segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Acordem Rainhas!




Chegou-me a notícia deste movimento "Acordem Rainhas!", que visa alertar e consciencializar as Mulheres cabo-verdianas dos seus direitos perante maus-tratos, violência doméstica e discriminação de género. Sabemos o que acontece por cá através das notícias que nos vão chegando, situações que chegam à forma extrema de feminicídeo.


Video do movimento aqui.(não consegui importá-lo)


E veio-me à ideia, neste momento, o poema de António Gedeão, Calçada de Carriche. Talvez já o tenha publicado, mas penso que não haverá nenhum outro que expresse tão bem os sacrifícios e a submissão da Mulher perante forças retrógradas que parecem vir do fundo dos tempos. 


Eis o Mito de Sísifo adaptado à condição feminina:


CALÇADA DE CARRICHE


Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.



Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.



in 'Teatro do Mundo'





Aproveito a oportunidade para vos deixar, abaixo, links de alguns dos posts que tenho produzido ao longo destes anos da existência deste Xaile.

17 comentários:

  1. Todos os dias centenas de mulheres são morta em todo o mundo, por aqueles que um dia juraram amá-las e protegê-las.
    E nunca é demais a denúncia.
    Muito bom este poema do Gedeão. Que eu associo sempre à voz da Odete Santos.
    Abraço e uma boa semana

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  2. Muito oportuno esse tema pois sempre vemos acontecimentos tristes com mulheres! Linda poesia! beijos, ótima semana,chica

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  3. Apesar de triste muito bonito o poema e fez-me pensar: quantas de nós mulheres não nos sentimos assim ainda nos dias de hoje, com outras modernices mas com tamanhos afazeres e responsabilidade que muitas vezes "não damos por nada". Fico sempre revoltada com maus tratos principalmente a mulheres e crianças, tendo duas filhas meninas estou sempre a alerta-las para a dura realidade que infelizmente ainda acontece a mulheres e a crianças, o conhecimento é a melhor arma!

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  4. A Calçada de Carriche do Poeta Gedeão é aquele que nunca conseguimos esquecer.
    As mulheres continuam a ser as principais vítimas da violência doméstica. Gostei de saber do movimento "Acordem rainhas" para consciencializar as Mulheres cabo-verdianas dos seus direitos perante maus-tratos… Todas as iniciativas são importantes. É sempre muito bom ouvir a Sara Tavares.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  5. Fantástico, maravilhoso:))

    Bjos
    Votos de uma Segunda-Feira

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  6. O poema de Gedeão é dolorosamente belo e a canção de Sara Tavares é o seu contraponto.
    As Rainhas/ Mulheres merecem tudo de bom!

    Abraço

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  7. A calçada de Carriche sempre foi arrepiante e corresponde, ainda, a duras realidades."Acordem Rainhas" é um movimento que deveria acordar o planeta. Que estes gritos de justiça tenham o impacto que a humanidade precisa.

    Por aqui há sempre um mote de intervenção. E a voz de Sara Tavares vem dizer-nos que o mundo até poderia ser um lugar aprazível.

    Gostei muito, querida Olinda.

    Abraço fraterno.

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  8. Boas causas, aqui, sempre!
    o nome do Movimento "Acordem Rainhas!" é muito sugestivo
    e motivador.

    fico a torcer pelo sucesso deste movimento emancipador
    das Rainhas de Cabo Verde.

    a Calçada de Carriche, infelizmente, permanece muito actual

    abraço, amiga Olinda

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  9. Bella la poesia. Bello il video di Sara Tavares, brava e una voce che mi piace.
    Buona serata.

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  10. Gostei muito da postagem, Olinda.
    Tudo bom.
    Bjnh
    ~~

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  11. Boa noite de paz, querida amiga Olinda!
    Belíssimo o tema poetado da forma cadenciada como o fez! Escolhas perfeitas, amiga.
    Ser tomada sem amor, coitada delas, meu Deus. E uma monstruosa sina.
    Abaixo a violencia seja em que nivel for!
    Tenha dias abencoados!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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  12. Belíssimo poema de António Gedeão, de quem li vários poemas e postei, também. Quanto ao movimento 'Acordem Rainhas', é mais do que válido, e que se espalhe por todo planeta! Que as mulheres se ajudem, o feminicídio, conta-se por minuto: quantas mulheres são mortas no mundo?
    Ótima postagem, querida Olinda,
    beijo, boa semana.

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  13. Minha querida Olinda
    Mais uma vez aconteceu o que é habitual - arrepiei-me ao reler o poema de António Gedeão.
    É duma crueza tão grande que ninguém pode ficar indiferente.
    Estive em Cabo Verde o ano passado, nas ilhas da Boavista e Sal. Vivi 2 anos em São Vicente, há pouco mais de 50 anos.
    Evidentemente que se notam diferenças mas... não tantas como seria desejável.
    O mundo anda muito devagar, para muitas pessoas...😥

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  14. Olá Olinda querida

    Lindos poemas...

    Beijos
    Ani

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  15. E " porque é outubro " devemos pensar no sofrimento de muitas mulheres vitimas desta doença que atormenta a todos e que não há meio de desaparecer. A mulher tem de continuar a lutar pelos seus direitos, apesar de vivermos tempos ditos modernos onde os avanços em todas as áreas têm sido enormes; tudo tem mudado e muitas coisas estao muito melhores, mas a violência contra a mulher, infelizmente continua; no entanto, neste aspecto, acho que as coisas melhoraram um pouco; as mulheres estão mais corajosas e denunciam a violência sofrida e aquele ditado " em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher " está cada vez mais em desuso e já há quem não tenha medo de denunciar casos que conhece. É obrigação de todos " não calar" quando conhece este tipo de crime, seja contra mulheres, homens, crianças e
    também idosos. Querida Olinda, não conhecia este poema de António Gedeão, mas fiquei " arrepiada" ao lê-lo, Gostdi muito da música da Sara Tavares, Espero que esse movimento a favor das mulheres, em Cabo Verde, seja um sucesso e que " as rainhas acordem " ; é preciso também que acordemos para a importância da prevenção do cancro da mama, doença que, neste mês de Outubro, é lembrada com variadas iniciativas. Obrigada, querida Amiga, por nos levares a reflectir nestes problemas, infelizmente tão tristes e actuais. Este Xaile aconchega e informa e eu saio daqui sempre mais enriquecida, Boa noite, querida Olinda! Um abraço do tamanho do mundo.
    Emília

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  16. Olinda, não sei como deixei passar esta postagem...
    Apoio este movimento e, porque não posso/devo calar a minha revolta, grito daqui, bem alto: ACORDEM RAINHAS DE TODO O MUNDO!!!
    Que bem escolheste o poema (confesso que nunca o tinha lido na totalidade) e a canção. O teu "Xaile" sempre, sempre aconchegante!
    Beijo, querida amiga, feliz fim-de-semana.

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