perdidas e perdemo-nos em espessas brumas. 

Eis-nos aqui, perplexos. No olhar o reconhecimento de que o momento é de reunião, atraídos pela mágica poção que embriaga os dias passados, presentes e futuros. Tão puros como no primeiro instante. No gesto naïf a pureza de cristal de um tempo ainda não vivido.

Como num sonho anuncia-se um mundo povoado 
de todas as possibilidades e circunstâncias, livre de amarras. 
O fim desta caminhada de séculos. 
Ou o princípio de tudo.  

Dizes: 
Sempre te procurei, sempre te esperei. 
És aquela que me completa.

E digo

Somos as duas partes da mesma centelha. 





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Imagem: daqui

sexta-feira, 20 de março de 2020

Vão de infinitos/Preça d'anfenitos

E as varandas, que nos abrem uma 
fresta para a vida, requerem aqui a palavra poética de 
Teresa Subtil


Vão de infinitos

É a varanda de grades da cor do tempo
que me leva em breve enleio e receio de entardecer.
É na varanda solta no descampado do olhar
que me debruço e me encontro na árvore onde me fiz

É o toque na parreira de pele retesada
e rasgada que me diz da erupção que sentia
e das escadas que subia e descia,
querendo entender-me no emaranhado da vida.

Era em vão de infinitos que a varanda se espraiava.
E eu, debruçada, a sentir-me nada, não cabia em mim.
E eu, num chão de inquietudes a agigantar-me
para as dúvidas que nunca resolvi.

Aninhada em ti,
parecia que a aldeia ao longe era igual à minha,
embora a raia nos falasse de outra língua
e de outro país. Na minha varanda percebia a raia
e adivinhava que nem a vinha, nem a aldeia que avistava,
encobriam o reboliço do rio
que bem fundo cavava o fragaredo.
Nem eu nem o rio conhecíamos limites
e apesar do aperto e da inquietude,
saltávamos e corríamos
na pressa dum tempo a descobrir.





E também na doce língua mirandesa. Debrucemo-nos e, juntamente com o rio, saltemos e corramos na pressa de um tempo a descobrir, através da nossa imaginação


Preça d'anfenitos

Ye la baranda de grades de la quedor de l tiempo
que me lhieba an brebe anleio i arrecelo d'entardecer.
Ye na baranda suolta ne l çcampado de l mirar
que m'astribo i m'antronco n'arble adonde me fiç.

Y l toque na parreia de piel retesada
i resgada que me diç de l manantial que sentie
i de las scaleiras que chubie i abaixaba,
querendo antender-me ne l eimaranhado de la bida.

Era an preça d'anfenitos que la baranda se spraiaba.
I you, debruçada, a sentir-me nada, num cabie an mi.
I you, nun suolo d'anquietudes a agigantar-me
pa las dúbedas que nunca resolbi.

Arrimada a ti,
parecie que l'aldé al loinge era eigual a la mie,
anque la raia mos falasse d'outra lhéngua
e d'outro paiç. Na mie baranda percebie la raia
i çcunfiaba que nien la binha, nien l'aldé q'abistaba,
tapában l reboliço de l riu
que bien fondo scababa l fragaredo.
Nien you nien l riu coinciemos lhemites
i indas que l aperto i l'anquietude,
saltábamos i corríemos
na priessa d'un tiempo a çcubrir.








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Poema: Teresa Subtil - Rio de Infinitos/Riu d'Anfenitos - pgs 14/15
Post anterior:
As varandas - nossas aliadas
Imagem: pixabay

quarta-feira, 18 de março de 2020

As varandas - nossas aliadas



No Verão costumo aparecer com apontamentos sobre vida saudável. Já falei sobre ginástica, iodo e não sei que mais. Se já estivéssemos nessa estação falaria da vitamina D, a tal que é conhecida como a Vitamina do Sol. Mas, hoje, mais do que nunca devemos ter presente essa vitamina que recebemos através dos raios solares. E dizem os especialistas que bastará todos os dias, durante 10 ou 15 minutos, recebê-los no rosto, no peito, nas mãos, por volta do meio-dia ou um pouco mais tarde, para termos as nossas reservas garantidas.

Agora que estamos impossibilitados, pelo isolamento social ou quarentena, de apanhar sol na praia, parques ou jardins, como fazer? É aqui que as nossas varandas têm uma utilidade que nem sempre lhe reconhecemos. Sabemos que somos um povo virado sobre si próprio (mais nas cidades) que se isola voluntariamente com cortinas nas janelas, gradeamento nas portas, e, mais ainda, varandas fechadas dando-lhes um uso diferente daquele para que foram construídas.

Por força das circunstâncias elas agora estão a ter o seu momento áureo, como veículo de comunicação, lembrando-nos que somos mais do que seres virtuais. Na Itália, serviram para lançar uma voz uníssona de rebeldia contra o vírus. Cá em Portugal, num acto espontâneo para com os profissionais da saúde serviram de plateia (ou palco?) donde soaram palmas de solidariedade e incentivo.




Também nós deveríamos livrá-las do seu isolamento e aproveitá-las para receber o astro rei em toda a sua glória, trazendo-nos a energia de que carecemos. Durante os nossos exercícios, alongamentos, passos para aqui, passos para lá... 

E, meus amigos, sirvamo-nos delas como esplanadas. Se fizerem um cafezinho, um chá, uma limonada fresca, desfrutem desses momentos com alguma música, ali na varanda, recebendo a aragem que passa.

Tal como a amiga Teresa Subtil, momento para ouvirmos Pedro Barroso, falecido há dois dias:



Boa quarta-feira.

Abraços.


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Imagens: daqui

terça-feira, 17 de março de 2020

Agora nós - alongamentos, pequenos exercícios e...




Experimentemos estes exercícios. São fáceis e qualquer pessoa pode fazê-los. O nosso corpo precisa de movimento. Onde quer que estejamos há sempre um exercício que poderemos fazer. Então, nestes dias de isolamento é motivo mais do que suficiente. 

Além disso, há aquele picô que está à espera de ser feito, o bordado de que já não se fala há muito tempo, consertos de coisas que se vão arrastando, a história que se encontra dentro de nós com vontade sair, ou notas do dia a dia. Aproveitemos esse tempo da melhor maneira...

E sempre, nos momentos mais quietos, a leitura. Leiamos em voz alta ou a média voz, sempre que possível. Teremos o prazer de exercitá-la e, também, de dizer e saborear as palavras:

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies

E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

É o nosso Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos, o homem das sensações e os seus deliciosos exageros. Caminhemos com ele. "Nem tudo é dias de sol", mas poderemos remediar isso...


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Poema: daqui 

XXI - Se eu pudesse trincar a terra toda

segunda-feira, 16 de março de 2020

Entreter os mais novos - 2





Os três amiguinhos

-continuação-

O sapinho e o cachorrinho continuaram a andar cantando. Finalmente chegaram. Era um lugar maravilhoso! Havia uma cascata de água bem branquinha. O sapo e o cachorrinho meteram-se debaixo da água, deliciados. Mas se havia coisa de que o gatinho não gostava era de água… E aquela cascata certamente era fria.
“Vem!” – Gritou o sapinho.
“Vem!” – Gritou o cachorrinho.

O gatinho entretanto, continuava a olhar para a água , horrorizado.
“Não, não ! Não posso!…Tenho medo!…A água faz-me mal!…”

E o gato todo assustado, procurava afastar-se da cascata. O cachorrinho e sapinho então resolveram que obrigariam o gatinho a tomar banho. E assim terminariam com a história de que gato não gosta de água. E se assim combinaram, melhor o fizeram. Logo que viram o gatinho distraído, deram uma corrida e zás empurraram-no para a cascata

O susto do gato foi tão grande que ele ficou sem voz. Pulava e esperneava debaixo da água e quando conseguiu livrar-se dos companheiros saiu disparado como um doido….

A princípio o sapinho e o cachorrinho acharam graça, e divertiram-se com o susto do amigo. Quando ao fim do dia foram para casa o gatinho estava tão cansado que mal podia caminhar. Foi-se logo deitar na caminha de folhas secas. Tremia e espirrava que até fazia dó.

O sapo e o cachorrinho tiveram pena dele. Ficaram preocupados e faziam tudo para aquecer o amigo. O sapinho juntava folhinhas para lhe amaciar a cama, enquanto o cachorrinho lhe esfregava o corpo, para o aquecer. O gatinho ficou em casa alguns dias, com febre. Os seus amigos nem tinham vontade de brincar. Estavam muito tristes.

Quando o gatinho melhorou e sorriu para eles, o sapinho e o cachorrinho respiraram aliviados. O gatinho não lhes queria mal! Não estava zangado com eles! Envergonhados com o que tinham feito, resolveram que daquele dia em diante, teriam mais cuidado com as brincadeiras.
E assim o sapinho e o cachorrinho continuaram a ser os melhores amigos do gatinho. 


daqui

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Reconhecendo que não é tarefa fácil tomar conta de crianças em espaços fechados e confinados, agora obrigatórios, deixo aqui o meu contributo e a minha solidariedade.

Boa segunda-feira, meus amigos.

Abraços


Entreter os mais novos




Estão a ver do que se trata, não é verdade? Trabalho manual para crianças. Daqui deduzo qual seja um dos materiais. Rolos de papel higiénico reutilizados. Quanto ao resto penso que haverá sempre em qualquer casa. De modo que agora é pôr a imaginação a trabalhar e dar que fazer aos mais novos.

E um conto: 

Os três amiguinhos

No fundo de uma floresta, viviam um sapinho e um cachorrinho. Apesar de serem tão diferentes, eram muito amigos.

Certo dia, andavam eles a brincar, quando encontraram um bichinho todo enroscado, muito encolhido à sombra de uma árvore.

“É um tigre” — disse o sapo, meio assustado.

Mas o cachorrinho logo explicou: “Não, é um gatinho.” E realmente era um gatinho de pêlo amarelo com manchas escuras que se parecia com as ondinhas de uma onça. Você quer brincar connosco?” – perguntou o sapinho. O gatinho miou amigavelmente. Estava muito só e não tinha com quem brincar; por isso aceitou logo o convite que lhe faziam

Daquele dia em diante, andavam sempre juntos pela floresta, brincando, passeando ou procurando o que comer. Onde estava um por certo estavam os outros.

Certa manhã quando acordaram, o cachorrinho disse:
“Vamos fazer uma excursão?”
“Boa ideia” – respondeu logo o sapinho.

Mas o gatinho, perguntou muito admirado: “Excursão? O que é isso?”
“Ora, excursão é o mesmo que passeio, um grande passeio” – explicou o sapinho, todo importante e continuou sorrindo. Gatinho nada disse, e embora não lhe agradasse tal passeio ,um grande passeio levantou-se logo e partiu com os amigos.

Caminharam….caminharam….caminharam. O Sapinho e o cachorrinho divertiram-se a valer. Pulavam, atravessavam caminhos, subiam montes …. Mas o gatinho não estava a gostar nada de nada e perguntava se o lugar do piquenique estava próximo e os amigos riam e respondiam:
“É logo ali. Não demora… Daqui a pouco chegaremos lá.”

O Gatinho já estava cansado de andar sempre atrás dos outros. Para descansar um pouco, parava para tirar areia dos pêlos ou para arrumar a trouxa do lanche.
Quando chegaram ao alto de uma montanha, perguntou feliz , pensando que iriam parar:
“É aqui, não?”
“Não, é um pouquinho mais adiante” — disse-lhe o sapo.

Amigo sapo para colorir

Continua e... termina no próximo post...

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Imagem - daqui
Conto - daqui

"Despacito" - mexer os músculos é a palavra de ordem




Qualquer que seja o espaço em casa, o importante é mexer-nos. Tomemos isso como um hábito diário. Todos: pais, filhos, avós. Se alguns de nós temos de estar fechados em casa, por auto-isolamento social ou quarentena, é extremamente necessário o exercício físico. Descontrai e faz bem à saúde física e psicológica. Mas também a leitura é essencial...

De Clarice Lispector, este poema:

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.


Boa segunda-feira.

Abraços

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Poema: daqui

domingo, 15 de março de 2020

Milagres





Ora, quem acha que um milagre é alguma coisa de especial?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres:
ou ande eu pelas ruas de Manhattan,
ou erga a vista sobre os telhados
na direcção do céu,
ou pise com os pés descalços
bem na franja das águas pela praia,
ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo,
ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem
/amo,
ou à mesa tome assento para jantar com os outros,
ou olhe os desconhecidos na carruagem
de frente para mim,
ou siga as abelhas atarefadas
junto à colmeia antes do meio-dia de verão
ou animais pastando na campina
ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar,
ou a maravilha de um pôr-de-sol
ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes,
ou o estranho contorno delicado e leve
da lua nova na primavera,
essas e outras coisas, uma e todas
— para mim são milagres,
umas ligadas às outras
ainda que cada uma bem distinta
e no seu próprio lugar.

Cada momento de luz ou de treva
é para mim um milagre,
milagre cada polegada cúbica de espaço,
cada metro quadrado da superfície da terra
por milagre se estende, cada pé
do interior está apinhado de milagres.

O mar é para mim um milagre sem fim:
os peixes nadando, as pedras,
o movimento das ondas,
os navios que vão com homens dentro
— existirão milagres mais estranhos?

Walt Whitman

in "Leaves of Grass"


Milagres de cada dia, coisas simples da vida para as quais olhamos com naturalidade e que consideramos como garantidas. 

Hoje, com as limitações impostas pela pandemia, ficamos perplexos perante a impossibilidade de estarmos com os nossos familiares e amigos; de nos sentarmos num café ou restaurante, de fazermos as nossas compras, de vermos um espectáculo, de irmos para a praia ou tão-só contemplarmos o mar, sem restrições.

A natureza continua a bafejar-nos com dias de Sol maravilhoso. Que isso nos sirva de consolo e nos traga belos pensamentos no sentido de conseguirmos, no nosso isolamento, ultrapassar as dificuldades.

Nestas horas difíceis há que ter calma e discernimento. Tenhamos em mente que todos os outros dependem de nós.

Boa semana, meus amigos.

Abraços


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Poema - Citador
Também já publicado no Xaile, noutra ocasião. 
Imagem - daqui

quinta-feira, 12 de março de 2020

Boris Vian - um polímata




Centenário do seu nascimento

Boris Paul Vian (10 de Março de 1920 — 23 de Junho de 1959), 
Engenheiro, escritor, Poeta, Tradutor e cantautor francês, identificado com o movimento surrealista e ao anarquismo enquanto filosofia política. Hoje em dia é sobretudo lembrado pelos seus romances e canções. O Seu estilo caracterizou-se por ser altamente individual, com numerosas palavras inventadas e enredos surrealistas passados sempre num universo muito próprio do autor. Como exemplo, o seu romance Outono em Pequim não se passa nem no Outono nem em Pequim!


Para além da sua veia literária, Vian foi também um membro muito influente no Jazz francês, servido de elemento de ligação em Paris de Hoagy Carmichael, Duke Ellington e Miles Davis. Escreveu inúmeros artigos para as revistas de Jazz Le Jazz hot e Paris Jaz e até mesmo em revistas norte-americanas da especialidade.
Escreveu muitas canções que alcançaram e continuam a alcançar uma grande notoriedade fazendo hoje parte do património cultural francês como Le Déserteur, La Java des bombes atomiques. Chegou a ter uma banda Jazz formada por si e pelos seus dois irmãos que tocava no famoso clube de Jazz do Quartier Latin Le Tabou. Vian foi o responsável pelo lançamento de vários interpretes da canção Francesa, nomeadamente Serge Reggiani e Juliette Gréco. aqui


L'écume des jours, um dos seus melhores livros, considerado a sua obra-prima, mundo do absurdo e, a partir de determinada altura, estranhamente claustrofóbico... Uma doença apodera-se de uma das personagens e toma conta do ambiente afectando tudo e todos.


Li-o há alguns anos por motivos escolares. 

Boa quinta-feira a todos, meus amigos.
Abraços

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sábado, 7 de março de 2020

As mulheres são mais fortes

Para começar, gosto das mulheres. Acho que elas são mais fortes, mais sensíveis e que têm mais bom senso que os homens. Nem todas as mulheres do mundo são assim, mas digamos que é mais fácil encontrar qualidades humanas nelas do que no género masculino. Todos os poderes políticos, económicos, militares são assunto de homens. Durante séculos, a mulher teve de pedir autorização ao seu marido ou ao seu pai para fazer fosse o que fosse. Como é que pudemos viver assim tanto tempo condenando metade da humanidade à subordinação e à humilhação?
José Saramago, - in 'L'Orient le Jour (2007)'





É Saramago quem o diz. E gosto. 

Contudo, não gostaria de fazer aqui a apologia de que somos seres especiais. Reconheço que temos qualidades apreciáveis. Não quero estabelecer comparações, mas reafirmar que merecemos o nosso lugar na sociedade com direitos e deveres aplicáveis a todo e qualquer cidadão. E perante as mesmas oportunidades, somos capazes de fazer e de fazer acontecer. 

Conhecemos por demais a situação de que fala Saramago, de séculos de subordinação e humilhação. Muito caminho já foi percorrido e continuamos ainda nessa caminhada porque ela é necessária todos os dias. Nada está ganho em definitivo, porque é muito fácil esses valores caírem no esquecimento. 

A violência doméstica continua a fazer vítimas. É assunto a que temos de estar atentos, na aplicação da lei ou no seu melhoramento e construir uma mentalidade nova conducente à igualdade entre mulheres e homens. 

Penso que todos juntos alcançaremos um mundo melhor.


Voá Borboleta - Sara Tavares


José de Sousa Saramago ComSE • GColSE (Azinhaga, Golegã, 16 de novembro de 1922 — Tías, Lanzarote, 18 de junho de 2010) foi um escritor português. Galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. A 24 de Agosto de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico e a 3 de Dezembro de 1998 foi elevado a Grande-Colar da mesma Ordem, uma honra geralmente reservada apenas a Chefes de Estado...aqui


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Texto - Citador

Imagem: daqui