terça-feira, 21 de agosto de 2018

As Pontes - Obras de Arte de Engenharia Civil

As pontes ligam pessoas e coisas e fazem a vida acontecer. À vista delas pensamos logo em duas margens e na possibilidade de irmos de um lado ao outro e trazer o que nos faz falta tanto no aspecto material como num mais elevado, poético, (quase que oiço os Jáfumega: A ponte é uma passagem// p'rá outra margem//Desafio pairando sobre o rio//a ponte é uma miragem). 

E é indiscutível: a existência das pontes facilita grandemente o nosso quotidiano. O interessante é que na construção civil elas têm a designação de Obras de Arte. Assim os viadutos e os túneis, bem como as barragens, os diques, as eclusas, os muros de sustentação. 


O termo remonta à época em que tais estruturas eram concebidas por artífices que, graças a uma importante intuição e criatividade, conseguiram conceber e construir obras que eram apelidadas de "obras de arte". aqui

Só que essas estruturas foram construídas para suportar determinados pesos e esforço, conforme as exigências de cada época. Se pensarmos que em Portugal temos pontes desde os romanos e que de lá para cá foram sendo construídas muitas mais tomamos consciência de como o seu número é elevado*, o que multiplica os cuidados a ter com a sua manutenção. Logo, há que vigiá-las e avaliá-las constantemente no sentido de se determinar se a sua utilização, de forma continuada, obedece aos parâmetros devidos de segurança.


Construída entre o Século I e o Século II d.C.


Passagem de uma resenha histórica em relação às pontes:

Apesar de as primeiras estruturas em arco terem surgido inicialmente na Mesopotâmia e no Egipto entre os anos de 4.000 a.C. e 3.000 a.C., é com os romanos que nascem os primeiros verdadeiros engenheiros da nossa civilização. Tendo por base os conhecimentos adquiridos do contacto com as culturas etrusca e grega e partindo da aplicação do arco, do ponto de vista pragmático e através de experiências em série, os romanos deduziram os princípios teóricos da construção de pontes.* 

Em Março de 2001 fomos assombrados com a queda trágica de um dos pilares da Ponte Hintze Ribeiro, também chamada de Entre-os-rios, e com ela perdemos 59 vidas. Investigações e mais investigações. Foi da areia retirada sistematicamente das suas bases? Parece que foi essa a conclusão. Não foram encontrados culpados. A ponte entrara oficialmente ao serviço em 1888, tendo sido sujeita a algumas intervenções ao longo dos anos, mas não as suficientes em termos de fiscalização para evitar tal desastre. 





O que aconteceu com a Ponte de Entre-os-rios veio despertar-nos para a necessidade urgente de reavaliar o estado das pontes no sentido de passarmos à sua reabilitação. De 2014 encontrei notícias de que haveria cerca de 430 pontes e viadutos a necessitar de obras. Sobre a sua efectivação nada sei. De uma entrevista de 18 deste mês, do Público, a um responsável da Infraestruturas de Portugal, respigo esta pergunta e a correspondente resposta:

Existe um plano de fiscalização com períodos definidos para vistoria?

Podem ser inspecções mais detalhadas a que chamamos inspecções principais, e que regra geral ocorrem de seis em seis anos, ou inspecções de rotina, que têm uma base anual e servem para identificar eventuais anomalias ou confirmar que a manutenção corrente é suficiente.


Podemos ficar descansados? 

De concreto, sabemos que há projectos em relação à Ponte 25 de Abril, para 2019, com vista à realização de obras de reabilitação o que levará à interrupção do trânsito nos seguintes dias: 

No sentido Norte/Sul, os cortes estão previstos para os dias 18 e 19 de maio e 13 e 28 de outubro. No sentido Sul/Norte, as interrupções serão efetuadas nos dias 11 e 12 de maio e 12 e 19 de outubro de 2019. As datas indicadas por António Laranjo coincidem com madrugadas de fins de semana e foram anunciadas durante uma audição na comissão de obras públicas do Parlamento sobre as obras de reabilitação da Ponte 25 de Abril.



A intervenção durará dois anos e ao longo desse tempo outros cortes poderão ser necessários.

Venham as obras e as interrupções de trânsito, para o bem de todos nós.


Daqui expresso a minha tristeza pela tragédia sofrida pelos genoveses com o desabamento do viaduto Morandi, que ceifou tantas vidas e mergulhou os sobreviventes em grande sofrimento. 


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Leia mais:

Ponte 25 de Abril - História

Lista de Pontes de Portugal

Obras na Ponte 25 de Abril

*7200 obras de arte - Manutenção e reparação em tempo

**Conferência Internacional sobre Reabilitação de Estruturas Antigas de Alvenaria
fulltext_CIRea2012.pdf - (Aqui ficamos a saber tudo, ou quase tudo, sobre estas estruturas)

Imagens- Wiki


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A Viagem dos Malditos


Quando cheguei ao canal da RTP Memória, no Domingo à tarde, o filme já tinha começado. Pelas indumentárias consegui identificar a época e à medida que os diálogos iam avançando consegui aperceber-me do tema. Tratava-se de cerca de mil passageiros, 937, talvez judeus (não tinha ainda percebido bem) e pelas datas diárias que iam aparecendo em rodapé, vi que estávamos em Maio de 1939. Muita incerteza lavrava entre as pessoas mas a esperança de chegar a bom porto, Havana, como lhes fora prometido, fazia-as aceitar a situação mesmo sabendo que o futuro era incerto.


Em Havana, entretanto, decorriam conversas, conversações, negociações e negociatas em torno desses passageiros e aos poucos foi ficando evidente que não havia intenção nenhuma de os deixar desembarcar. Com efeito, o comandante do navio, Gustav Schroeder, alemão, homem com grande sentido do dever e da ética, não foi autorizado a desembarcar os seus passageiros. As dificuldades a bordo eram enormes com a concentração de tanta gente com os nervos e frustrações à flor da pele. O navio foi obrigado a sair das águas cubanas sem rumo definido. O comandante ainda chegou a verbalizar perante um dos passageiros, um médico famoso, que pensava provocar um acidente à aproximação do Canal da Mancha forçando à recolha e à aceitação dessas pessoas. Quando já estava tudo preparado para que isso acontecesse chegou a notícia, da parte do agente de ligação dos judeus alemães retidos no navio, que alguns países aceitavam recebê-los.


O destino destes seres humanos apanhados na voragem da segunda guerra mundial e da loucura desses dias, cuja data oficial viria a dar-se em Setembro desse ano com a invasão da Polónia, não será difícil de adivinhar. Pelo menos para a maior parte deles, os campos de concentração com a subsequente destruição da sua forma de vida, e da sua própria vida, foi uma certeza.

De referir que a viagem fora uma farsa. Os judeus foram metidos no navio pelos governantes da Alemanha-nazi para provar ao mundo que ninguém os queria, o que ajudaria ao seu extermínio, conforme é referido aqui.

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SINOPSE

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À medida que via o filme assaltava-me a imagem do Aquarius vogando pelo Mar Mediterrâneo com 141 pessoas a bordo, pessoas essas que ninguém queria receber. A Itália a fazer ver à Europa que para esse peditório já deu. Falava-se em Malta e Espanha que também se recusavam a recebê-las. E os outros países onde estavam? É certo que o assunto está resolvido, de momento. Chegou-se a um acordo de circunstância, creio eu, com o beneplácito da União Europeia. Portugal e outros países vão recebê-las ou já as receberam. E depois? Quais as soluções de fundo? Onde estarão os gabinetes de crise que deveriam ser criados para estudar com seriedade esse problema migratório?

Não queiramos que os vindouros nos acusem de desumanos daqui a uns anos quando alguém se lembrar de fazer um filme apresentando o Mar Mediterrâneo como o Mar da nossa Vergonha. Há uma certeza: a História julgar-nos-à.


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2ª imagem - net: 
O navio SS St. Louis no porto de Havana
Aquarius - aqui

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Livro da Vida


Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia... 
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada, 
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria 
Ao primeiro clarão da primeira alvorada. 

Perto dele caminha, em ruidoso tumulto, 
Todo o humano tropel num clamor ululando, 
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto, 
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos; 
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,— 
A ler e a meditar postulados eternos, 
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida, 
Cujo eterno segredo e alcance transcendente 
Ele tenta arrancar da folha percorrida, 
Como de mina obscura a pedra refulgente.

Mas o tempo caminha; os anos vão correndo; 
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão... 
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo! 
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta: 
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos, 
Nem o humano sofrer, que outras almas enluta, 
Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!

Só depois de voltada a folha derradeira, 
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado, 
É que o Sábio entreviu, como numa clareira, 
A luz que iluminou todo o caminho andado..

Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas, 
Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento, 
— Tudo viu num relance em imagens perdidas, 
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.

Mas então, lamentando o seu estéril zelo, 
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou, 
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo, 
Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou... 


 in 'Sol de Inverno' 



António de Castro Feijó (1859-1917) Poeta e diplomata. Português. Diz-se que a morte prematura da esposa viria a influenciá-lo, imprimindo um certo tom fúnebre à sua obra.

Neste poema vejo-lhe, contudo, válidos motivos de reflexão sobre a Vida e do que queremos fazer com ela. Tudo o que nos rodeia faz parte dela. Se é importante a parte teórica, os ensinamentos antigos, os valores da filosofia, as leis e outras disposições, é a sua aplicação no nosso quotidiano que nos enobrece. É fundamental passarmos das normas à prática, experimentando, experimentando, experimentando até ver se as coisas funcionam para que no momento de grandes emergências cada um saiba o seu lugar e as suas funções.

Os incêndios que lavram em Monchique mostram como somos pequenos perante tragédias dessa natureza. Mais uma parte do país a ser devorado pelas chamas, pessoas em desespero... O meu apreço àqueles que lá estão, no terreno, procurando de todas as formas que as coisas não assumam aspectos de total catástrofe.

Antes de Monchique, a Grécia. Também lá se viu como a falta de planeamento pode tomar proporções inconcebíveis, incontroláveis. Vidas ceifadas pelo fogo, pelo mar, também nas escarpas. Em momentos de aflição tudo parece conjugar-se para fechar todas as saídas.


Por aqui ainda a curar uma gripe (a tentar, pelo menos).
Desejo-vos uma boa semana.

Abraço.

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Poema: Citador