quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Drummond de Andrade - Vamos! vamos conjugar o verbo ... Amar.

É no poema Além da Terra, Além do Céu* que Carlos Drummond de Andrade nos coloca perante o nosso destino maior que é Amar. E sempreamar e pluriamar, razão de ser e de viver. Estes seus versos são conhecidíssimos, mas temos sempre a tentação, a necessidade, a vontade de os dizer, de os ler, de os declamar. E, embora já constem de um post aqui no Xaile, apresento-vos este excerto, só porque sim:

vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.





Mas não ficamos por aqui. Encontrei um outro poema sob o signo do Amor, que vou mesmo transcrever, onde encontramos a definição do nosso destino com todas as letras:

AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.


E está dito. Não há alternativa para nós senão AMAR, AMAR E AMAR. E escusem os donos do mundo de dizer o contrário, declarando guerras e desestabilizando as criaturas deste nosso universo, porque se todos nós o quisermos amar-nos-emos apesar de todos os pesares. Bastará que o queiramos.

Utópico isto? Pois que o seja. Paremos com as malquerenças e os actos que nos levam a desastres humanitários de que somos todos vítimas, em especial os inocentes.

A propósito. Dizem-nos que hoje é dia da poupança. Bem bom. E é bom que poupemos em desperdícios, poupemos na água, bem escasso, releguemos o consumismo para um plano que nos seja inacessível. Mas esbanjemos em Amor, e com urgência.




Voltando a Drummond de Andrade, aqui encontrareis 25 dos seus melhores poemas, e a respectiva análise, aliás, uma análise das várias que têm havido sobre a sua obra. Contudo, apraz-me acrescentar o seguinte, retirado de aqui:

Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato, herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas.

Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da história, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994).


Aproveito para indicar, a seguir, links de alguns dos poemas/contos de Drummond de Andrade, que na vossa companhia tive o prazer de ler e de trocar impressões:

E agora, José? - poema
Maneira de amar - conto que a Emília me trouxe
A Máquina do Mundo - post Centro do Mundo
Além da Terra, Além do Céu, post Do verbo amar
A Palavra mágica - poema

Tempo agora para relembrar um grande clássico: Beethoven. Fiquemos com a sua nona sinfonia dedicada "À Alegria", numa deliciosa encenação por parte do maestro, intérpretes, público, elementos imprescindíveis para que a obra de um compositor ganhe alma:




E, já agora, gostaria como o amigo Pedro Luso que o Dia da Poesia no Brasil tivesse continuado a homenagear a data do nascimento de Castro Alves.

Continuação de um bom dia.

Abraço.

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04/11/2019

E VEJAM O MEU CÉU NO BLOG DA CHICA

Obrigada, Amiga :)

Beijinhos


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Nota sobre o Dia da Poesia no Brasil:
Inicialmente comemorado a 14 de Março, data do nascimento de Castro Alves, foi posteriormente instituído o dia 31 de Outubro, assinalando o dia do nascimento de Drummond de Andrade.

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Veja se lhe interessar:
Modernismo no Brasil

*Além da Terra, Além do Céu - também título da
Antologia de Poesia Brasileira Contemporânea –Vol III

12 comentários:

  1. Boa tarde de paz e alegria, querida amiga Olinda!
    "Mas esbanjemos em Amor, e com urgência."
    Suas palavras sao essenciais aqui num post sobre Amor.
    Sempre exalando Amor em todo post e em como posta.
    Seja feliz e abencoada!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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  2. Querida Olinda, acabei agora mesmo de responder ao teu comentário no Começar de novo e , lá explicava-te as razões da minha ausência aqui neste cantinho tão acolhedor; mas..., de repente, lembrei-me de " dar um saltinho aqui " e ainda mês que houve esse " sussurro " no meu interior, porque este teu post sobre o amor, só não me fez chorar, porque não sou muito chorona; amanhã é um dia que nos deve levar a pensar no amor como sentimento grande, sempre, sempre presente, mesmo quando as pessoas amadas já não estão connosco; não adianta, encher o túmulo de flores carissimas, se dentro de nós ela já há muito não existe; continuar a amå-la como se estivesse aqui juntinho a nós é a melhor homenagem que lhe podemos fazer. Tive oportunidade de recordar o conto sobre o amor, publicado há anos aqui neste meu cantinho e que tu, querida Amiga, soubeste valorizar de tal maneira que, tantos anos depois o partilhas com os nossos amigos. A isto, amiga, se chama, amor, porque amizade é uma forma linda de Amar e é esse amar e todas as outras formas de amar que devemos colocar como prioridade nas nossas vidas, por mais que os senhores da guerra façam o contrário, por mais que os insurrectos se infiltrem nas manifestações e nos amedrontem com as barbaridades. Continuaremos, sim, a conjugar esse verbo em todos os seus tempos e pessoas por mais utópico que isso pareça, porque, sabemos por experiência própria, que Amar e ser amado nos faz bem e nos dá uma serenidade que nenhum dinheiro é capaz de comprar. Quanto à poupança, querida Olinda, sempre fui avessa a desperdício e acho que poupar é também um acto de amor. Que amanhã o teu dia , apesar de nostálgico, te leve aos tempos idos onde o amor dos que já partiram te aconchegava e te enchia os dias de grande felicidade. Um grande abraço e o meu reconhecimento pelo tanto de carinho que me dás. Amizades destas, eu sei guardar num lugar muito, muito especial, o meu coração e tu estarás lá sempre!
    Emilia

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  3. Corrigindo....ainda bem
    Elas já há muito não existem
    a isto, amiga, se chama amor

    Boa noite! Beijo
    Emilia

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  4. Maravilhosos poemas de amor , querida Olinda. Esbanjemos! A tablet do meu neto ao lado do meu computador e vou vendo, em simultâneo, os vídeos dele e comentando. O amor é esta partilha permanente. este júbilo de viver.

    Um abraço imenso.

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  5. Uma publicação magistral:))

    Bjos
    Votos de uma óptima noite

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  6. Olinda,
    Bela publicação... Comovente, espontânea e necessária.
    Eu também prestei homenagens ao nosso Carlos Drummond de Andrade no DOUG BLOG.
    Beijos e bom início de novembro!!!

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  7. Olinda, tu és o amor!
    Porque tu amas, oh linda!
    Em ti, o amor não finda!
    É eterno em seu valor

    Como o mais superior
    Sentimento teu, Olinda!
    E multiplica-se ainda
    Por ser multiplicador

    O efeito da corrente
    De quem ama e leva em frente
    Esse amor de si, além,

    Pois quem recebe amor, sente
    A necessidade urgente
    De amar alguém também!

    Grande abraço! Laerte.


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  8. dois poemas de antologia, um poeta de eleição e um texto de enquadramento notável - e um espaço de qualidade e bom gosto, que é privilégio frequentar!

    "sempreamar" e "pluriamar" dois verbos que, sem presunção descabida, eu gostaria de ter inventado, como certamente cada um de nós.

    no entanto, quase sem se dar por conta, quase em rodapé, a prodigiosa noção de "esbanjamento" do Amor, é a marca de água que assinala a qualidade e a profundidade desta excelente composição literária.

    gostei muito, amiga Olinda
    abraço


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  9. Meus amigos

    Peço desculpas pela demora na publicação dos vossos preciosos comentários, o que se deveu a ter estado fora neste fim-de-semana.

    Muito obrigada.

    Abraços

    Olinda

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  10. Drummond de Andrade é um poeta que leio e releio. Gosto desse esbanjamento do amor. E gosto de poemas de amor que alguns autores já não fazem porque aderiram uma “corrente” que expurga a poesia da sua componente romântica, como se quisessem ignorar a dimensão afectiva do quotidiano. Torga dizia: sem amor nenhuns olhos são videntes...
    Uma boa semana, minha Amiga Olinda.
    Um beijo.

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  11. "Amar" é, na minha opinião, um dos poemas mais belos que há. Drummond é um orgulho para o meu país, penso eu, que grande poeta foi/ é. Um abraço, Olinda.

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  12. Também fiz um estudo algo profundo sobre Drummond de Andrade quando iniciei o meu blogue, a fim de homenagear o Poeta de Itabira e o meu amigo itabirense que muito me incentivou a abri-lo.
    Gostei muito do seu céu, uma vista aérea soberba do Pico mais alto do arquipélago.
    Dias muito agradáveis.
    Abraço grande.
    ~~~~

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